VOLUME 1 – DIÁRIO DA SERVA DE DEUS LUISA PICCARRETA – LIVRO DO CÉU

LIVRO DO CÉU
VOLUME 1 – DIÁRIO DA SERVA DE DEUS LUISA PICCARRETA – LIVRO DO CÉU
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Luísa Piccarreta

A pequena filha da Divina Vontade

O REINO DA DIVINA VONTADE EM MEIO AS CRIATURAS LIVRO DO CÉU A CHAMADA ÀS CRIATURAS À ORDEM, AO SEU POSTO E À FINALIDADE PARA A QUAL FORAM CRIADAS POR DEUS

Volume 1 Preparação textual, Tradução e Notas Claudio Sousa Pereira.

1ª edição – Bahia / 2022

Nenhum trabalho pode ser medido pelo tamanho da empresa que o executa, mas pela coragem e confiança no que faz. É assim que, inspirados pela máxima pessoana, “põe quanto és no mínimo que fazes”, trabalhamos cotidianamente oferecendo ao leitor livros de qualidade e respeitando o autor naquilo que ele tem de mais sagrado: os seus sonhos.

O LIVRO DO CÉU:

a chamada às criaturas à ordem, ao seu posto e à finalidade para a qual foram criadas por Deus

Volume 1

Gênero: Prosa Copyright da tradução © Claudio Sousa Pereira  Revisão: Pe. Gilson Magno dos Santos Editor: Gustavo Felicíssimo

“Eu sou o Mestre Divino, o Mestre da Divina Vontade, e as almas que vivem na Minha Vontade são o meu sorriso”. “Vejo o grande bem que farão estes escritos. Nossa paterna Bondade se dignou e benignamente quis ditar estes escritos desde o coração com os modos mais insinuantes, atraentes, afáveis, cheios de doçura e com um amor tão grande que atinge o inacreditável. Cada palavra pode chamar-se um presságio de amor, um maior que o outro; por isso, querer tocar nestes escritos é querer tocar em mim mesmo. E, portanto, terei tal cuidado que nem sequer uma palavra deixarei que se perca”. (20 de Junho de 1938).

Queremos consagrar este livro E os frutos que possam resultar desta leitura À Nossa Mãe Santíssima A Rainha do Reino da Divina Vontade.

INTRODUÇÃO

1 Nos escritos de Luísa Piccarreta se distinguem claramente três etapas, que são:

1.- Desde que Nosso Senhor começa a falar até o volume 10, vai ensinando os diferentes caminhos da santidade humana, baseada na prática de diferentes virtudes. Junto a isso, lhe fala de Sua Vontade, porém não sobre a forma sublime de viver n’Ela e d’Ela, senão sobre a grandeza de fazer a Divina Vontade, adequar-se a Ela, no abandono n’Ela etc. Não lhe dá o conhecimento do viver no Seu Querer. Ou seja, a vai exercitando na santidade humana, a qual, para Luísa, é estritamente necessário, para depois passar à santidade do viver no reino do Divino Querer. Luísa é a primeira filha da Divina Vontade, é nela onde se leva a cabo a primeira transmissão do reino desta Vontade, e, graças a ela, todos os demais podem chegar a este reino.

A introdução, portanto, pertence a versão em espanhol da obra, preparada e traduzida pelo Dr. Salvador Thomassiny Frías.

In: PICCARRETA, Luísa. Libro del Cielo. Volúmenes 1-36. Guadalajara: [publicador não identificado], 2010.

Nosso Senhor Jesus Cristo lhe ensina que a santidade humana não é tudo e que Ele já não quer essa espécie de santidade baseada nas virtudes, senão que deseja a Santidade do viver em seu Querer, ou seja, a Santidade Divina.

“…Não te aflijas, filha minha. Tu deves saber que quando vim à Terra, vim para abolir as leis antigas, outras a aperfeiçoá-las, porém apesar de as abolir, não me cansei de observar àquelas leis, contudo as observei no modo mais perfeito, como não faziam os demais, entretanto devendo unir em Mim o antigo e o novo, quis observá-las para dar cumprimento às leis antigas, colocando nelas o selo da abolição e dando princípio à lei nova, porque vim estabelecer sobre a Terra a Lei da Graça e do Amor, na qual encerrava em Mim todos os sacrifícios, devendo ser Eu o verdadeiro e o único sacrificado; por isso todos os demais sacrifícios já não eram mais necessários, porque sendo homem e Deus, era mais que suficiente para satisfazer a todos. Agora querida filha minha, querendo fazer de ti uma imagem perfeita de Mim e dar princípio a uma santidade tão nobre e divina, que é o ‘Fiat Voluntas Tua como no Céu assim na Terra’, quero concentrar em ti todos os estados que tenho até agora no caminho da santidade, e à medida em que tu passes por eles e os pratiques, fazendo-os em meu Querer, dou-lhes o cumprimento, os coroo e embelezando-os, lhes ponho o selo.

Tudo deve terminar em minha Vontade, e onde todas as santidades terminam, a santidade de meu Querer sendo nobre e divina, as tem todas por escabelo dando-lhe o seu princípio; por isso, deixa-me fazer, fazeme repetir minha Vida e o que disse na Redenção com muito amor, agora com mais amor quero repeti-lo em ti, para primeiramente fazer que minha Vontade e suas leis, sejam conhecidas, contudo quero o teu querer unido e perdido no Meu”.

2-. Do volume 12 ao 24 é a coleção de material (verdades acerca do reino da Divina Vontade operante na criatura). Claro está que é uma etapa onde se combinam ainda os sofrimentos, a obediência, a resignação etc., mas com uma clara nota de fazê-los ressurgir de modo Divino, ao lado de uma atividade plena e operante na Divina Vontade. Jesus lhe disse em outubro de 1928:

“Agora, tu deves saber que tudo o que foi manifestado em tua alma, as Graças que te foram dadas, as tantas verdades que escrevestes acerca da Divina Vontade, tuas penas e tudo que foi feito, não foram outra coisa que uma coleção de materiais para edificar, e agora é necessário organizá-los e por tudo em ordem.

E assim como não te deixei só para reunir as coisas necessárias que devem servir ao meu reino, mas estava contigo, assim não te deixarei só para colocar as coisas em ordem e fazer ver a grande edificação que por tantos anos estou preparando junto a ti; por isso nosso sacrifício e o trabalho não estão terminados, devemos seguir adiante até que a obra esteja concluída”.

3-. Na última etapa, do volume 25 ao 36, é a conclusão, ou seja, o construir o grandioso edifício de Seu reino na alma, aprender como se vive, que passa com a criatura quando mora neste reino, e sobretudo que se lhe achega a Deus quando a alma se entrega plenamente na feliz Vontade. Nos espera uma grandiosa aventura, conhecer a Deus, tratá-lo com uma familiaridade inquestionável, dar o gozo e a felicidade que anseia toda a eternidade e que somente a alma que vive na Sua Vontade pode dar-Lhe, unido a conhecer quem somos nós e para quê fomos criados (nossa finalidade).

Dr. Salvador Thomassiny Frías

O 1º volume começou a ser escrito no ano de 1899 por obediência imposta pelo Confessor Pe. Gennaro de Gennaro

2 Nota acrescentada pelo último confessor de Luísa, Pe. Benedetto Calvi. Luísa escreveu este volume ao mesmo tempo do volume posterior, que é em forma de diário. Nele ela conta sua vida passada, sem seguir uma ordem cronológica precisa.

Em 1926 completou a autobiografia com o Caderno de memórias de infância.

 

 PRIMEIRO VOLUME J.M.J

 

Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Por Pura obediência, começo a escrever3 . Tu sabes, ó Senhor, o sacrifício que me custa a fazer, e que me submeteria a mil mortes antes de escrever uma só linha das coisas que se passaram entre mim e Ti. Oh! Meu Deus!

Minha natureza treme, sente-se esmagada e quase desfeita só de pensar. Ah! Dá-me a força, ó vida da minha vida, a fim de que possa cumprir a santa obediência! Tu, que deste a inspiração ao confessor, dá-me a graça de poder cumprir o que me é ordenado. Oh! Jesus! Ó Esposo! Ó minha fortaleza! A Ti me dirijo, a Ti venho, em Teus braços me introduzo, abandono-me, repouso. Ah! Consola-me em minha aflição e não me deixe só e abandonada! Sem a Tua ajuda estou certa

NOTA: 3 Luísa recebeu a obediência de anotar tudo o que havia acontecido entre ela e Jesus, de seu terceiro confessor, D. Gennaro de Gennaro, que desde 1898 a assistiu por 24 anos. Luísa começou a escrever seus volumes (36 cadernos grandes) em forma de diário, em 28 de fevereiro de 1899, a partir do 2º volume. Paralelamente, escreveu o 1º volume, no qual narra a sua vida passada, a partir dos 12 anos (mais ou menos de 1877 a 1899). Mais tarde teve que escrever um Caderno de memórias de infância em 1926, para completar o 1º volume. O último capítulo do último volume é de 28 de dezembro de 1938; ela não mais escreveu quando a ordem para fazê-lo cessou.

… de que não terei força para cumprir esta obediência que tanto me custa, eu serei vencida pelo inimigo e temo ser repudiada justamente por Ti, por minha desobediência. Ah! Olha para mim e olha para mim mais uma vez, ó Santo Esposo! Nestes Teus braços, vê quantas trevas que me rodeiam? São tão densas que não deixam entrar nem sequer um átomo de luz em minha alma. Oh! Meu místico Sol, Jesus, resplandece esta luz em minha mente, a fim de que faça dissipar as trevas e possas livremente recordar as graças que fizeste à minha alma.

Oh! Sol Eterno, manda outro raio de luz ao íntimo de meu coração e o purifique da lama em que jaz, queime-o, consuma-o em Teu Amor, a fim de que ele, que acima de tudo provou as doçuras de Teu Amor, possa claramente manifestá-las a quem está obrigado. Meu Sol Jesus, envia ainda outro raio de luz sobre meus lábios para que possa dizer puramente a verdade, com a única finalidade de conhecer se verdadeiramente és Tu, ou és uma ilusão do inimigo. Mas, oh! Jesus, quão escassa de luz vejo-me ainda nestes Teus braços. Ah! Contentame Tu, que tanto me amas, continua a mandar-me luz.

Oh! Meu Sol, meu belo, precisamente quero entrar no centro, a fim de ficar toda abismada nesta luz puríssima. Faze, ó Sol Divino, que esta luz me preceda adiante, siga-me de perto, circunde-me por toda parte, introduza-se nos mais íntimos esconderijos de meu interior, de modo que, consumindo meu ser terreno, transforme tudo em Teu Ser Divino. Virgem Santíssima, Mãe amável, venha em meu auxílio, para que obtenha do Vosso e meu doce Jesus a graça e a força para cumprir esta obediência.

