Maria é o molde vivo de Deus
Santo Agostinho chama Maria de molde vivo de Deus.
E, de fato, é. Quero dizer que somente nela Deus se formou
como homem perfeito, sem faltar nenhum traço de
divindade, e que somente nela o homem se transforma
perfeitamente em Deus pela graça de Jesus Cristo, na
medida em que a natureza humana o permite.
Escultores podem fazer uma estátua ou busto perfeito de
duas maneiras:
1º – dependendo de sua habilidade, força sua ciência e a perfeição de suas ferramentas e
trabalhando em uma matéria dura e informe; ou,
2º – usando um molde. Longo, difícil e exposto a muitos
contratempos é o primeiro procedimento: um golpe
infeliz de um cinzel ou de um martelo muitas vezes é
suficiente para estragar tudo. Já o segundo método é
rápido, simples, suave, mais barato e menos cansativo,
desde que o molde seja perfeito e represente com
precisão a figura a ser reproduzida e que o material
utilizado seja maleável e não resista ao manuseio.
Maria é o maravilhoso molde de Deus, feito pelo
Espírito Santo para formar perfeitamente um Homem
Deus através da encarnação e tornar o homem
participante da natureza divina, pela graça. Maria é o
molde no qual não falta um único traço de divindade.
Quem se lança nela e se deixa moldar receberá todos os
traços de Jesus Cristo, verdadeiro Deus. E isso,
suavemente e na proporção de nossa fraqueza, sem
grande esforço ou angústia, com segurança, sem o
perigo de ilusões, pois o diabo não teve e nunca terá
entrada onde Maria está; de maneira santa e imaculada,
sem qualquer vestígio de pecado.
Querida alma, há uma grande diferença entre um
cristão formado em Jesus Cristo por meios ordinários e
que, como escultores, confia em sua capacidade pessoal,
e outro totalmente dócil, altruísta e disponível, que, sem
confiar em si mesmo, confia plenamente em Maria para
ser nela moldada pelo Espírito Santo. Quantas manchas,
defeitos, trevas, ilusões, resquícios naturais e humanos
há no primeiro! Quão purificado, divino e semelhante a
Jesus Cristo é o segundo!
Nesta criatura adorável só Deus será encontrado: um Deus, ao
mesmo tempo, infinitamente santo e transcendente, e
infinitamente próximo e ao alcance de nossa fraqueza. Certamente
Deus está em toda parte – mesmo no inferno ele pode ser
encontrado. Mas em nenhum lugar ele pode ser encontrado tão
perto e ao alcance da fraqueza humana como em Maria, porque
para isso ele desceu a ela. Em toda parte está o Pão dos fortes e
dos anjos; em Maria, ao contrário, é o Pão dos filhos.
Virgem Maria é a Fôrma de Deus, na qual são moldados os santos.
A Santíssima Virgem Maria é a Fôrma de Deus, em latim forma Dei, na qual os santos são moldados. Nossa Senhora é um lugar santo, o Santo dos Santos1, onde os santos são formados e moldados à imagem e semelhança de Deus. “Santo Agostinho chama a Santíssima Virgem ‘Fôrma de Deus’, Fôrma própria para formar e moldar deuses: ‘Sois digna de ser chamada Fôrma de Deus’. Aquele que é lançado nesta Fôrma Divina depressa é formado e moldado em Jesus Cristo e Jesus Cristo nele. Facilmente e em pouco tempo será transformado em Deus, divinizado, pois é lançado no próprio molde que formou um Deus
São Luís Maria nos ajuda a compreender a doutrina de Agostinho, ensinando-nos como os santos são moldados em Maria, a partir das duas formas que um escultor faz uma imagem: “1º) servindo-se de seu engenho, de sua fora, de sua ciência e dos instrumentos adequados para fazer essa figura de uma matéria dura e informe; 2º) pode lançá-lo numa forma. A primeira é demorada e difícil, e sujeita a muitos acidentes: muitas vezes basta um golpe de cinzel ou de martelo mal dado para estragar toda a obra. A segunda é rápida, fácil e suave, quase sem trabalho e sem esforço, contanto que o molde seja perfeito e reproduza o original, e que a matéria de que se serve, fácil de se manipular, não resista de maneira alguma à sua mão”3. Maria é este molde perfeito, que produz os santos, imagens perfeitas de Jesus Cristo. Porém, só se lança na Fôrma o que está fundido e líquido, ou seja, devemos destruir e fundir em nós o velho Adão, para que em Maria transformemo-nos no novo Adão4, que é Jesus Cristo.
Nossa Senhora formou Jesus Cristo, o Chefe dos predestinados, e ela também deve “formar os membros desse Chefe, que são os verdadeiros cristãos; pois uma mãe não forma a cabeça sem os membros, nem os membros sem a cabeça”5. Se queremos ser membros de Jesus Cristo, cheios de graça e de verdade, devemos ser formados em Maria, por meio da graça que nela habita em toda a plenitude. Maria é o molde vivo de Deus e dos santos. A Mãe da Igreja é chamada por Santo Agostinho, e é em verdade, o molde vivo de Deus. Pois, “foi nela somente que Deus feito homem foi formado ao natural, sem que lhe falte nenhum traço da Divindade; e é também somente nela que o homem pode ser formado em Deus ao natural, tanto quanto a natureza humana é disso capaz, pela graça de Jesus Cristo”6.