São José, meu amado protetor, ajude-me nesta circunstância. São Miguel Arcanjo, defenda-me do inimigo infernal, que tantos obstáculos me põe à mente para fazerme faltar a esta obediência. São Rafael Arcanjo e tu, meu Anjo da Guarda, vinde assistir-me e acompanhar-me, e dirigir a minha mão a fim de que possa escrever só a verdade. Seja tudo para honra e glória de Deus, e para mim toda a confusão.

Oh, Santo Esposo, vem em meu auxílio. Ao considerar as muitas graças que fizeste à minha alma, sinto-me toda abismada, cheia de confusão e de vergonha, ao me ver ainda assim e sem corresponder às tuas graças. Mas, meu amável e doce Jesus, perdoa-me, não te retires de mim, continua derramando em mim Tua Graça, para que possas fazer de mim um triunfo de tua Misericórdia.

1- Início da narração4 . Novena do Santo Natal. E agora começo a Novena do Santo Natal. Aos dezessete anos5 , preparei-me para a festa do Santo Natal

NOTA: 4 A utilização do Tu (e suas respectivas flexões verbais e pronominais) reservam-se apenas às falas de Jesus Cristo, quando este se comunica com Luísa e vice-versa. Portanto, a utilização do você e suas flexões, sendo a segunda pessoa do discurso, mas pertencente à terceira pessoa gramatical, exigindo as formas verbais e os pronomes respectivos, ficou preservado na comunicação de Luísa às demais pessoas ou entes integrantes no diário. (Nota do Tradutor). 5 Natal de 1882.

…praticando diferentes atos de virtude e mortificação, honrando especialmente os nove meses que Jesus esteve no seio materno com nove horas de meditação por dia, referentes sempre ao mistério da Encarnação. 2- Primeira Hora. Como, por exemplo, em uma hora elevava meu pensamento ao paraíso e imaginava a Santíssima Trindade: o Pai que enviava o Filho à Terra, o Filho que prontamente obedecia ao Querer do Pai, e o Espírito Santo que consentia nisso. Minha mente se confundia tanto ao contemplar um mistério tão grande, um amor tão recíproco, tão igual, tão forte entre Eles e para com os homens; e na ingratidão destes, especialmente a minha; que nisto teria ficado não uma hora, mas durante todo o dia. Contudo, uma voz interna me dizia: “Basta; vem e vê outros maiores excessos do meu Amor”.6

3- Segunda Hora.

Então minha mente era levada ao seio materno e ficava admirada ao considerar aquele Deus tão grande no Céu, e agora tão humilhado, diminuído, restringido, que quase não podia mover-se, nem sequer respirar…

NOTA: 6 No Caderno de memórias da infância ela diz: “… Por volta dos 12 anos… comecei a ouvir a voz interior de Jesus, especialmente na Comunhão”.

A voz interior dizia-me: “Vês quanto te amei? Ah! Dá-me um lugar em teu coração, tira tudo o que não é meu, porque assim me darás mais facilidade para poder me mover e respirar”. Meu coração se desfazia, pedia-lhe perdão, prometia ser toda sua, desatava em pranto. No entanto, digo-o para minha confusão, voltava a meus defeitos habituais. Oh! Jesus, quão bom foste com esta criatura miserável!

4- Conclusão da Novena7 .

E assim passava a segunda hora do dia, e depois, pouco a pouco o restante, que dizer tudo causaria aborrecimento. E isto fazia-o às vezes de joelhos e quando era impedida de fazê-lo pela família, fazia-o mesmo trabalhando, porque a voz interior não me dava nem trégua nem paz se não fizesse o que queria, dessa forma o trabalho não me era impedimento para fazer o que devia fazer. Assim passei os dias da novena. Quando chegou a véspera, sentia-me ainda mais acendida por um insólito fervor. Eu estava sozinha no quarto quando o menino Jesus apareceu na minha frente, todo bonito, sim, mas tremendo, em atitude de querer me abraçar, eu me levantei e corri para abraçá-lo, mas no momento em que ia estreitá-Lo, desapareceu; isto repetiu-se três vezes.

NOTA: 7 Luísa acrescentou as outras sete horas da Novena em obediência ao final deste primeiro volume. 

Fiquei tão comovida e acesa de amor, que não sei explicar; mas depois de algum tempo não o levei mais em conta, e não o disse a ninguém; de vez em quando, caía nas faltas habituais. A voz interior, desde então não me deixou nunca mais; em cada coisa me repreendia, corrigia, animava, em suma, o Senhor fez comigo como um bom pai com um filho que tende a desviar-se, e usa todas as diligências, os cuidados para mantê-lo no reto caminho, de modo a formar nele a sua honra, a sua glória, a sua coroa. Mas, ó Senhor! Muito ingrata Te tenho sido!

5- Jesus começa sua obra na alma:

Ele a tira e a separa do mundo exterior. Depois o Divino Mestre dá início, põe sua mão para desapegar meu coração de todas as criaturas, e com a voz interior me diz: “Eu sou o único que merece ser amado. Vê; se tu não tirares este pequeno mundo que cerca a ti, isto é, pensamentos de criaturas, imaginações, Eu não posso entrar livremente em teu coração. Este murmúrio em tua mente é impedimento para te deixar ouvir mais claramente a minha voz, para derramar as minhas graças e para apaixonar-te verdadeiramente por Mim. Promete-me ser totalmente minha e Eu mesmo porei mãos à obra. Tu tens razão de que não podes nada. Não temas, Eu farei tudo, dáme a tua vontade e isso me basta”.

E isso acontecia mais frequentemente na Comunhão; então lhe prometia ser toda sua, pedia-lhe perdão, visto que até aquele momento não o havia sido, dizia-lhe que queria amá-Lo verdadeiramente e lhe rogava que não me deixasse nunca mais sozinha sem Ele. E a voz continuava: “Não, não, virei contigo para observar todas as tuas ações, movimentos e desejos”8 . Todo o dia o sentia sobre mim, repreendia-me em tudo, como por exemplo se me entretinha demasiado, falando com a família de coisas indiferentes, não necessárias, a voz interna me dizia: “Essas conversas enchem-te a mente de coisas que não pertencem a Mim, circundam-te o coração de pó, de modo que te fazem sentir débil a minha Graça, não mais viva. Ah! Imita-me quando estava na casa de Nazaré, minha mente não se ocupava de outra coisa que da glória do Pai e da salvação das almas, minha boca não dizia outra coisa que discursos santos, com minhas palavras buscava reparar as ofensas ao Pai, tratava de flechar os corações e atraí-los ao meu Amor, e primariamente à minha mãe e a São José. Em uma palavra, tudo nomeava a Deus, tudo era feito por Deus e tudo a Ele se referia. Por que tu não poderias fazer de igual forma? ”

Eu ficava muda, toda confusa, tentava tanto quanto podia ficar sozinha; confessava-lhe minha debilidade,

NOTA: 8 Luísa tinha cerca de 12 anos. A narrativa a partir de agora prossegue em ordem cronológica.

…pedia-lhe ajuda e graça para poder fazer o que Ele queria, porque por mim mesma não sabia fazer nada que não fosse mal. Se durante o dia minha mente se ocupava em pensar nas pessoas as quais eu amava, em seguida me repreendia dizendo: “Isto é o bem que me queres? Quem te amou como Eu? Veja, se tu não acabares com isso, Eu te deixarei”.

Às vezes o sentia dando-me tantas e tais reprovações amargas, que não fazia nada além de chorar. Especialmente uma manhã, depois da Comunhão, deu-me uma luz tão clara sobre o grande amor que Ele me dava e sobre a volubilidade e inconstância das criaturas, ficando o meu coração tão convicto, que daí em diante já não era capaz de amar a nenhuma pessoa. Ensinou-me a amar as pessoas sem me separar d’Ele, isto é, a olhar para as criaturas como imagens de Deus, de modo que se recebia o benefício das criaturas, devia pensar que unicamente Deus era o primeiro autor daquele bem e que tinha se servido da criatura para me dar; então meu coração se unia mais a Deus.

Se recebia mortificações, devia vê-las também como instrumentos nas mãos de Deus para a minha santificação, por isso meu coração não ficava ressentido com o meu próximo. Então, por este modo acontecia que eu olhava as criaturas todas em Deus, por qualquer falta que visse nelas jamais lhes perdia a estima, se zombavam de mim sentia-me obrigada, pensando que estavam fazendo novas aquisições para minha alma, se me louvavam, recebia com desprezo estes louvores dizendo:

“Hoje isto, amanhã podem me odiar, pensando em sua inconstância”. Em suma, meu coração adquiriu tal liberdade, que eu mesma sou incapaz de expressá-la.

6- Jesus continua sua obra na alma de Luísa:

 

Ele a separa de si mesma, purificando tudo dentro de seu coração. Quando o Divino Mestre me libertou do mundo externo, pôs então a mão a purificar o interior, e com voz interior me dizia: “Agora estamos sozinhos; não há mais quem nos perturbe, não estás agora mais contente que antes onde devia contentar a tantos e tantos? Vê, é mais fácil agradar um só; deves fazer de conta que estamos sozinhos no mundo, promete-me ser fiel e Eu verterei em ti tantas graças que tu mesma ficarás maravilhada”. Depois continuou a dizer-me: “Sobre ti fiz grandes desígnios; sempre e quando tu me corresponderes, quero fazer de ti uma perfeita imagem Minha, começando desde o meu nascimento até minha morte; Eu mesmo te ensinarei, um pouco cada vez, o modo como o farás”.

E acontecia assim: Todas as manhãs, depois da Comunhão, dizia-me o que devia fazer no dia. Direi tudo brevemente, porque depois de tanto tempo é impossível poder dizer tudo. Não me lembro bem, mas parece que a primeira coisa que me dizia era que o necessário para purificar o interior de meu coração, seria o aniquilamento de mim mesma, isto é, a humildade. E continuava dizendo-me: “Vê, para fazer com que Eu derrame as minhas graças no teu coração, quero fazer-te compreender que por ti nada podes. Eu cuido muito bem daquelas almas que atribuem a si mesmas o que fazem, querendo usurpar-me as graças.

Ao contrário, com aquelas que conhecem a si mesmas, Eu sou generoso em verter a torrentes minhas graças, sabendo muito bem que nada se refere a elas mesmas, agradecem-me e têm a estima que convém, vivem com medo de que, se não me corresponderem, posso tirar-lhes o que lhes dei, sabendo que não são coisas próprias. Pelo contrário, nos corações que exalam soberba nem sequer posso entrar neles, porque, inflados de si mesmos, não há lugar onde possa me colocar; os miseráveis não levam em conta minhas graças e vão de queda em queda até a ruína. Por isso, quero que neste dia faças contínuos atos de humildade, quero que estejas como um menino envolto em fraldas, que não pode mover nem sequer um pé para dar um passo, ou uma mão para agir, senão que tudo o espera da mãe. Assim estarás junto a Mim como um menino, rogando-me sempre que te assista, que te ajude, confessando-me sempre teu nada, em suma, esperando tudo de Mim”.

 7 – Jesus conduz a alma à verdade do seu próprio nada.

Então procurava fazer tudo quanto podia para satisfazê-lo, diminuía-me, aniquilava-me, e às vezes chegava a tal ponto, de sentir quase desfeito meu ser, de modo que não podia agir, nem dar um passo, sequer um respiro se Ele não me sustentasse. Além disso, eu me via tão mal que tinha vergonha de me deixar ver pelas pessoas, sabendo que sou a mais feia, como na realidade eu ainda sou, então tanto quanto podia fugia deles e dizia a mim mesma: “Oh, se soubessem como eu sou ruim, e se pudessem ver as graças que o Senhor está me fazendo, (porque eu não dizia nada a ninguém) e que ainda sou a mesma; oh, como me teriam horror!”.

Depois, na manhã em que ia de novo a comungar, parecia que, Jesus, ao vir a mim, fazia festa pelo contentamento que sentia ao me ver tão aniquilada, dizia-me outras coisas sobre o aniquilamento de mim mesma, mas sempre de uma maneira diferente da anterior, acredito que não uma, mas centenas de vezes Ele falou comigo, e se Ele me tivesse falado milhares de vezes teria9 sempre novas maneiras de falar sobre a mesma verdade: oh! Meu Divino Mestre, quão sábio és, se ao menos te tivesse correspondido!

NOTA: 9 Luísa diz “seguraria”, muitas vezes usando — como é comum no sul da Itália — o verbo “segurar” em vez de “ter”, e às vezes este último como auxiliar em vez de “ser”.

Lembro-me de uma manhã, quando Ele me falava sobre esta mesma virtude, disse-me que por falta de humildade havia cometido muitos pecados, e que se eu tivesse sido humilde, teria ficado mais perto d’Ele e não teria feito tanto mal; Ele me fez entender como o pecado era feio, a afronta que este miserável verme tinha feito a Jesus Cristo, a ingratidão horrenda, a impiedade enorme, e o dano que tinha causado à minha alma.

8 – A alma sofre pelos pecados e faltas cometidas; mas Jesus não quer que ela perca tempo pensando novamente em seu passado.

Fiquei tão espantada que não sabia o que fazer para reparar; fazia algumas mortificações, pedia outras ao confessor, mas poucas me eram concedidas, assim que todas me pareciam sombras e não fazia outra coisa que pensar em meus pecados, mas sempre mais estreitada a Ele; tinha tanto medo de me afastar dele e de agir pior que antes, que eu mesma não sei explicar.

Não fazia outra coisa quando o encontrava, que dizer-lhe a pena que sentia por havê-lo ofendido, pedia-Lhe sempre perdão, agradecia-Lhe porque tinha sido tão bom comigo, e dizia-Lhe de coração: “Olha, oh! Senhor o tempo que perdi, enquanto poderia ter te amado”. Então, não sabia dizer-Lhe outra coisa senão o grave mal que tinha cometido.

Finalmente, um dia repreendendo-me, disse: “Esqueço-me das culpas”. Não quero que penses mais nisto, porque quando uma alma se humilha, convencida de ter feito mal e lavado a sua alma no sacramento da confissão e está disposta a morrer antes de me ofender, pensar nisso é uma afronta à minha Misericórdia, é um impedimento para estreitá-la ao meu Amor, porque ela procura sempre, com a sua mente, envolver-se na lama do passado e impede-me de fazê-la levantar voo para o Céu, pois sempre com essas ideias se fecham em si mesmas, se procura pensar nelas. E além disso, olha, Eu já não me lembro de nada, eu esqueci perfeitamente; tu vês alguma sombra de rancor da minha parte?”

E eu dizia-lhe: “Meu Senhor, és tão bom”. Mas sentia-me partir o coração de ternura. E Ele: “bem, quererás levar adiante estas coisas?” E eu: “Não, não, não quero”. E Ele: “Pensemos em amar-nos e em contentar-nos mutuamente”. Daí em diante não pensei mais nisso, fazia tudo o que podia para satisfazê-Lo e Lhe pedia que Ele mesmo ensinasse o modo para reparar o tempo passado. E Ele me dizia: “Estou pronto a fazer o que tu queres. Vê, a primeira coisa que disse que queria de ti era a imitação da minha Vida, assim vejamos o que te falta”. “Senhor”, dizia-lhe, “falta-me tudo, não tenho nada”. “Bem”, dizia-me: “Não temas, pouco a pouco faremos tudo, Eu mesmo conheço como és fraca, mas é de Mim que deves tomar força”.

 9 – As criaturas devem desaparecer aos olhos da alma, a fim de olharem apenas para Jesus, agirem somente com Jesus e para Jesus.

(Não me lembro em ordem, mas como posso irei dizê-lo) E acrescentava: “Quero que sejas sempre reta no teu agir, com um olho deves olhar para Mim e com o outro olho deves olhar o que estás a fazer; quero que as criaturas desvaneçam completamente. Se te dão ordens, não olhes para as pessoas, não, mas deves pensar que Eu mesmo quero que faças o que te é ordenado, então com os olhos fixos em Mim não julgarás ninguém, não olharás se a coisa te é penosa ou te agrada, se podes ou não fazê-la: fechando os olhos a tudo isto os abrirás para olhar somente a Mim, me levarás junto de ti pensando que estou olhando-te fixamente e me dirás: Senhor, só por Ti o faço, só por Ti quero agir, não mais sujeita às criaturas. Então, se tu andas, se trabalhas, se falas, em qualquer coisa que fazes, teu único fim deve ser o de agradar só a Mim. Oh! Quantos defeitos evitarás se fizeres assim”. Outras vezes me dizia: “Também quero que, se as pessoas te mortificam, te injuriam, te contradizem, mantenhas o olhar fixo em Mim, pensando que com a minha própria boca te digo:

Filha, Sou eu mesmo que quero que sofras isto, não as criaturas, afastes o olhar delas, sejamos senão somente Eu e tu sempre, as demais, destruas. Vê, quero fazer-te bela por meio destes sofrimentos, quero enriquecer-te com méritos, quero trabalhar a tua alma, tornar-te semelhante a Mim. Tu me farás um presente, me agradecerás afetuosamente, serás grata com aquelas pessoas que te dão a oportunidade de sofrer, recompensando-as com algum benefício. Fazendo assim, caminharás retamente diante de Mim, nada mais te causará inquietude e gozarás sempre de paz”.

10 – A criatura deve morrer para si mesma para viver somente em Jesus: necessidade do espírito de mortificação e de caridade.

Depois de algum tempo em que tentei exercitarme nestas coisas, às vezes fazendo e às vezes caindo (se bem que vejo claramente que ainda me falta este espírito de retidão e sempre fico mais confusa pensando em tanta ingratidão minha), Jesus falou comigo e me fez entender a necessidade do espírito de mortificação. Se bem me lembro, em todas estas coisas que me dizia, acrescentava-me sempre que tudo devia ser feito por seu amor, e que as virtudes mais belas, os maiores sacrifícios, tornavam-se insípidos se não tinham princípio no amor. “A caridade — dizia-me — é uma virtude que dá vida e esplendor a todas as demais, de modo que sem ela todas estão mortas e meus olhos não sentem nenhum atrativo, e não têm nenhuma  força sobre meu coração; estejas, pois, atenta e faz que tuas obras, mesmo as mínimas, sejam investidas pela caridade, isto é, em Mim, comigo e por Mim”.

Agora vamos direto à mortificação. “Quero — dizia-me — que em todas as tuas coisas, até as necessárias, sejam feitas com espírito de sacrifício. Vê, tuas obras não podem ser reconhecidas por Mim como minhas se não têm a marca da mortificação.

Assim como a moeda não é reconhecida pelos povos se não contém em si mesma a imagem de seu rei, é desprezada e não tomada em conta, assim são tuas obras, se não têm o enxerto da minha cruz, não podem ter nenhum valor. Olha, agora não se trata de destruir as criaturas, mas a ti mesma, de te fazer morrer para viver somente em Mim e de minha própria Vida. É verdade que te custará mais do que fizestes, mas tem coragem, não temas, não o farás tu, senão Eu que agirei em ti”. Então recebia outras luzes sobre a aniquilação de mim mesma e me dizia: “Tu não és outra coisa que uma sombra, que, enquanto quer tomá-la, foge; tu és nada”.

Eu me sentia tão aniquilada que teria querido me esconder nos mais profundos abismos, mas me via impossibilitada para fazê-lo, sentia tal vergonha que ficava muda. Enquanto estava neste reconhecimento…

NOTA: 10 “Se alguém pensa que é alguma coisa e não é nada, está enganando a si mesmo” (Gl 6,3).

… do meu nada, Ele me dizia: “Põe-te junto a Mim, apoia-te no meu braço, Eu te sustentarei com as minhas mãos e tu receberás força. Tu estás cega, mas a minha luz te servirá de guia. Vê, Eu vou estar à frente e não farás outra coisa que olhar para mim a fim de me imitar”.

11 – A primeira coisa que a alma deve é fazer morrer a própria vontade em tudo, mortificando-a constantemente em todas as coisas.

Depois me dizia: “A primeira coisa que quero que mortifiques é a tua vontade. Aquele ‘eu’ deve ser destruído em ti, quero que a tenhas sacrificada como vítima diante de Mim, para fazer que de tua vontade e da minha se formem uma só. Não estás contente?” Eu respondia: Sim, Senhor, mas dá-me a graça, porque vejo que, por mim, nada posso. E Ele continuava dizendo-me: “Sim, Eu mesmo te contradirei em tudo, e às vezes por meio das criaturas”. E assim se sucedia. Por exemplo: se pela manhã eu acordasse e não me levantasse logo, a voz interior me dizia: “Tu descansas, e eu não tive outro leito que a cruz. Logo, logo, sem tanta satisfação”. Se caminhava e minha vista se ia um pouco longe, logo me repreendia: “Não quero que a tua vista se afaste de ti além da distância de um passo a outro, para fazer com que não tropeces”.

Se me encontrava no campo e via flores, árvores, dizia-me: “Eu tudo criei por teu amor, privas a tua vista deste contentamento por meu amor”. Mesmo nas coisas mais inocentes e santas, como por exemplo os ornamentos dos altares, as procissões, dizia-me: “Não deves ter outro prazer senão somente em Mim”. Se, enquanto trabalhava, estava sentada, me dizia: “Estás muito cômoda, não te lembras que minha Vida foi um contínuo penar? E tu? E tu? ”. Logo, para agradá-lo me sentava na metade da cadeira e a outra metade a deixava vazia, e algumas vezes em brincadeira lhe dizia: “Vê, Senhor, a metade da cadeira está vazia, vem sentar-se junto a mim”. Uma vez, senti-me tão feliz que nem sei dizer. Algumas vezes que estava trabalhando com lentidão e apatia me dizia: “Logo, depressa, que o tempo, que ganharás apressando-te, virás a passá-lo junto a Mim na oração”.