Luís de Montfort compara os diretores espirituais e as pessoas devotas que querem formar Jesus Cristo em si ou nos outros por meio de práticas diferentes da devoção que ensina a escultores que, confiando em suas habilidades, diligência e arte, dão vários golpes de martelo e cinzel numa pedra dura ou num pedaço de madeira mal polida, para fazer uma imagem de Jesus Cristo. Estes, “às vezes não conseguem representar Jesus Cristo ao vivo, quer por falta de conhecimento e experiência da pessoa de Jesus, quer por causa de um golpe mal dado, que estragou a obra”7. Mas, os que abraçam este segredo de graça, que é a consagração a Virgem Maria, são comparados, com razão, a “fundidores e moldadores que acharam a Fôrma tão bela de Maria, na qual Jesus Cristo foi natural e divinamente formado. Não confiando na sua própria habilidade, mas unicamente na excelência da Fôrma, lançam-se e perdem-se em Maria, para se tornarem o retrato vivo de Jesus Cristo”8.
Assim, conclui São Luís Maria: “Ó bela e verdadeira comparação! Mas quem a compreenderá? Desejo que sejas tu, meu querido irmão. Mas lembra-te que só se lança na fôrma o que está fundido e líquido. Isto quer dizer que deves destruir e fundir em ti o velho Adão, para que em Maria te transformes no novo”9. A Santíssima Virgem “Maria é o grande molde de Deus, feito pelo Espírito Santo, para formar ao natural um Homem-Deus pela união hipostática10, e para formar um homem Deus pela graça. Não falta a este molde nenhum traço da divindade; quem quer que nele se deixe manejar, nele recebe todos os traços de Jesus Cristo, verdadeiro Deus, duma maneira suave, proporcionada à fraqueza humana, sem muito trabalho e agonia; duma maneira segura, sem temor de ilusão, pois o demônio nunca teve e jamais terá acesso até Maria, santa e imaculada, sem sombra da menor mancha de pecado”11. Feliz da alma “bem manejável, bem desligada, bem fundida, e a qual, sem nenhum apoio em si mesma, se lança em Maria, e aí se deixa manejar pela operação do Espírito Santo!”12 Como é pura, divina e semelhante a Jesus Cristo a alma moldada na Fôrma de Deus! Nossa Senhora de Czestochowa, rogai por nós! Santo Agostinho, rogai por nós!
(dos Escritos de S Luis Maria G Montfour)
Maria recebe participação da onipotência divina (LIVRO MISTICA CIDADE DE DEUS)
18. Esta ciência não era ociosa nem estéril em nossa prudentíssima Virgem.
Da claríssima luz da divindade n’Ela redundavam, quase imediatamente, admiração, louvor e amor da bondade e poder
divino. Transformada em Deus, fazia he- róicos atos de todas as virtudes, compra- zendo plenamente Sua Majestade. No primeiro dia, Deus a fez parpecado original e seus efeitos. Não devia ser incluída no padrão universal dos in- sensatos filhos de Adão, contra quem o
Onipotente armou as criaturas (Sab 5,18)
para vingar suas injúrias e castigar a lou- cura dos mortais. Se eles não se houves- sem tornado desobedientes ao seu
ticipante do atributo de sua sabedoria. Neste segundo, lhe comunicou o da oni- potência, dando-lhe poder sobre as in- fluências dos céus, planetas e elementos, com ordem para estes a Ela obedecerem. Ficou esta Rainha com domínio sobre o
mar, terra, elementos e orbes celestes, e todas as criaturas que eles contém.
Primeira razão que justifica os privilégios de Maria
19. Este domínio e poder pertencem também à dignidade de Maria santíssima, pela razão que acima disse. Além
daquela razão, por mais outras duas espe- ciais: uma, porque esta Senhora e Rainha
era privilegiada e isenta da comum lei do Criador, tampouco os elementos lhes seriam rebeldes e molestos, nem voltariam
contra eles o rigor de sua inclemência. Sendo esta rebelião das criaturas
castigo do pecado, não devia atingir Maria santíssima, imaculada, sem culpa. Tam- pouco deveria Ela, neste privilégio, ser in- ferior à natureza angélica, que não é atingida por esta pena do pecado, nem pela força dos elementos. Sendo Maria de
natureza corpórea e terrena, n’Ela foi mais estimável (por ser mais singular e difícil)
elevar-se acima de todas as criaturas terrenas e espirituais e fazer-se, por seus mé- ritos, condigna Rainha e Senhora de toda
a criação. Era justo ser concedido mais à Rainha do que aos vassalos, e mais à Senhora do que aos servos.
As riquezas da graça em Maria
” E eu, João – prossegue o Evangelista – vi a cidade santa de Jerusalém que descia do céu e de Deus, adornada
como a esposa para o seu esposo (Ap 21, 2)”.
– A mim, indigno Apóstolo de Jesus
Cristo, foi revelado este oculto mistério,
para manifestá-lo ao mundo. Vi a Mãe do
Verbo humanado, verdadeira e mística cidade de Jerusalém, visão de paz, que descia do trono de Deus à terra. Vinha revestida
de divindade, adornada com nova participação de seus atributos – sabedoria, poder,
santidade, imutabilidade, amabilidade – e
toda semelhante a seu Filho. Vinha como
instrumento da onipotente destra, como
vice-deus, por nova participação. Privando-se, voluntariamente, do gozo da visão
beatífíca, vinha à terra para trabalhar em
benefício dos fiéis.
Por este motivo, determinou o
Altíssimo enviá-la preparada e guarnecida
com todo o seu poder. Quis suprir o estado
da visão beatífíca que Ela deixara, com
outra participação e visão de sua incompreensível divindade. Compatível com o
estado de viadora, esta visão era tão divina
e elevada que excedia a todo humano e
angélico entendimento.
Para isto adornou-a, por sua mão,
com todos os dons possíveis, e a deixou
preparada como esposa para seu esposo,
o Verbo humanado. Nenhuma graça e excelência, das que Ele pudesse lhe desejar,
n’Ela faltou. Nem por estar ausente de seu
trono, este Esposo deixou de permanecer
com Ela e n’Ela como em céu e trono proporcionado. Como a esponja se embebe do
licor onde mergulha, enchendo com ele
todos seus espaços, assim também, a nosso modo de entender, ficou esta grande
Senhora repleta da influência e comunicação da divindade.