Às vezes, Ele mesmo me dizia quanto trabalho eu deveria fazer. Pedia que Ele viesse me ajudar. “Sim, sim”, me respondia, “faremos isso juntos para que, depois que terminares, ficaremos mais livres”. E acontecia que em uma hora ou duas eu fazia o que tinha que fazer o dia todo, então ia rezar e me dava tantas luzes e me dizia tantas coisas que levaria muito tempo para contá-las. Lembro-me que, enquanto trabalhava sozinha, via que o fio não era suficiente para concluir o trabalho e que teria que ir com a família para buscá-lo; então me dirigia a Ele e dizia: “De que serve, meu amado, ter me ajudado, porque agora vejo que preciso ir à família, e posso encontrar pessoas e elas me impedirão de voltar novamente, e então nossa conversa terminará. ”

“O quê, o quê!”, ele me dizia, “e tu tens fé? ”
Sim.
“Pois não temas, eu te farei terminar tudo”.

E assim sucedia, e logo eu me punha a rezar. Se fosse a hora do almoço e eu comesse algo agradável, repreendia-me internamente dizendo: “Talvez tenhas esquecido que eu não tinha outro gosto além de sofrer por teu amor, e que tu não deverias ter outro gosto além de te mortificares por meu amor? Deixa e come o que não te agrada”.

E eu imediatamente pegava e levava para a pessoa que ajudava no serviço, ou então dizia que não queria mais, e muitas vezes passava quase em jejum, mas quando ia rezar recebia tanta força e sentia tanta saciedade que me sentia enjoada de tudo o mais. Outras vezes, para me contradizer, se eu não sentisse vontade de comer, ele me dizia: “Quero que tu te alimentes por meu amor, e enquanto a comida se une ao corpo, peça-me para unir meu amor à tua alma e todas as coisas serão santificadas”. Em uma palavra, sem ir mais longe, mesmo nas menores coisas tratava de fazer morrer minha vontade, para me fazer viver apenas para Ele. Permitia que até o confessor me contradissesse como por exemplo: eu tinha um grande desejo de receber a comunhão e durante todo o dia e noite não fiz nada além de me preparar, meus olhos não podiam fechar-se para dormir devido ao palpitar contínuo do coração, e lhe dizia:

“Senhor, apressa-te porque não posso ficar sem Ti, acelera as horas, faz surgir logo o sol porque não aguento mais, meu coração desfalece”. Ele próprio fazia-me certos convites amorosos com os quais me sentia despedaçar o coração e me dizia; “Vê, Eu estou só, não sintas pena de não poderes dormir, trata-te de fazer companhia a teu Deus, teu Esposo, teu Tudo, que é continuamente ofendido. Ah! Não me negues esse consolo, que mais tarde nas tuas aflições Eu não te deixarei”. Enquanto eu estava com essas disposições, de manhã ia com o confessor e sem saber o porquê, a primeira coisa que ele me dizia era:

“Não quero que receba a Comunhão”. Digo a verdade, era tão amargo para mim que às vezes não fazia nada além de chorar, não me atrevia a dizer nada ao confessor, porque era isso que Jesus queria que eu fizesse, caso contrário, Ele me repreendia; mas ia ter com Ele e dizia minha tristeza: “Oh meu Bem, por isso a vigília que fizemos esta noite, que depois de tanto esperar e desejar, devia ficar privada de Ti? Sei bem que devo obedecer, mas digame posso estar sem Ti? Quem me dará a força? Ademais, qual o valor de ir a essa Igreja sem levar-te comigo? Eu não sei o que fazer, mas Tu podes remediar a tudo. Enquanto assim desabafava, sentia vir um fogo junto a mim, entrar uma chama no coração e O sentia dentro de mim, e em seguida me dizia: “Acalmate, acalma-te, eis me aqui, estou já em teu coração. O que temes agora? Não te aflijas mais, Eu mesmo quero te enxugar as lágrimas, tens razão, tu não podias estar sem Mim, não é verdade? Então eu ficava tão aniquilada em mim mesma por isso, e dizia-lhe que se tivesse sido boa, Ele não teria disposto dessa maneira, e pedia-lhe que não me deixasse mais, que sem Ele eu não queria ficar.

12 – Jesus quer se apaixonar pela alma que sofre por amor a Ele: por isso a leva a mergulhar no mar sem limites de sua Paixão.

A primeira visão de Jesus. Depois dessas coisas, um dia, após a Comunhão, sentia-O todo amoroso em mim, e que me amava tanto, que ficava maravilhada, porque me via tão má, e sem corresponder, e dizia dentro de mim: “Ao menos fora boa e lhe correspondera, ainda tenho medo de que me deixe” (esse medo de me deixar sempre tive e ainda tenho, e às vezes é tanta a dor que sinto, que acho que a pena de morte seria menor, e se Ele próprio não vier a me acalmar, não sei como me dar paz11); entretanto,

NOTA: 11Este “santo temor de Deus” sempre reflete a percepção da Majestade Divina, que Luísa sente a fraqueza pessoal e insignificância diante da grandeza de Deus, e é também uma proteção de futuros dons que receberá.

… Ele quer estreitar-se mais intimamente a mim. E enquanto O sentia dentro de mim, com uma voz interna me disse:
“Minha amada, as coisas passadas foram apenas uma preparação. Agora eu quero chegar aos fatos, e para dispor teu coração para fazer o que eu quero de ti, isto é, a imitação da minha Vida; quero que entres no imenso mar da minha paixão, e quando tiveres compreendido bem a amargura das minhas penas, o amor com que as sofri, quem sou Eu que tanto sofri, e quem és tu, criatura vil, ah, teu coração não se atreverá a opor-se aos golpes, à cruz, que Eu preparei somente para o teu bem; mas sim, apenas pensando que Eu, Teu Mestre, sofri tanto, tuas tristezas parecerão sombras comparadas às minhas, o sofrimento será doce para ti e serás incapaz de ficar sem algum sofrimento”.

Minha natureza tremia só de pensar no sofrimento. Pedi-Lhe para dar-me força, porque sem Ele eu teria usado seus próprios dons para ofender o doador. Então comecei a meditar na Paixão, e isso fez tanto bem à minha alma, que acho que todo o bem chegou a mim dessa fonte. Via a paixão de Jesus Cristo como um imenso mar de luz, que com seus inúmeros raios me feriam muito, isto é, raios de paciência, de humildade, de obediência e de tantas outras virtudes; eu me vi toda cercada por essa luz e fui aniquilada me vendo tão diferente d’Ele. Aqueles raios que me inundaram eram para mim muitas outras censuras que me diziam:

“Um Deus paciente, e tu? Um Deus humilde e submetido até aos seus próprios inimigos, e tu? Um Deus que sofre tanto por teu amor e teus sofrimentos por seu amor, onde estão eles?” Às vezes, Ele mesmo me narrava as penas sofridas, e eu ficava tão comovida que chorava amargamente. Um dia, enquanto trabalhava, estava considerando as penas muito amargas que meu bom Jesus sofreu. Porém, meu coração se sentiu tão oprimido pela dor, que me faltava a respiração; temendo algo, eu queria me distrair inclinando-me para a varanda. Começo a olhar no meio da rua, mas o que vejo? Vejo a rua cheia de gente e, no meio, meu amado Jesus com a cruz nos ombros; um o puxava de um lado e outro alguém por outro, todo ofegante, com o rosto gotejando sangue, e levantando os olhos em minha direção, numa atitude de me pedir ajuda. Quem pode contar a dor que senti, a impressão que uma cena tão lamentável causou em minha alma?

Entrei rapidamente em meu quarto, eu mesma não sabia onde estava, sentia meu coração rasgar em pedaços por causa da dor, e chorando lhe dizia: “Meu Jesus, se ao menos eu pudesse ajudarte, pudesse libertar-te daqueles lobos furiosos! Ai! Eu gostaria ao menos de sofrer essas penas em teu lugar, para aliviar minha dor”. Ah, meu bem, dá-me sofrimento, porque não é justo que Tu sofras tanto, e eu, pecadora, fique sem sofrer”12.
NOTA:12 Foi a primeira visão de Luísa aos 13 anos de idade.

Desde então, recordo, que se incendiou em mim tanto desejo de sofrer que não se apagou até agora. Também me lembro que, depois da Comunhão, pediaLhe ardentemente para me conceder sofrimento, e Ele, às vezes, para me contentar, parecia-me que tomava os espinhos da sua coroa e cravava-os no meu coração; outras vezes, sentia que tomava meu coração entre suas mãos, e o estreitava tão forte que pela dor que eu sentia perdia os sentidos. Quando Lhe avisava que as pessoas poderiam perceber algo, e Ele estava disposto a me dar essas penas, eu logo lhe dizia: “Senhor, o que Tu estás fazendo?

Peço que me dês sofrimento, mas que ninguém perceba”. Assim, por algum tempo, ele me contentou13, mas meus pecados me tornaram indigna de sofrer secretamente, sem que ninguém o soubesse.

NOTA: 13 – Jesus quer que a alma toque com a mão o seu próprio nada e se disponha da mais profunda humildade; por isso, a priva de toda consolação e graça sensível, escondendo-se dela.

Lembro-me que muitas vezes após a Comunhão, Ele me dizia: “Tu não poderás realmente se assemelhar a Mim, senão por meio de sofrimentos. Até agora estive ao teu lado, agora quero deixar-te sozinha um pouco, sem me fazer sentir. Vê, até agora De fato, quando anos depois Jesus a crucificou consigo mesmo, seus estigmas permaneceram invisíveis. eu te guiei pela mão, instruindo-te e corrigindo-te em tudo, e tu não fizeste nada além de me seguir. Agora eu quero que faças isso por ti mesma, entretanto mais atenta do que antes, pensando que estou olhando para ti, mas sem me fazer sentir, e que quando eu me fizer sentir novamente, virei, para recompensar-te se tiveres sido fiel a mim ou punir-te se tiveres sido ingrata”.

Fiquei tão assustada e aterrorizada com esta notícia que lhe dizia: “Senhor, meu tudo e minha vida, como poderei sobreviver sem Ti, quem me dará força? Como, depois que me fizeste deixar tudo, de modo que eu sinto que não existe ninguém para mim, queres me deixar só e abandonada? Talvez tenhas esquecido do quão ruim eu sou, e que sem Ti eu não posso fazer nada?” E por essa recriminação, assumindo um aspecto mais sério, acrescentou: “É que Eu quero fazer-te compreender bem quem tu és. Vê, estou fazendo isso para o teu próprio bem. Não te entristeças, quero preparar teu coração para receber as graças que te designei. Até agora eu te ajudei sensivelmente, agora serás menos sensível, te farei tocar com a mão o teu nada, te cimentarei bem na profunda humildade para poder construir sobre ti os muros mais altos, assim que em vez de afligir-te, deverias alegrar-te e me agradecer, porque quanto antes Eu te fizer passar pelo mar tempestuoso, mais cedo chegarás a um porto seguro.

Quanto mais duras as provas que te sujeitarei, tantas maiores graças eu te darei. Então, ânimo, ânimo, e depois, logo virei”. E ao dizer-me isso, parecia que Ele estava me abençoando e indo embora. Quem pode dizer a dor que eu sentia, o vazio que deixava em meu interior, as lágrimas amargas que eu derramei? Porém, resignei-me à sua Santa Vontade, parecia que de longe lhe beijava a mão que me havia abençoado e dizia-lhe: “Adeus, ó Santo Esposo, adeus”. Vi que tudo para mim tinha acabado, considerando que eu tinha somente a Ele, e sem Ele, não tinha outro consolo, mas tudo se transformara em dores muito amargas.

Antes, as próprias criaturas intensificavam minha dor, de modo que todas as coisas que via me pareciam dizer: “Veja, somos obras do teu amado, onde Ele está?” Se eu olhasse para a água, fogo, flores e até as próprias pedras, imediatamente o pensamento me dizia: “Ah, estas são as obras do teu Esposo. Elas têm o prazer de vê-lo e tu não o vês”. Ah! obras do meu Senhor, me deem notícias, me digam, onde Ele está? Falou-me que logo voltaria, mas quem sabe quando?14

” Às vezes alcançava uma desolação tão amarga que sentia falta de ar, me sentia gelar toda, sentia um calafrio em toda a minha pessoa. Às vezes a família…
NOTA:14 Luísa repete as mesmas pungentes lamentações no “Caderno de memórias de infância”. E em muitas passagens de seus escritos ela é literalmente expressa como a Noiva do “Cântico dos Cânticos”.

… percebia isso e eles atribuíam à alguma doença física e queriam me colocar em tratamento, chamar médicos. Às vezes insistiam tanto que conseguiam, mas eu, no entanto, fazia o máximo que podia para ficar sozinha, então eles raramente notavam.

14 – A alma experimenta que não é capaz de nada sem Jesus Cristo e que deve tudo a Ele. Jesus, o verdadeiro Diretor espiritual a instrui sobre como fazê-lo no estado de escuridão e abandono, na oração, na comunhão e nas visitas ao Santíssimo Sacramento.

Recordava-me também de todas as graças, as palavras, as correções, repreensões, via claramente que tudo Ele fizera até aí, tudo, tudo tinha sido obra de sua graça, e que de mim não ficava mais que o puro nada e a inclinação ao mal; tocava com a mão que sem Ele não sentia mais o amor tão sensível, nem aquelas luzes tão claras na meditação, de modo que permanecia por duas ou três horas, mas, mesmo assim fazia o máximo que podia, para repetir o que fazia quando o sentia, porque ouvia aquelas palavras se ressoarem:

“Se tu fores fiel a mim, irei premiar-te, se ingrata, castigar-te”. Assim passava às vezes dois dias, às vezes quatro, mais ou menos como Lhe agradava; meu único consolo era recebê-lo no Sacramento… Ah, sim, certamente, lá O encontrava, não podia duvidar, e lembro-me de que Ele raramente não se fazia ouvir, porque eu tanto lhe pedia e importunava, que me contentava, mas não amorosa e amavelmente, senão severamente15.

Depois que passaram esses dias no estado descrito acima, especialmente se eu tivesse sido fiel a Ele, sentia-O voltar para o meu interior, falava comigo mais claramente, e como em dias passados eu não tinha conseguido conceber nem uma palavra dentro de mim, nem ouvido qualquer coisa, então entendia que não era minha fantasia, como muitas vezes eu costumava pensar antes. Até esse momento não dizia nada ao confessor ou a nenhuma outra alma vivente, entretanto fazia o quanto podia para corresponder-lhe, porque senão Ele me faria tanta guerra que não teria paz. Ah, Senhor, tens sido tão bom comigo, e eu sou tão ruim ainda! Continuando com o que havia começado, sentia-o dentro de mim, abraçava-o, estreitava-o e dizia-lhe: “Amado Bem, veja como nossa separação tem sido amarga”. E Ele me dizia: “É nada o que tu passaste, prepara-te para provas mais duras; por isso eu vim, para dispor teu coração e fortalecê-lo. Agora vais me contar tudo o que passou, tuas dúvidas e medos, todas as tuas dificuldades para poder te ensinar como se comportar na minha ausência”. Então eu narrei minhas tristezas dizendo: “Senhor, olha, sem ti eu não tenho conseguido fazer nada…

NOTA:15 Que vê-se como propriamente sentiu Jesus, vê-lo não dependia propriamente de Luísa, como conclui mais tarde.

… de bom; fiz a meditação toda distraída, feia, tanto que não tinha o espírito para oferecer a ti. Na comunhão, não pude passar horas inteiras como quando te sentia, me via sozinha, não tinha ninguém para me entender, me sentia vazia de tudo, a dor da tua ausência me fazia provar agonias mortais, minha natureza queria apressar-se imediatamente para fugir daquela dor, especialmente porque parecia que eu não estava fazendo nada além de perder tempo, e ainda o medo que ao voltar Tu me castigarias por não ter sido fiel, então eu não sabia o que fazer. Além disso, a dor de que Tu estás sendo continuamente ofendido e que eu sem saber quando, onde antes me ensinavas a fazer esses atos de reparação, essas visitas ao Santíssimo Sacramento pelas ofensas que Tu recebes. Então diga-me, como devo fazer?”

E Ele, me instruindo benignamente, me dizia: “Tens feito mal por estares tão perturbada, não sabes que eu sou o Espírito de paz? E a primeira coisa que te recomendo é não perturbar a paz do coração quando em oração não pode se recolher, não quero que pense sobre isso ou aquilo, como é ou como não é, fazendo dessa maneira, tu mesma chamas a distração. Pelo contrário, quando estás nesse estado, a primeira coisa é que te humilhes, confessando-te merecedora dessas penas, pondo-te como humilde cordeiro nas mãos do carrasco, que enquanto o mata lhe lambe as mãos; então tu, enquanto te vês espancada, abatida, sozinha, te resignarás às minhas santas disposições, me agradecerás de todo coração, beijarás a mão que te bate, reconhecendote indigna dessas dores, então me oferecerás aquelas amarguras, angústias e tédio, pedindo que eu as aceite como sacrifício de louvor, de satisfação por tua culpa, de reparação pelas ofensas que Me fazem.

Ao fazer isso, tua oração se elevará diante do meu trono como incenso perfumado, ferirá meu coração e atrairá novas graças e novos carismas para ti; o demônio, vendo-te humilde e resignada, toda abismada em teu nada, não terá forças para se aproximar. Eis que onde pensou que estava perdendo, farás grandes aquisições. Quanto à Comunhão, não quero que te aflijas por não saber como vais ficar, deves saber que é uma sombra das dores que sofri no Getsêmani. Como será quando eu te fizer participante dos flagelos, dos espinhos e dos cravos?

O pensamento dos sofrimentos maiores te fará sofrer com mais ânimo as penalidades menores, portanto, quando na Comunhão te encontrares sozinha, agonizante, pensas que eu te quero um pouco em minha companhia na agonia do horto. Portanto, permanece junto a Mim, e faz uma comparação entre tuas dores e as minhas. Vê-te sozinha, privada de Mim, e Eu também só, abandonado pelos meus amigos mais fiéis que estão sonolentos, deixado sozinho até pelo meu Divino Pai; e também no meio de uma dor amarguíssima, cercado por cobras, víboras e cães raivosos, que eram os pecados dos homens, e onde estavam também os teus, que fizeram parte deles, de modo que me parecia que queriam me devorar vivo. Meu coração sentiu tanta opressão como se estivesse sob uma prensa, tanto que suei sangue vivo. Dize-me, quando chegaste a sofrer tanto?

Então quando te encontrares privada de Mim, aflita, vazia de todo consolo, cheia de tristeza, de angústia e dores, aproxima-te de Mim, limpa-me esse sangue, ofereceme essas tristezas como alívio para minha agonia amarguíssima. Ao fazer isso, encontrarás uma maneira de permanecer Comigo após a Comunhão; não que não sofras, porque a dor mais amarga que posso dar às minhas queridas almas é privando-as de Mim, mas tu, pensando que com o teu sofrimento, me dás conforto, ficarás satisfeita. Em relação às visitas e atos de reparação, tu deves saber que tudo o que fiz no decorrer de trinta e três anos, desde o nascimento até a morte, o continuo no sacramento do altar, por isso quero que me visites trinta e três vezes por dia, honrando todos meus anos e unindo-te Comigo no Sacramento, com minhas mesmas intenções, isto é, de reparação, de adoração.

Isso tu farás em todos os momentos do dia: volta imediatamente o primeiro pensamento da manhã diante do tabernáculo onde estou por teu amor e visita-me; o último pensamento da 46 tarde, enquanto tu dormes à noite, antes e depois de comer, ao começo de toda ação tua, caminhando, trabalhando”.

Enquanto assim me dizia, sentia-me toda confusa, e sem saber se poderia fazê-lo, disse-lhe: “Senhor, peço que fiques comigo até que eu tenha o hábito de fazêlo, porque sei que contigo posso fazer tudo, mas sem ti o que posso fazer eu, miserável?” E ele benignamente adicionava:

“Sim, sim, eu vou te contentar, quando te faltei? Quero tua boa vontade e dar-te-ei qualquer ajuda que desejares.” E assim fazia.

15 – Jesus exorta Luísa, no ato de enriquecê-la e embelezá-la mais e uni-la mais intimamente a Si mesmo, a apoiar uma luta terrível contra os demônios.

Depois de algum tempo, às vezes com Ele, às vezes privada d’Ele, certo dia após a comunhão me senti mais intimamente unida a Ele, e me fez várias perguntas, como: se o amava, se estava disposta a fazer o que Ele queria até o sacrifício da vida por seu amor; e me dizia ainda:

“E tu me dizes o que queres, se estás pronta para fazer o que Eu quero, também Eu farei o que tu quiseres”. Eu me via toda confusa, não entendia sua maneira de agir, mas com o tempo entendi que Ele usa essa maneira de agir quando quer dispor a alma para novas e mais pesadas cruzes, e sabe tanto como atrair a Si com esses estratagemas, que a alma não ousa oporse ao que Ele quer.

Então eu dizia: “Sim, Te amo, mas me digas Tu mesmo, posso encontrar um objeto mais belo, mais santo e mais amável que Tu? Também por que me pergunta se estou disposta a fazer o que queres, se há tanto tempo te entreguei a minha vontade e te pedi que não evitasses nem mesmo me despedaçar contanto que te pudesse agradar?