Por Maria, Deus permanece com os homens
19. Prossegue o texto: “Ouvi uma
grande voz que saía do trono e dizia: Olha
o tabernáculo de Deus com os homens;
habitará com eles, serão seu povo e ele será
seu Deus. (Ap21,3)”.
Esta voz que saiu do trono, atraiu
toda minha atenção, com divinos efeitos
de suavidade e gozo. Entendi como, ainda
em vida mortal, a grande Senhora recebia a
posse da recompensa futura, por singular
favor e prerrogativa, devida somente a Ela
entre todos os mortais.
Ainda que nenhum dos que chegam a receber esta recompensa, tem poder
ou liberdade para voltar a este mundo, a
esta esposa única foi concedida tal graça,
para exaltação de sua grandeza. Tendo
chegado à posse da glória do céu, reconhecida e aclamada por seus cortesãos, como
legítima Rainha e Senhora, livremente desceu à terra, para ser serva de seus próprios
vassalos e criá-los e dirigi-los como filhos.
Por esta imensa caridade, mereceu
novamente ter a todos os mortais como seu
povo, sendo-lhe confirmada a posse da
Igreja militante, onde voltava a ser habitante e governadora. Assim, mereceu também
que Deus permanecesse com os homens,
misericordioso e propício, porque no peito
de Maria puríssima esteve sacramentado
todo o tempo que Ela viveu na Igreja,
depois que desceu do céu. Para ficar com
Ela, ainda que não houvesse outras razões,
seu Filho ter-se-ia sacramentado. Em suma,
pelos méritos e súplicas de sua Màe, estava Ele com os homens, por graça e novos
favores.
Maria, a Jerusalém celeste
” E o anjo transportou-me em
espírito a um grande e alto monte e mostrou-me a cidade santa, Jerusalém, que
descia do céu, de junto de Deus (Ap 21,10)”.
Com a força do poder divino, fui
elevado a um alto monte de suprema inteligência e luz de ocultos sacramentos. Com
o espírito iluminado, vi a noiva do Cordeiro, sua Esposa, como a cidade santa de
Jerusalém. Noiva do Cordeiro, pela semelhança e amor com Aquele que tirou os
pecados do mundo (Jo 1, 29). Esposa,
porque O acompanhou, inseparavelmente,
em todas suas obras e maravilhas. Por Ela
desceu do seio de seu eterno Pai, e veio ter
suas delícias com os filhos dos homens (Pv
8, 31), visto serem irmãos desta Esposa, e
por Ela, também irmãos do mesmo Verbo
humanado (Mt 28, 10: Jo 20, 17).
Vi-a como cidade de Jerusalém, hospedando em si e dando espaçosa habitação a quem os céus e a terra não podem
conter (2a Parte 6,18). Nesta cidade, Ele
pôs o templo e propiciatório onde quis ser
procurado, para se mostrar propício e liberal com os homens. Vi-a como cidade de
Jerusalém, porque vi encerradas em seu
interior todas as perfeições da Jerusalém
triunfante, e todo o fruto da redenção humana. Ainda que, na terra, Ela se humilhava
e se prostrava a nossos pés, vi-a nas alturas, elevada ao nono à direita de seu
Unigênito (SI 44,10), donde descia à Igreja, próspera e enriquecida para favorecer
aos seus filhos e fiéis.
Segunda razão: Maria não usava dos privilégios para seu proveito
20. A segunda razão era porque
esta divina Rainha seria obedecida, como
à Mãe, por seu Filho santíssimo, criador
dos elementos e de todas as coisas. Era
razoável que todas elas obedecessem a
quem o mesmo Criador prestava obe- diência, pois a pessoa de Cristo, enquanto
homem, seria governada por sua Mãe, por
obrigação e lei da natureza. Este privilégio
era de grande conveniência para realçar
as virtudes e méritos de Maria santíssima, pois para Ela seria voluntário e meritório, o que para nós é inevitável e, ordina- riamente, contra nossa vontade. Não usava a prudentíssima Rainha
desse poder, indistintamente, sobre os ele- mentos e criaturas, ou para seu próprio
proveito e descanso. Pelo contrário, man- dou a todas as criaturas que sobre Ela agis- sem com sua ação naturalmente penosa e
molesta, porque nisto desejava ser seme- lhante a seu Filho santíssimo, padecendo
como Ele. Não sofria também o amor e
humildade desta Senhora que as incíe- mências das criaturas fossem suspensas, privando-a do mérito do sofrimento que
sabia tão estimável aos olhos do Senhor.
Quando usava do poder sobre as criaturas
Somente em algumas ocasiões, não para si mas a favor de seu Filho e Cria- dor, imperava a doce Mãe sobre a força
dos elementos e sua ação, como veremos
adiante (2) nas peregrinações do Egito. Nestas e em outras ocasiões, prudente- mente julgava que as criaturas deveriam
reconhecer seu Criador reverenciando-o
(3), abrigando-o e servindo-o em alguma
necessidade. Quem dos mortais não se admirará
de tão nova maravilha? Uma mulher, pura
criatura terrestre, com domínio sobre toda
a criação; e em sua própria estima se re- putar pela mais indigna e vil de todas elas. Nesta consideração, mandar ao rigor dos
ventos que exercite sua ação contra Ela. Temerosos e corteses, porém, com tal Se- nhora, agiam mais por lhe honrar a auto- ridade do que para vingar a causa do seu
Criador, como o fazem com os demais filhos de Adão.
Maria conhece a predestinação das almas
52, Não é possível manifestar os
ocultos mistérios que Maria santíssima
conheceu no Senhor. N*Ele viu todas as
criaturas presentes, passadas e futuras, a
disposição de suas almas, as obras boas e
más que fariam, e o fim que todas teriam. Se não fosse confortada pela virtude divi- na, não teria podido conservar a vida, em
conseqüência dos efeitos e sentimentos
que esta ciência e visão, de tão recônditos
mistérios, nela produziram. Como, porém, estes milagres e
graças eram-lhe concedidos para altos
fins, Deus não se mostrava parcimonioso, mas sim liberalíssimo com a escolhida
para Mãe sua. Desta ciência que recebia direta- mente do ser divino, dimanava-lhe tam- bém o fogo da caridade eterna que a
inflamava no amor de Deus e do próximo. Assim continuou suas petições dizendo;
Advoga a causa dos mortais
53. Senhor, Deus eterno, invisível e imortal, confesso vossa justiça, engrandeço vossas obras, adoro vosso ser in- finito e reverencio vossos juízos. Meu coração se desfaz em afetos de amor, ven- do vossa ilimitada bondade pelos homens
e a pesada ingratidão deles para convosco. A todos querei s, meu Deus, dar a vida eter- na. Poucos agradecerão este inestimável
benefício, e muitos o perderão por ma- lícia. Se por isso vos desobrigais, Bem
meu, estamos perdidos. Se, com vossa ciência divina estais prevendo as culpas e
malícia dos homens que tanto vos desobrigam, com a mesma ciência vêdes
vosso Unigênito humanado, seus atos de infinito valor e apreço para vossa aceita- ção e que, sem comparação, ultrapassam
e excedem as ofensas dos pecados. A este Homem-Deus deveis considerar e, por
atenção a Ele, nô-Io dar. Para novamente solicitá-lo em nome do gênero humano, visto-me do es- pírito do Verbo feito homem em vossa
mente, peço sua encarnaçâo e por Ele a vida eterna para todos os mortais.
Continuam as objeções divinas
54. A esta petição de Maria santíssima, representou-se (a nosso modo de falar) ao Pai eterno, como seu Unigênito
desceria ao virginal seio desta grande Rainha e rendeu-se aos seus amorosos e humildes rogos. Ainda que prosseguia
mostrando-se indeciso, isto era artificio
de seu amor para continuár ouvir a voz de
sua amada, permitindo que seus doces lá- bios (Cant 4,11) destilassem mel suavís- simo e suas emissões (idem, 13) fossem
do paraíso. Para prolongar esta deliciosa
contenda, respondeu-lhe o Senhor: Dul- císsima esposa, pomba escolhida, é muito
o que me pedes e pouco o que os homens
merecem. Como a indignos se há de con- ceder tão raro beneficio? Deixa-me, ami- ga, tratá-los conforme sua má cor- respondência. Respondia nossa poderosa e cle- mente advogada: Não, Senhor meu, não
vos deixarei com minha insistência; se
peço muito, peço-o a Vós, rico em mise- ricórdia, poderoso nas obras, veríssimo
nas palavras. Falando de Vós e do Verbo
eterno, declarou meu pai Davi: O Senhor
jurou e não se arrependerá, tu és sacerdote
segundo a ordem de Melquisedeque (SI 109, 4). Venha, pois, este sacerdote e vítima para o sacrifício de nosso resgate;
não podeis vos arrepender de vossa pro- messa, porque não prometeis com igno- rância. Doce amor meu, revestida da
virtude deste Homem-Deus não cessará
minha porfia, até me concederes a bênção
como a meu pai Jacó (Gn 32,26).
Deus deixa-se vencer pelas súplicas da Virgem
55. Como a Jacó, perguntou-se
neste combate divino à nossa Rainha e Se- nhora, qual era seu nome. Respondeu: Sou
filha de Adão, feita por vossas mãos da
humilde matéria do pó. Respondeu-lhe o Altíssimo: De
hoje em diante teu nome será “escolhida
para Mãe de meu Unigênito”. Estas últi- mas palavras, porém, foram entendidas só
pelos cortezãos do céu, e Ela só entendeu
que era escolhida, sendo-lhe as demais
ocultas até o tempo oportuno. Tendo persistido nesta amorosa
contenda o tempo disposto pela Sabedoria
divina, e conveniente para abrasar o fer- voroso coração da eleita, a Santíssima
Trindade deu-lhe sua real palavra que, em
breve, enviaria ao mundo o Verbo eterno
feito homem. Alegre e cheia de incomparável jú- bilo por este “fiat”, nossa Rainha pediu e
recebeu a bênção do Altíssimo. Deste
combate com Deus, Maria alcançou maior
vitória do que Jacó. Saiu rica, forte e cheia
de despejos, enquanto Deus ficou ferido
e vencido (ao nosso modo de entender)
pelo amor desta Senhora, para vestir-se
em seu sagrado tálamo da fraqueza huma- na de nossa carne passível. Com esta en- cobriria a fortaleza de sua divindade, para
vencer sendo vencido, e dar-nos a vida
morrendo. Vejam os mortais como, depois
de seu bendito Filho, Maria santíssima é
causa de sua salvação.
A Encarnaçâo, a maior de todas as obras divinas
70. Grandes sào as obras do Altís- simo (SI 110, 2), porque todas foram e
são feitas com plenitude de ciência e bon- dade, justiça e medida (Sab 11, 21). Ne- nhuma é incompleta, inútil, defeituosa, supérflua e vã: todas são primorosas e
magníficas como o Senhor que, segundo
a medida de sua vontade, as quis fazer e
conservar do modo mais conveniente, para nelas ser conhecido e glorificado. Fora do mistério da Encarnaçâo, porém, todas as obras de Deus ad extra, ainda que sejam grandes, estupendas e mais admi- ráveis que compreensíveis, não passam de
pequenina centelha (Ecli 42,23) projeta- da do imenso abismo da divindade. Somente o inefável sacramento de
Deus fazer-se homem passível e mortal, pode ser chamado obra-prima do infinito
poder e sabedoria, aquela que excede, sem
comparação, às suas demais obras e ma- ravilhas. Neste mistério, não foi comuni- cada aos homens apenas uma faísca da
divindade, mas todo aquele vulcão de
imenso incêndio, que se uniu com indissolúvel e eterna aliança, à nossa natu- reza humana e terrena.