Eu me abandono em Ti. Ó Santo Esposo, opera livremente, faze de mim o que quiseres, dá-me a tua Graça, pois por mim nada sou e nada posso”. E Ele me dizia: “Tu estás verdadeiramente disposta a tudo o que Eu quero?”

Então me senti mais confusa e atordoada e dizia: “Sim, estou disposta”. Mas quase tremendo, e Ele compassivamente continuou a dizer-me: “Não temas, eu serei tua força, tu não sofrerás, mas serei Eu quem sofrerá e lutará por ti. Olha, eu quero purificar tua alma de tudo, do mínimo defeito que poderia impedir meu amor por ti, quero provar tua fidelidade, mas como posso ver se isso é verdade, senão colocando-te no meio da batalha?

Tu deves saber que eu quero colocar-te no meio de demônios, dar-lhes-ei liberdade para atormentar-te e tentar-te para que quando tiveres combatido os vícios com as virtudes opostas, já te encontrarás de posse dessas mesmas virtudes que tu pensaste que perderias e, mais tarde, tua alma purificada, embelezada e enriquecida, serás como um rei que volta vitorioso de uma guerra feroz, que enquanto acreditava perder o que tinha, se torna mais glorioso e cheio de imensas riquezas. Então eu virei, formarei minha morada em ti, e sempre estaremos juntos. É verdade que teu estado será doloroso, os demônios não te darão paz, nem de dia nem de noite, sempre estarão em ato de travar uma guerra feroz contra ti, mas sempre tenhas em mente o que eu quero fazer, isso é, tornar-te semelhante a Mim, e tu não serás capaz de alcançá-lo, exceto por meio de muitas e grandes tribulações, e assim terás mais ânimo para suportares as penas”. Quem pode dizer como fiquei assustada com tal anúncio? Senti meu sangue gelar, arrepiando meu cabelo, e minha imaginação estava cheia de espectros negros que pareciam querer devorar-me viva.

Pareceu-me que o Senhor, antes de colocar-me nesse estado doloroso, deu liberdade para tudo que eu tinha que sofrer, e eu estava cercada por tudo isso, então fui até Ele e disse: “Senhor, tem piedade de mim! Ah, não me deixes sozinha e abandonada, eu vejo que é tanta a raiva dos demônios, que não deixarão de mim nem o pó; como posso resistir a eles? Para Ti minha miséria é bem conhecida e quão ruim eu sou, então dá-me uma nova graça para não ofender-te. Senhor meu, a dor que mais dilacera minha alma, é ver que Tu também deves me deixar. Ah, a quem poderei dizer uma palavra, quem deve me ensinar?

Mas que tua Vontade sempre seja feita, e bendito teu Santo Querer”. E Ele gentilmente continuou a me dizer: “Não te aflijas tanto, tu deves saber que eu nunca vou permitir que sejas tentada além de tuas forças. Se isso eu permito é para o teu bem; eu nunca coloco almas em batalha para fazê-las perecer; primeiro meço suas forças, dou-lhes minhas graças e depois as introduzo. E se alguma alma se precipita, é porque não fica unida a Mim com a oração, não experimentando mais a sensibilidade do Meu Amor, vai implorando amor das criaturas, todavia somente eu posso satisfazer o coração humano; não se deixa guiar pelo caminho seguro da obediência, acreditando mais no julgamento próprio do que naquele que a guia em meu lugar. Logo, porque surpreende-se que caiam? Então o que Eu te recomendo é a oração, embora devas sofrer penas de morte, jamais deves negligenciar o que costumas fazer, e mais, quanto mais te vejas no precipício, tanto mais invocarás a ajuda de quem pode libertar-te16. Além disso, quero que te coloques cegamente nas mãos do confessor, sem examinar o que lhe é dito. Dessa forma, estarás cercada pela escuridão e serás como alguém que não tem olhos e que precisa de uma mão para guiá-la. O olho para ti será a voz do confessor, que como luz, As armas da vitória são a perseverança e a fidelidade ao Senhor, e estas são sinais de humildade, iluminará as trevas e a mão a obediência que será guia e suporte para levar-te a um porto seguro.

A última coisa que te recomendo é a coragem, quero que tu corajosamente entres na batalha, a coisa que mais faz temer um exército inimigo é ver a coragem, a força, a maneira como desafiam as batalhas mais perigosas, sem temer nada. Assim são os demônios, eles não temem nada além de uma alma corajosa, toda apoiada em Mim, que com um espírito forte, vai no meio deles não para ser ferida, mas resoluta em feri-los e exterminá-los; os demônios ficam assustados, apavorados e gostariam de fugir, mas não podem, porque, vinculados à minha Vontade, são obrigados a permanecer para seu maior tormento. Assim não os tema, que nada podem fazer-te sem o meu Querer. E também, quando eu vir que tu não podes resistir mais e estás prestes a desfalecer, se fores fiel a mim, imediatamente virei e colocarei todos em fuga e darei graça e fortaleza. Anima-te, anima-te!

16 – Luísa deve passar uma terrível prova, lutando contra os demônios.

Agora, quem pode dizer a mudança que aconteceu dentro de mim? Tudo foi horror para mim, aquele amor que eu sentia antes, agora o via se transformar em um ódio atroz, que pena não poder amá-lo mais.

Rasgava-me a alma ao pensar naquele Senhor que tinha sido tão bom comigo, e agora ver-me forçada a odiá-lo, a blasfemar como se ele fosse o mais cruel inimigo, não podendo nem olhá-lo em suas imagens; e tendo rosários entre minhas mãos, ao beijá-los, me vinha tal ímpeto de ódio e tanta a força, que fazê-lo ou cortá-los em pedaços eram a mesma coisa, e às vezes eu fazia-Lhe tanta resistência, que minha natureza tremia da cabeça aos pés. Oh Deus, que pena amarga! Eu acredito que se no inferno, não houvesse outras penas, a única dor de não poder amar a Deus tornaria o inferno mais horrível. Muitas vezes, o diabo colocava diante de mim que as graças que o Senhor me havia dado eram obra de minha fantasia e, por esse motivo, poderia levar uma vida mais livre e confortável; e agora, tomando isso como verdade, repreendendo-me, diziam-me: “Este é o bem que lhe queria? Esta é a recompensa, deixá-la em nossas mãos? Você é nossa, você é nossa17, tudo acabou, não há mais o que esperar”. E, por dentro, sentia-me conferindo ao Senhor tantos impulsos de aversão e de desespero, que às vezes com alguma imagem nas mãos, era tão forte o desprezo que as quebrava; contudo enquanto fazia isso, chorava e as beijava, mas não sei como dizer, fui forçada a fazer isso. Quem pode dizer a dor da minha alma?

NOTA:17 Preservou o uso da voz do discurso coloquial (você) na fala do demônio a Luísa.

Os demônios faziam festa e riam, uns faziam barulho de um lugar, outros o faziam de outro, alguns gritavam, outros me ensurdeciam com gritos dizendo: “Olha como você é nossa, não nos resta mais nada que levá-la ao inferno, alma e corpo, verá que faremos isso”.

Às vezes me sentia puxada, ora os vestidos, ora a cadeira onde estava ajoelhada e a moviam, e fazendo tanto barulho que eu não podia rezar, às vezes o medo era tão grande que, acreditando que me libertaria, eu me deitava na cama (porque esses escândalos aconteceram a maior parte à noite), mas lá estavam também puxando o travesseiro, os cobertores. Quem pode dizer o terror, o medo que eu sentia? Eu mesma não sabia onde estava, se na terra ou no inferno; havia tanto medo de que eles realmente me levassem, que meus olhos não podiam se fechar para dormir; estava como alguém que tem um inimigo cruel que jurou que vai tirar-lhe a vida a qualquer custo, e acreditava que isso aconteceria comigo assim que eu fechasse os olhos; então parecia que era em mim que alguém estava colocando algo dentro dos meus olhos, e era forçada a tê-los abertos para ver quando me levariam — talvez eu conseguisse me opor ao que eles queriam fazer — então sentia meu cabelo arrepiar sobre minha cabeça, um por um, um suor frio por todo o meu corpo que penetrava até o ossos e sentia separar meus nervos e ossos e eles se contorciam juntos de medo.

Outras vezes me sentia incitada a tais tentações de desespero e suicídio, que alguma vez tendo-me encontrado perto de um poço, ou de uma faca, sentia-me puxada para atirar-me ou pegar a faca e me matar, e era tanta a força que eu tinha que fazer para fugir, que sentia penas de morte e, enquanto fugia, sentia que eles estavam comigo e ouvia sugerir-me que era inútil que eu vivesse depois de ter cometido tantos pecados, que Deus tinha me abandonado por não ter sido fiel; além do mais, via que havia cometido tantos ultrajes, que nenhuma alma no mundo jamais cometera, que para mim não havia como esperar piedade. Nas profundezas da minha alma, ouvi-os repetir:

“Como você pode viver sendo inimiga de Deus? Você sabe quem é este Deus a quem tanto insultou, blasfemou, odiou? Ah, é esse Deus imenso que estava ao seu redor e você diante de seus olhos se atreveu a ofendê-lo. Ah perdido o Deus da sua alma, quem lhe dará paz? Quem lhe livrará de tantos inimigos?”

Era tamanha a pena que não fazia nada além de chorar; às vezes eu começava a rezar e sentia os demônios, para aumentar meu tormento, vindo por cima de mim, e um me espancava, outro me espetava e mais outro me apertava a garganta.

Lembro-me que uma vez, enquanto rezava, senti meus pés sendo puxados para o solo, este se abrir e as chamas saírem, e que eu lá me adentrava; tal foi o horror e a dor que fiquei meio morta, tanto que, para me recuperar daquele estado, Jesus teve que vir e me reanimar, me fez entender que não era verdade que eu tinha vontade de ofendê-lo, e que eu podia saber por mim mesma pela pena amarguíssima que sentia, que o diabo era um mentiroso e que eu não deveria fazer-lhe caso, que por enquanto eu deveria ter paciência e sofrer essas aflições, e que depois a paz viria. Isso acontecia de tempos em tempos, quando chegava a extremos, e às vezes para me colocar em tormentos mais difíceis.

No momento desse consolo, a minha alma se convencia, porque nessa luz é impossível que a alma não aprenda a verdade, mas depois quando eu estava em luta eu voltava ao mesmo estado de antes.

Eles tentavam-me também de modo que não recebesse a Comunhão, convencendo-me de que depois de eu ter cometido tantos pecados, era atrevimento me aproximar, e que se eu me atrevesse, Jesus Cristo não viria, senão o demônio, e tantos tormentos ele havia de me dar, que me levaria à morte, mas a obediência vencia (a tentação).

É verdade que às vezes sofria penas mortais, assim que eu podia trabalhosamente recuperar-me após a Comunhão, mas como o confessor queria absolutamente que eu a recebesse, não poderia fazer de outro modo. Eu lembro que várias vezes não a recebi. Também me lembro que às vezes, enquanto rezava à noite, eles apagavam minha lâmpada; às vezes faziam tais rugidos de dar medo; outras vezes vozes débeis, como se fossem moribundos, mas quem poderia dizer tudo o que eles faziam? É impossível.