A grandeza de Maria foi proporcionada à dignidade de Mãe de Deus
71. Se esta sagrada maravilha do
Rei deve ser medida por sua mesma grandeza, era conseqüente que a mulher, em
cujo seio tomaria forma de homem, fosse
perfeita e adornada de todas suas riquezas.
Deveria ter todos os dons e graças possí- veis, com tal plenitude, que nenhum lhe
fosse incompleto ou defeituoso. Sendo isto racional e conveniente
à grandeza do Onipotente, assim Ele o rea- lizou com Maria santíssima, melhor do
que Assuero com a graciosa Ester (Est 2, 9), quando quis elevá-la ao trono de sua
grandeza.
Preparou o Altíssimo nossa Rai- nha Maria com favores, privilégios e dons
jamais imaginados pelas criaturas. Quan- do Ela surgiu à vista dos cortezãos deste
grande Rei imortal dos séculos (Tim 1, 17), todos louvaram o poder divino que, ao escolher uma mulher para Mãe, pôde e
soube torná-la digna de o receber por Filho.
Visão e graças do sétimo dia novena de Maria preparando para a encarnação
72. Chegou o sétimo dia próximo
a este mistério e, à mesma hora que nos
anteriores, a divina Senhora foi chamada
e elevada espiritualmente, com certa dife- rença dos dias precedentes. Neste, foi le- vada corporalmente pelos santos anjos ao
céu empíreo, ficando um deles em seu lu- gar, representando-a com corpo aparente. Chegada ao supremo céu, viu a divindade
com visão abstrativa como nos outros
dias, mas sempre com nova e mais intensa
luz e mistérios mais profundos, que aquela
Vontade sabe c pode esconder ou revelar. Ouviu uma voz que saía do trono
real dizendo: Vem, esposa e pomba esco- lhida, nossa graciosa e amada, que achaste
gra^a a nossos olhos, eleita entre milhares, vem para novamente seres recebida por
nossa única Esposa. Para isto, queremos
te conferir o omato e fonuosura dignos de
nossos desejos.
Atitude e humildade da Virgem
73. A estas palavras, a humilíssima entre os humildes abateu-se e aniquilou-se na presença do Altíssimo, além de
quanto possa compreender a humana capacidade. Toda entregue ao divino beneplácito, com aprazível retraimento, respondeu: Aqui está, Senhor, o pó e vil vermezinho, vossa pobre escrava, para que nela se cumpra vosso maior agrado. Servi-vos do humilde instrumento de
vosso querer, governai-o com vossa destra. Mandou o Altíssimo aos serafins, mais excelentes em dignidade e próximos
ao trono, que assistissem aquela Mulher. Acompanhados por outros, colocaram-se
em forma visível ao pé do trono onde se encontrava Maria santíssima, mais inflamada no divino amor que todos eles.
Sentimentos dos Anjos
74. Era espetáculo de nova admi- ração e júbilo para todos os espíritos angélicos ver naquele lugar, jamais pisado
por outros pés, uma humilde donzela, con- sagrada sua Rainha, mais próxima a Deus
que todas as demais criaturas. Viam no
céu, tão apreciada e considerada, aquela
mulher (Prov 31,10) que o mundo desprezava por desconhecê-la. Viam o pe- nhor e princípio da elevação da natureza
humana acima dos coros celestiais, e já
estabelecida entre eles. Oh! que santa e doce inveja pode- ria causar esta peregrina maravilha aos an- tigos cortezãos da celeste Jerusalém! Que
conceitos formariam para louvar seu Au- tor! Que afetos de humildade repetiriam,
sujeitando seus elevados entendimentos à
vontade e ordenação divina! Reconheceriam ser justo e santo que Ele elevasse os
humildes e favorecesse a humana hurnildade, dando-lhe preferência à angélica.
Maria recebe a graça no mais alto grau
75. Estando os moradores do céu nesta digna admiração, a santíssima Trin- dade^ nosso modo de entender) conferia
consigo mesma quão agradável era a seus olhos a princesa Maria. Correspondera
perfeita e inteiramente aos benefícios e dons que lhe foram confiados. Mediante
eles havia conquistado a glória que ade- quadamente fazia reverter na do Senhor, e não tinha falta, defeito ou impedimento
para receber a dignidade de Mãe do Verbo, para a qual fora destinada. Determinaram as três divinas Pes- soas acrescentar-lhe ainda o supremo grau de graça e amizade com Deus, grau que nenhuma outra criatura tivera nem teria
jamais. Naquele momento conferiram-lhe mais graça do que possuíam todas as demais criaturas reunidas. Vendo realizada
a suprema santidade, que para Maria ideara e concebera sua mente divina, grande
foi por Ela seu agrado e complacência.
A manifestação visível da santidade de Maria
76. Correspondente a esta santidade, e em testemunho da benevolência com
que o Senhor lhe comunicava novas in- fluências de sua divina natureza, mandou
que Maria fosse visivelmente ornada de
veste e jóias misteriosas, significando os
dons interiores, graças e privilégios que
lhe outorgava como Rainha e Esposa. Não
obstante este omato e desposório lhe te- rem sido concedidos outras vezes (1), como quando foi apresentada no templo, nesta ocasião foram acompanhados de no- vas excelências e admiração, porque
constituíam a preparação próxima para o milagre da Encarnaçâo.
Maria será Mãe do Verbo e medianeira da redenção dos homens
87. Encontrava-se a divina princesa, Maria santíssima, tão cheia de graça e
beleza, e o coração de Deus tão ferido
(Cant 4, 9) por seus ternos afetos que, por
fim, O obrigaram a VOaI”do seio do eterno
Pai ao tálamo de seu virginal seio. Assim
rompeu com aquela prolongada rêmora,
que por mais de cinco mil anos o detinha
de vir ao mundo.
Como esta nova maravilha deveria
se executar com plenitude de sabedoria e
equidade, o Senhor a dispos de tal modo,
que a Princesa do céu viesse a ser digna
Mãe do Verbo humanado e, ao mesmo
tempo, eficaz medianeira de sua vinda,
muito mais do que Ester o foi do resgate
de seu povo (Est 7, 8).
Ardia no coração de Maria santíssima o fogo que Deus nele acendera, pedindo-lhe seln ceSSaI”a salvação para a
linhagem humana. Ao mesmo tempo, retraía-se a humilíssima Senhora, sabendo
que, pelo pecado de Adão, estava promulgada para os mortais sentença de morte e
eterna privação da presença de Deus.
A Encarnaçâo no plano divino
109. Desde infinitos séculos estavam determinados, embora escondidos no
segredo da eterna Sabedoria, o tempo e
hora oportunos para ser manifestado na
carne o grande mistério de piedade (Io
Tim 3,16), justificado pelo espírito, pre- gado aos homens, revelado aos anjos e cri- do no mundo. Chegou, pois, a plenitude
dos tempos (Gal 4,4) que, apesar de con- ter muitas profecias e promessas, estavam
demasiado vazios. Faltava-lhes a pleni- tude de Maria santíssima, por cuja vonta- de e consentimento todos os séculos
teriam seu complemento: o Verbo huma- nado, passível e redentor. Antes dos sécu- los estava predestinado este mistério
(l*Cor 2,7) a ser realizado no tempo, por
meio de nossa divina donzela. Achando- se Ela no mundo, não deveria ser adiada
a redenção humana e a vinda do Unigênito
do Pai. Deus já não andaria, provisoria- mente, em tabernáculos (2°Reis 7,6) e ca- sas alheias, mas habitaria definitivamente
em seu templo e casa própria, anteci- padamente edifícada e enriquecida a suas
próprias expensas (l°Par 22,5), mais do
que o templo de Salomão com os tesouros
de seu pai Davi.
Chega o tempo para se operar o mistério
110. Na plenitude deste tempo
preestabelecido, o Altíssimo determinou
enviar seu Filho unigênito ao mundo. Conferindo (a nosso modo de entender e
falar) os decretos de sua eternidade, as
profecias e promessas feitas aos homens
desde o princípio do mundo, com o estado
e santidade a que elevara Maria santíssima, achou tudo concorde para a exaltação
de seu santo nome. Manifestaria aos san- tos anjos a execução de sua eterna vonta- de, e por eles começaria a realizá-la. Falou Deus ao arcanjo São Gabriel
com a voz ou palavra que lhes intima sua
santa vontade. A ordem comum usada por
Deus para iluminar seus espíritos é come- çar pelos superiores, os quais, por sua vez, vão transmitindo essa purificação e ilumi- nação aos inferiores. Assim chega aos úl- timos o que foi revelado aos primeiros. Desta vez, porém, abriu exceção, porque
o arcanjo recebeu diretamente do Senhor
a embaixada de que seria investido.
O arcanjo S. GABRIEL é encarregado de anunciar o mistério à Maria
111. Ao primeiro sinal da vontade divina, São Gabriel atendeu prontamente, como aos pés do trono, para ouvir o ser
imutável do Altíssimo. Declarou-lhe Deus a mensagem que deveria levar a Ma- ria santíssima, com as próprias palavras
que o anjo deveria empregar. Deste modo, o primeiro autor desta embaixada foi o
próprio Deus, que a compôs em sua mente divina. Desta, passaram ao santo arcanjo, que a transmitiu a Maria puríssima. Juntamente com essas palavras, revelou o Se- nhor ao santo príncipe Gabriel muitos e
ocultos sacramentos sobre a Encarnaçâo. A santíssima Trindade mandou-o
anunciar à divina donzela que, entre as mulheres, tora escolhida para Mie do Verbo eterno: que o conceberia em seu virginal seio, por obra do Espírito Santo, permanecendo sempre virgem; e tudo o mais que o mensageiro celeste deveria
transmitir à sua grande Rainha e Senhora.
Todos os anjos recebem revelação da realização do mistério
112. Em seguida, declarou o Se- nhor aos demais anjos, que havendo che- gado o tempo da redenção humana, dispunha-se para descer ao mundo sem mais demora. Todos tinham presenciado
a preparação de Maria santíssima para a
suprema dignidade de Mãe sua. Ouviram os espíritos celestiais a
voz de seu Criador e, com incomparável
gozo e ação de graças pelo cumprimento
de sua etema e perfeita vontade, cantaram
novos cânticos de louvor, repetindo sem- pre aquele hino de Sião: Santo, Santo, Santo, ó Senhor Deus de Sabbaoth (Is 6, 3). Justo e poderoso és Senhor Deus nos- so, que vives nas alturas e olhas aos hu- mildes da terra (SI 112,5). Admiráveis são
todas as tuas obras, altíssimos os teus
pensamentos.
A Encarnaçâo se opera em Maria no estado ordinário da fé.
119. Agora, advirto apenas uma
coisa digna de admiração: para receber a
anunciação do santo arcanjo, e para a rea- lização do alto mistério que se ia efetuar
nesta divina Senhora, deixou-a o Senhor
no estado ordinário das virtudes, como
disse na primeira parte (1). Assim dispôs
o Altíssimo, porque este mistério deveria
se realizar como sacramento de fé, mediante os atos desta virtude, em conjunto
com os da esperança e caridade. Por esta
razão, o Senhor deixou-a no estado ordinário das virtudes, para que acreditasse
e esperasse nas divinas palavras.