O que depois explicou o confessor era que não queria que caísse naquele estado, mas isto não estava em meu poder; é verdade que fui desobediente, e que jamais fui boa para nada. Mas recordo também que a pena mais dolorosa para mim era a de não poder obedecer. Neste período de tempo, recordo que houve uma epidemia de cólera, e um dia que pedia ao meu bom Jesus que fizesse cessar esse flagelo, Ele me disse: “Contentar-te-ei contanto que aceites oferecer-te a sofrer o que Eu quiser”. Eu disse: “Senhor, não, não posso, Tu sabes como eles pensam, a menos que tudo aconteça apenas entre mim e Ti, só assim eu estaria disposta a aceitar tudo”.

E Ele me disse: “Minha filha, se Eu tivesse pensado no que os homens pensavam e no que queriam fazer de Mim, não teria feito a Redenção do gênero humano; mas eu tinha meu olhar fixo em sua salvação e, quando via pessoas que pensavam mal de Mim e que davam ocasião de me fazer sofrer mais, o grande amor que me devorava me fazia oferecer essas mesmas penas que eles me davam por sua própria salvação. Esqueceste que o que eu desejo de ti é a imitação da minha Vida, e que quero que participes em tudo o que sofri? Não sabes tu que o ato mais belo, mais heroico, e mais agradável a Mim e que deves fazer, é o de oferecer-te por aqueles mesmos que te são contrários?”

Eu fiquei muda, não sabia o que lhe responder, aceitei tudo o que o Senhor queria, e assim até à tarde fui surpreendida por esse estado de sofrimentos em que estive por três dias contínuos, e depois que voltei a mim não ouvi mais que houvesse cólera.

 25 – Mudança de confessor. A primeira coisa que o novo Confessor lhe ordenou por obediência foi que se submetesse ao sofrimento apenas com sua autorização.

Depois disso me veio outra mortificação, que foi a de ter que mudar de confessor, porque sendo ele religioso foi chamado ao convento. Eu estava contente com ele, e a maior parte das coisas ditas acima aconteciam quando ele estava no campo, especialmente no último ano que foi meu confessor, pois pela cólera que havia na cidade, permaneceu seis meses no campo; por isso não participou tanto35 nessas coisas.

Ele fazia-me ficar um dia nesse estado de sofrimento e vinha. Depois de ter voltado do campo, não passou um mês em que soube que devia partir; isto foi doloroso para mim, não porque estivesse apegada a ele, mas pela necessidade que tinha. Então disse ao Senhor minha pena, e Ele me disse: “Não te aflijas por isso, Eu sou o mestre dos corações, e posso movê-los como me parece e me agrada. Se ele te fez o bem, não foi nada além de um instrumento, que recebia de mim e dava a ti, assim farei com os demais, de que tens medo? Amada minha, enquanto tiveres teu olhar, ora à direita, ora à esquerda, e o deixares repousar agora em uma coisa, agora em outra, e não conservando-o fixo em Mim, não poderás caminhar livremente o caminho do Céu, mas irás sempre tropeçando e não poderás seguir o influxo da Graça.

Por isso quero que com santa indiferença olhes todas as coisas que acontecem ao teu redor, estando toda atenta somente a Mim”. Depois destas palavras meu coração adquiriu tanta força, que pouco ou nada sofri pela perda desse confessor que tanto bem tinha feito à minha alma.


Nota: 35 ou seja rumores


Foi assim que mudei de confessor e voltei ao que me confessava quando era pequena36. Seja sempre bendito o Senhor, que se serve desses mesmos caminhos que a nós parecem contrários e que praticamente deveriam levar um dano à nossa alma, para nosso maior bem e para Sua glória. Assim aconteceu que comecei a abrir-lhe a minha alma, porque até esse momento não tinha dito nada a nenhum; por quanto me dissessem não o conseguia, me via bem mais impotente para dizer as coisas de meu interior, tanta era a vergonha que sentia só em cogitar, que me era mais fácil dizer os mais feios pecados37. De onde veio isto, não sei dizer, por parte do confessor acho que não, porque ele era muito bom, me inspirava confiança, era doce e paciente para escutar, tomava cuidado detalhado de minha alma, tinha o olhar em tudo para que se pudesse caminhar direito. Por parte minha tampouco, porque sentia um obstáculo em minha alma e tinha toda a vontade de vencê-lo e de saber ao menos como pensava o confessor, mas me sentia impossibilitada de fazê-lo. Eu acredito que foi uma permissão do Senhor. Então, encontrando-me com o novo confessor, comecei pouco a pouco a abrir meu interior; o Senhor muitas vezes me ordenava que manifestasse ao confessor o que Ele me dizia, e quando eu não o fazia, o Senhor me repreendia severamente e às vezes chegava a me dizer que se não o fizesse, Ele não viria mais; isto é para mim a pena mais amarga, diante da qual todas as outras penas não me parecem mais do que fios de palha; por isso, tanto era o temor de que não voltasse mais, que fazia o quanto podia para manifestar meu interior. É verdade que às vezes me custava muito, mas o medo de perder o meu amado Jesus fazia-me superar tudo.


Nota
36 D. Michele de Benedictis foi seu confessor de 1888 a 1898. 37 Para Luísa foi uma cruz muito pesada — por toda a sua vida — ter que dizer ou escrever tudo o que aconteceu entre ela e Jesus.


Por parte do confessor também me via compelida a lhe dizer de onde provinha tal estado meu, o que me acontecia quando estava naquele adormecimento e qual era a causa; ora me ordenava manifestar, ora me obrigava com preceito de obediência, e logo me punha diante o temor de que pudesse viver na ilusão e no engano, vivendo para mim mesma, enquanto que se o manifestasse ao sacerdote poderia estar mais segura e tranquila, e que o Senhor jamais permite que o sacerdote se engane quando a alma é obediente.

Assim, Jesus Cristo me compelia por um lado e o confessor por outro; às vezes me parecia que se punham de acordo entre eles. Assim pude chegar a manifestar meu interior. Isto não o fazia o confessor anterior, não me fazia nenhuma pergunta, não tratava de saber que coisas me aconteciam naquele estado de dormência, pelo que eu mesma não sabia como começar a falar destas coisas.

O único cuidado que tomava era que estivesse resignada, uniformizada ao Querer de Deus, que suportasse a cruz que o Senhor me tinha dado, tanto que se às vezes me via um pouco perturbada, experimentava grande desgosto. Depois aconteceu que passei cerca de outro ano com este confessor, no mesmo estado dito acima, mas como sabia de onde provinha esse estado de sofrimento, me dizia que quando Jesus Cristo quisesse que me viessem os sofrimentos, fosse pedir a ele a obediência para sofrer.

26 – Jesus exorta Luísa a oferecer-se como Vítima perpétua, em contínuo estado de sofrimento, para poupar homens e mulheres de novos castigos merecidos, sobretudo de uma guerra, e assim preparar-lhe o caminho para novas graças de santificação. 

Recordo que uma manhã depois da comunhão o Senhor me disse: “Filha, são tantas as iniquidades que se cometem que a balança da minha Justiça está por transbordar. Agora saiba que pesados flagelos farei cair sobre os homens, especialmente uma feroz guerra na qual farei massacre de carne humana. “Ah sim”, continuou quase chorando.
“Eu dei os corpos aos homens, a fim de que fossem tantos santuários onde devia ir me deleitar, mas os transformaram em esgotos de imundícies, e é tanta a pestilência que me obrigam a estar longe deles. Vê a recompensa que recebo diante de tanto amor e tanta dor que sofri por eles.

Quem foi tratado como Eu? Ah, nenhum, mas quem é a causa? É o tanto amor que tenho. Por isso vou prová-los com os castigos”.

Eu me sentia partir o coração pela dor, me parecia que eram tantas as ofensas que lhe faziam, que para fugir delas queria esconder-se em mim, a fim de encontrar refúgio. Sentia também tanta pena porque os homens deveriam ser castigados, que me parecia que não eles, mas se eu tivesse podido, teria sido mais suportável sofrer todos aqueles castigos, antes de ver os outros sofrerem. Tratei de sensibilizá-lo o máximo que pude, e com todo o coração lhe disse:
“Ó Santo Esposo, evita os flagelos que a tua Justiça tem preparado! Se a multiplicidade das iniquidades dos homens é grande, há aí o mar imenso do teu sangue onde podes inundá-las, e assim a tua Justiça ficará satisfeita.
Se não tens onde ir para deleitar-te, vem a mim, te dou todo meu coração, para que  repouses, e te deleites com ele; é verdade que também eu sou um lugar imundo de vícios, mas Tu podes purificar-me e fazer-me como Tu queres. Mas, por favor, aplaca-te, se for necessário o sacrifício da minha vida de bom grado o farei, contanto que poupe tuas imagens”.

E o Senhor interrompendo o meu falar continuou a dizer-me: “Precisamente isto é o que Eu quero; se tu te ofereceres para sofrer, não como até agora, de vez em quando, mas continuamente, todos os dias e por um curto período de tempo, Eu pouparei os homens. Vê, pois, que te porei entre a minha justiça e as iniquidades das criaturas, e quando a minha justiça estiver cheia de iniquidades, de modo que não as possa conter e se veja obrigada a mandar os flagelos para punir as criaturas, encontrando-te no meio, em vez de golpeá-las, ficarás tu golpeada. Só assim poderei te contentar em livrar os homens, de outro modo, não”. Eu fiquei toda confusa, e não sabia o que dizer, minha natureza fazia sua parte, se assustava e tremia, mas via meu bom Jesus que esperava uma resposta, se aceitava ou não, então vendo-me quase obrigada a falar, disse-lhe: “Ó meu Diviníssimo Esposo, por minha parte estaria pronta a aceitar, mas como se arrumará por parte do confessor? Se não queria vir de vez em quando, como será possível que queira vir todos os dias?

Liberta-me desta cruz de precisarmos do confessor para me libertar, e então tudo ficará resolvido entre mim e o Senhor”. Então o Senhor me disse: “Vá ao confessor e pede-lhe obediência; se ele quiser; dize-lhe tudo o que tenho dito, farás o que ele disser. Vê, não será somente para bem das criaturas que quero estes sofrimentos contínuos, senão também para teu bem, neste estado de sofrimentos purificarei muito bem tua alma, a fim de te dispor a constituir Comigo um matrimônio místico, e depois disto farei a última transformação, de modo que ambos seremos como duas velas postas no fogo, onde uma se transforme na outra e forme uma 66  só; assim Me transformarei em ti, e tu ficarás crucificada Comigo. Ah, não ficaria contente se pudesse dizer: — O Esposo é crucificado, mas também a esposa é crucificada?