As operações das três Pessoas divinas no mistério da Encarnaçâo
125. Chegou, portanto, o feliz dia
em que o Altíssimo, não levando em conta
os longos séculos de tão profunda igno- rância (At 17, 30), determinou manifestar-se aos homens e dar princípio à
redenção do gênero humano, assumindo
a natureza humana nas entranhas de Maria
santíssima, preparada para este mistério, como se disse. Para melhor explicar o que
dele me é manifestado, é forçoso antecipar
alguns ocultos sacramentos sucedidos antes que o Unigênito do eterno Pai descesse
do seu seio. Fica suposto que entre as divinas
Pessoas, conforme ensina a fé, não há desigualdade de sabedoria, onipotência e de- mais atributos, como tampouco a pode
haver na substância da divina natureza. Sendo iguais na infinita dignidade e perfeição, também o são nas operações chamadas: “ad extra”, porque saem de Deus para produzir alguma criatura ou coisa
temporal. Estas operações são comuns às
três divinas Pessoas; são feitas pelas três
enquanto são um mesmo Deus, com a
mesma sabedoria, entendimento e vonta- de. Assim como o Filho sabe, quer e faz
o mesmo que o Pai sabe, quer e faz; também o Espírito Santo sabe, quer e faz o
mesmo que o Pai e o Filho.
Petições do Verbo a favor dos homens
126. Com esta união inseparável, as três Pessoas realizaram a Encarnaçâo
num mesmo ato, embora somente a pessoa
do Verbo haja assumido a natureza humana, unindo-a a Si hipostaticamente. Por
isto, dizemos que o Filho foi enviado pelo
eterno Pai, de cujo entendimento procede, e que o Pai o enviou por obra do Espírito
Santo, que interveio nesta missão. Antes de sair do seio do Pai, descer
dos céus e vir encarnar-se no mundo, a
pessoa do Filho fez, naquele divino consistório, um pedido: Em nome da humani- dade, à qual iria unir sua Pessoa, apresentou seus merecimentos previstos
para, mediante eles, ser concedido a todo
gênero humano a redenção e perdão dos
pecados, pelos quais satisfaria ajustiça di- vina. Pediu o fiat da santíssima vontade
do Pai que o enviava, aceitando o resgate
por meio de suas obras, paixão santíssima
e dos mistérios que desejava realizar em
a nova Igreja e lei da graça.
Confiou-lhe sua herança, os escolhidos e
predestinados. Por isto, disse Cristo nosso
Senhor, por São João (28, 9), que não tinham perecido os que o Pai lhe dera, pojs
guardara a todos (idem 18,12) exceto Judas, o filho da perdição. Disse ainda, nou- tra ve/, que ninguém arrebataria de suas
mãos, nem de seu Pai, uma só de suas ove- lhas (idem 10,28). O mesmo valeria para
todos os nascidos, se cooperassem para
merecer a eficácia da Redenção, sufi. ciente para todos. Ninguém seria excluído
pela divina misericórdia, se por meio do
Redentor a quisesse aceitar.
O Verbo desce do céu
128. Tudo isto (a nosso modo de
entender) passava-se no céu, em o trono
da Ssma. Trindade, antes do fiat de Maria
santíssima, como logo direi. No momento
do Unigênito do Pai descer a suas virgi- nais entranhas, abalaram-se os céus e to- das as criaturas. Por causa de sua união
inseparável, as três divinas Pessoas desce- ram com a do Verbo, que seria a única a
encarnar. Com o Senhor e Deus dos
exércitos, saíram todos os da celestial mi- lícia, cheios de invencível fortaleza e es- plendor. Não era necessário abrir
caminho, porque a Divindade tudo enche
e está em todo o lugar, não podendo ser
por nada estorvada. Apesar disto, os céus
materiais, respeitando o seu Criador, fizerem-lhe reverência e abriram-se os onze
(1) com os elementos inferiores. As estre- las renovaram sua luz, a lua, o sol e demais
planetas apressaram o curso em homena- gem ao seu Criador, e para se acharem pre- sentes à maior de suas obras e maravilhas
Maria teve perfeita consciência do que significava a Encarnaçâo (PARA SEU FIAT TER VALOR DIVINO)
136. Grande maravilha, certamen- te, e digna de nossa admiração, é que todos
estes mistérios e os que cada um encerra, fossem pelo Altíssimo confiados às mãos
de uma humilde donzela, e que ficassem
dependendo do seu fiat. Não foi sem acer- to que os remeteu à sabedoria e fortaleza
desta Mulher forte (Prov 31,11), pois os tratou com tal magnificência e elevação
que não decepcionou a confiança que nela depositou. As obras que ficam em Deus
não necessitam da cooperação de criatu- ras, nem Deus a espera para operar ad in- tra. Diferentes são as obras contingentes
ad extra, das quais a maior e mais ex- celente foi Deus fazer-se homem. Não
quis executá-la sem a cooperação de Ma- ria santíssima, dada com livre consenti- mento. Com Ela e por Ela, colocou este
complemento a todas as obras que trouxe
à luz, fora de si mesmo. Deste modo, ficamos devendo este benefício à nossa Reparadoca, a Mãe da sabedoria.
Resposta da Virgem
137. Esta grande Senhora considerou profundamente o extenso campo
(Prov 31, 16) da dignidade de Mãe de
Deus, para comprá-lo com um fiat. Reves- tiu-se de fortaleza (Prov 31,17-18) sobre- humana, experimentou e viu quão boa era
a negociação e comércio com a divindade. Compreendeu os caminhos de seus ocul- tos favores, adomou-se de fortaleza e for- mosura. Refletiu consigo e com Gabriel, o embaixador celeste, a grandeza de tão
sublimes e divinos sacramentos. Plena- mente consciente do que representava a
embaixada que recebia, seu puríssimo es- pírito foi absorto e elevado em admiração, reverência e intensíssimo amor de Deus. Com a força destes soberanos afetos, e efeito conatural deles, foi seu castíssimo
coração apertado com tal intensidade que
destilou três gotas de sangue puríssimo. Delas se realizou, no órgão natural, a con- cepção do corpo de Cristo, Senhor nosso, pela virtude do Espírito Santo. Deste modo, a matéria para a formação da hu- manidade santíssima do Verbo e de nossa
redenção, real e verdadeiramente foi ad- ministrada pelo Coração de Maria purís- sima, à força de amor. Ao mesmo tempo, com humildade jamais devidamente en- carecida, inclinando um pouco a cabeça e
de mãos postas, pronunciou aquelas pala- vras que foram o princípio de nossa reden- ção: “Eis a escrava do Senhor, faça-se em
mim segundo a tua palavra” (Lc 1, 38).
Opera-se a Encarnaçâo do Filho de Deus PELA DIVINA VONTADE PEDINDO O FIAT DA BOCA DE MARIA
138. Ao pronunciar este “faça-se”, (FIAT MIHI) tão doce aos ouvidos de Deus e tão feliz
para nós, num instante realizaram-se quatro coisas: primeira, a formação do corpo
santíssimo de Cristo, Senhor nosso, da- quelas três gotas de sangue administradas
pelo coração de Maria santíssima; segunda, a criação da alma santíssima do Se- nhor, criada como as demais; terceira, união da alma ao corpo, compondo-se sua humanidade perfeitíssima; quarta, a di- vindade, na pessoa do Verbo, uniu-se com
a humanidade e num suposto ficou realizada a Encarnaçâo e formado Cristo, Deus
e homem verdadeiro, Senhor e Redentor nosso. Isto sucedeu a 25 de março, sexta- feira, ao romper da aurora, na mesma hora
em que foi formado nosso primeiro pai Adão. Foi no ano de cinco mil, cento e
noventa e nove da criação do mundo, con- fonne o cômputo que a Igreja romana, dirigida pelo Espírito Santo, consignou no
Martirológio. Havendo perguntado, por ordem da obediência, foi-me declarado que esta
contagem é verdadeira e certa. De acordo com isto, o mundo foi criado pelo mês de
março. Sendo todas as obras do Altíssimo perfeitas e completas (Dt 32,4), as plantas
e as árvores saíram de sua mão com frutos, e sempre os teriam sem os perder se o pecado não houvesse alterado toda a natureza, como direi em outro tratado, se for vontade do Senhor.
Cristo no seio de sua Mãe
139. No mesmo instante em que o
Todo-poderoso celebrou as núpcias da
união hipostática, no tálamo virginal de
Maria santíssima, foi a divina Senhora
elevada à visão beatífica. Na divindade
em que se lhe manifestou, intuitiva e cla- ramente, conheceu altíssimos sacra- mentos de que falarei no capítulo
seguinte.
Foi-lhe particularmente revelado o
segredo das cifras daquele ornato que re- cebeu, e foi descrito no capítulo 7 (7), e
também as trazidas pelos seus anjos. O divino infante ia crescendo no
útero naturalmente, como os demais ho- mens, alimentado pela substância e san- gue da Mãe santíssima. Estava, todavia, mais livre e isento das imperfeições que
os demais filhos de Adão sofrem nesse estado. Algumas, acidentais, que nào per
tencem à substância da geração e são efeítos do pecado, não atingiram a Imperatriz
do céu. Também não tinha as imperfeitas superfluidades, que nas mulheres sào
naturais e comuns, e das quais as crianças se formam, sustentam e desenvolvem
Faltando-lhe a matéria da natureza conta- minada das descendentes de Eva, a Se¬ nhora administrava-a exercitando atos
heróicos de virtudes, especialmente de ca- ridade. Visto que as operações fervorosas
da alma e os afetos amorosos alteram
naturalmente os humores e o sangue, a
divina Providência encaminhava-as ao
sustento do divino Infante. Deste modo, a
humanidade de nosso redentor era natu- ralmente alimentada e sua divindade re- creada com a complacência de sublimes
virtudes. Assim, para a formação do corpo
de Cristo, Maria santíssima administrou, ao Espírito Santo, sangue puro, limpo, como concebido sem pecado, e livre de
suas conseqüências. O imperfeito e impu- ro, com que as outras mães alimentam
seus filhos, era na Rainha do céu o mais
puro, substancial e delicado, comunicado
sob a ação de afetos de amor e das demais
virtudes. Outro tanto acontecia com o ali- mento que a divina Rainha tomava. Sa- bendo que, sustentando-se, alimentava ao
Filho de Deus e seu, enquanto comia rea- lizava sublimes atos espirituais. Admira- vam-se os espíritos angélicos, vendo
ações tão comuns com tão soberanos real- ces de merecimento e agrado para o Senhor.
Maria, templo da Ssma. Trindade
140. De posse da maternidade di- vina, ficou esta Senhora com tais privi- légios que, quanto disse até agora e direi
para a frente, não chega a ser a mínima
parte de suas excelências. Impossível ex- plicar com palavra, o que o entendimento
não consegue devidamente conceber, nem
os mais doutos e sábios encontrariam ter- mos adequados para traduzir. Os humildes
que entendem a arte do amor divino
compreenderão, através de luz infiisa e
pelo sabor interior com que se percebem
tais sacramentos.
Ficou Maria santíssima transfor- mada em céu, templo e habitação da san- tíssima Trindade, elevada e deificada pela
nova e especial presença da divindade em
seu seio puríssimo. Também sua humilde
morada e oratório ficaram consagrados
como santuários do Senhor. Os espíritos
celestiais, testemunhas desta maravilha, contemplando-a exaltavam o Onipotente
com indizível júbilo e novos cânticos de
louvor. Juntamente com a felicíssima Mãe
O bendiziam, no próprio nome e no do
gênero humano que ainda ignorava o
maior de seus benefícios e misericórdias
Dê seu testemunho sobre seu encontro com a Divina Vontade