Ah sim, não há nada que me faça diferente dele”. Então, quando pude falar com o confessor disse-lhe tudo o que o Senhor me havia dito, e aquela palavra que o Senhor me disse: “Por um certo tempo” (sem me dizer o tempo exato que devia estar continuamente sofrendo), eu a tomei como por quarenta dias, mais ou menos, contudo já se passaram cerca de doze anos que continuo assim38; Mas sempre seja bendito Deus, sejam adorados sempre seus inescrutáveis julgamentos. Eu creio que se o Senhor bendito me tivesse feito entender com clareza o tempo que devia estar na cama, minha natureza teria se espantado muito, e dificilmente se teria submetido.
Recordo que estive sempre resignada, mas então não conhecia a preciosidade da cruz como o Senhor me fez conhecê-la no decorrer destes doze anos, e o confessor tivesse concordado em dar-me a obediência. Então assim disse ao confessor, que por quarenta dias o Senhor queria que me desse a obediência de estar continuamente sofrendo, e também lhe disse o resto.

Com grande surpresa minha, porque eu achava impossível. O confessor me disse que se fosse verdadeiramente Vontade de Deus, ele me dava a obediência, que na realidade o motivo não era que ele não pudesse vir, mas sim um pouco de respeito humano. A minha alma alegrou-se muito porque podia contentar ao Senhor e também livrar as criaturas, mas a minha natureza se entristeceu muito ao receber esta obediência, tanto que por

alguns dias estive muito afligida; também a alma a sentia pensativa, porque devia estar tanto tempo sem poder receber a Jesus no Sacramento, minha única consolação; às vezes sentia uma guerra tão feroz em mim que eu mesma não sabia o que me havia acontecido, muitas coisas acrescentava-as o demônio, mas o meu bom Jesus curou tudo, e eis como aconteceu.

Nota: 38 Isto ela escreveu em 1899: portanto, Luísa permaneceu continuamente na cama em 1887. 

 27 – Interrupção da história. As várias maneiras pelas quais Jesus fala com Luísa. 

Mas antes de continuar, por ordem do confessor atual devo manifestar os vários modos com os quais o Senhor me falou:
Parece-me que os modos com os quais Deus me fala sejam quatro, mas estes quatro modos de falar de Jesus são muito diferentes das inspirações.
1.- O primeiro modo é quando a alma sai de si mesma. Mas antes quero explicar o melhor que possa o que seja sair de mim mesma. Isto acontece de dois modos: O primeiro é instantâneo, quase como relâmpago, e é tão repentino que me parece que o corpo se eleva um pouco da cama, para seguir a alma, mas depois fica ali e a mim me parece que o corpo fica morto. A alma em vez disso segue a Jesus caminhando por todo o universo, a Terra, o ar, os mares, os montes, o Purgatório e o Céu, onde muitas vezes me fez ver o lugar onde eu estarei depois de morta. O outro modo de deixar a alma é mais tranquilo, parece que o corpo se adormece insensivelmente e fica como petrificado ante a presença de Jesus Cristo, mas a alma permanece com o corpo, e este não sente nada das coisas externas, ainda que se transtornasse todo o universo, mesmo que me queimassem e me reduzissem em pedaços.

Estes dois modos tão diferentes de sair ao exterior de mim eu os notei sensivelmente, porque no primeiro modo, devendo obedecer ao confessor que vinha me despertar, o via desde o lugar onde me conduzia Jesus; isto é, desde os confins da Terra, ou do ar, ou dos montes, ou do mar, ou do Purgatório, ou mesmo do mesmo Paraíso. Parecia-me que não haveria tempo de voltar para que o confessor encontrasse minha alma no corpo e pudesse obedecer, mas devo confessar que sempre me encontrei a tempo, e me parecia entrar a alma no corpo antes que o confessor começasse a me dar a obediência de despertar.
E mais; digo a verdade, muitas vezes eu via de longe o confessor que vinha, mas para não deixar Jesus, parecia que não pensava no confessor que vinha e então o próprio Jesus me apressava a voltar com a alma ao corpo para poder obedecer ao confessor, e então eu sentia uma grande repugnância por deixar a Jesus, mas a obediência vencia, e deixando-O, Ele mesmo, ou me beijava ou me abraçava ou fazia outra coisa para despedir-se de mim. E eu, deixando o meu amado Jesus dizia-Lhe: “Vou com o confessor, mas Tu, meu bom Jesus, volta assim que o confessor se vá”. Estes são os dois modos pelos quais a alma parecia sair do corpo, e nestes dois modos de sair a alma, Deus me fala. Este modo de falar, Ele mesmo o chama de comunicação intelectual.

Tentarei explicar: A alma que sai do corpo e se encontra diante de Jesus, não tem necessidade de palavras para entender o que o Senhor quer lhe dizer, nem a alma tem necessidade de falar para se fazer entender, senão que tudo é por meio do intelecto, Oh, como nos entendemos quando nos encontramos! De uma luz que de Jesus me vem à inteligência, sinto imprimir em mim tudo o que meu Jesus quer que eu entenda. Este modo é muito alto e sublime, tanto que a natureza dificilmente sabe explicá-lo com palavras, apenas pode dar alguma ideia; este modo pelo  qual Jesus se faz entender é rapidíssimo, num simples instante se aprendem muito mais coisas sublimes que lendo livros inteiros.

Oh, que mestre engenhoso é Jesus, que num simples instante ensina muitas coisas, enquanto que qualquer outro necessitaria anos inteiros, se é que o consegue, porque o mestre terreno não tem poder para poder atrair a vontade do discípulo, nem de lhe pode infundir na mente sem esforços nem fadigas o que lhe quer ensinar; mas com Jesus não é assim, tanta é sua doçura, a amabilidade de seu trato, a suavidade de seu falar. E ademais é tão belo, que ao apenas vê-Lo, a alma se sente tão atraída, que às vezes corre numa enorme velocidade para o lado de Jesus, que quase sem perceber se encontra transformada no objeto amado, de modo que a alma não sabe discernir mais seu ser terreno, tanto fica identificada com o Ser Divino. Quem pode dizer o que a alma experimenta neste estado?

Precisaria do próprio Jesus, ou de uma alma separada perfeitamente do corpo, porque a alma encontrando-se outra vez circundada pelos muros deste corpo, e perdendo essa luz que antes a tinha abismada, muito perde e fica obscurecida, de tal modo que se quisesse dizer algo, o diria grosseiramente.

Para dar uma ideia, digo que me imagino a um cego de nascimento, que nunca teve o bem de ver o que há no universo inteiro, e que por poucos minutos tivesse o bem de abrir os olhos à luz, e pudesse ver tudo o que contém o mundo: o sol, o céu, o mar, as tantas cidades, as tantas máquinas, as variedades das flores e as tantas outras coisas que há no mundo, e depois daqueles poucos minutos de luz, voltei à cegueira de antes.

Poderia ele dizer claramente tudo o que viu? Somente poderia fazer um esboço, dizer alguma coisa confusamente. Isto é uma semelhança do que acontece quando a alma se encontra separada, e depois no corpo, não sei se digo desatinos;  assim como a esse pobre cego ficaria a pena da perda da vista, assim a alma, vive gemendo e quase em um estado violento, porque a alma se sente violentada sempre para com o sumo Bem, é tanta a atração que Jesus deixa na alma de Si, que a alma gostaria de estar sempre abstraída em seu Deus, mas isto não pode ser, e por isso se vive como se vivesse no purgatório.

Acrescento que a alma não tem nada de próprio neste estado, tudo é realizado pelo Senhor.

 

2.- Agora tentarei explicar o segundo modo que Jesus tem para falar, onde a alma encontrando-se fora de si mesma vê a pessoa de Jesus Cristo, como por exemplo na figura de criança, ou do crucificado, ou em qualquer outro aspecto, e a alma vê que o Senhor com a boca pronuncia as palavras e a alma com a boca responde. Às vezes acontece que a alma se põe a conversar com Jesus como fariam dois íntimos esposos. Se bem que o falar de Jesus é pouquíssimo, apenas quatro ou cinco palavras e às vezes até mesmo uma só. Raríssimas vezes se estende mais, mas nesse pouquíssimo falar, ah, quanta luz põe na alma! À primeira vista parece-me um pequeno riacho, mas vendo bem, em vez de um riacho se vê um vasto mar; assim é uma só palavra dita por Jesus, é tanta a imensidão da luz que fica na alma, que ruminando muito bem descobre tantas coisas sublimes e proveitosas à sua alma, que fica assombrada. Eu acredito que se juntassem todos os sábios, ficariam todos confundidos e mudos diante de uma só palavra de Jesus.

Agora, este modo é mais acessível à natureza humana, e facilmente se sabe manifestar, porque a alma entrando em si mesma leva consigo o que tem ouvido da boca de Nosso Senhor e o comunica ao corpo; não é tão fácil quando é por meio do intelecto. Eu considero que Jesus tem este modo de falar para adaptar-se à natureza humana, não que tenha necessidade da  palavra para fazer-se entender, senão porque deste modo a alma mais facilmente compreende e pode manifestá-lo ao confessor.

Em suma, Jesus faz como um mestre doutíssimo, sábio, inteligente, que possui em grau eminentíssimo todas as ciências e que ninguém pode igualá-Lo, mas como se encontra entre discípulos que ainda não aprenderam as primeiras letras do alfabeto, retendo todos os outros conhecimentos em si, ensina aos discípulos apenas o a, b, c etc. Oh, como é bom Jesus! Adapta-se aos doutos e fala-lhes de modo altíssimo, de modo que para entendê-lo devem estudar muito bem o que lhes diz, adapta-se aos ignorantes e faz-se também Ele ignorante, e fala em modo baixo, de maneira que ninguém pode ficar em jejum das lições deste Divino Mestre.

3.- O terceiro modo com que Jesus me fala é quando falando à alma, participa de sua própria substância. Parece-me como quando o Senhor criou o mundo: com uma só palavra foram criadas as coisas, assim, sendo sua palavra criadora, no próprio ato em que diz a palavra, cria na alma aquela mesma coisa que diz, como por exemplo, Jesus diz à alma: “Vê como são belas as coisas, por mais que teus olhos possam percorrer a terra ou o céu, jamais encontrarão beleza semelhante a Mim”.

Neste falar de Jesus, a alma sente entrar nela um algo divino e fica muito atraída para esta beleza, e ao mesmo tempo perde o atrativo de todas as outras coisas, por quão belas e preciosas fossem não lhe causariam nenhuma impressão, o que lhe fica fixo e quase transmutado em si é a beleza de Jesus, nisso pensa, dessa beleza se sente investida, e fica tão apaixonada, que se o Senhor não fizesse outro milagre se lhe partiria o coração, e de puro amor por esta beleza de Jesus expiraria a alma para voar ao Céu a gozar desta beleza de Jesus.

Eu mesma não sei se digo desatinos. Para explicar melhor este falar substancial de Jesus,  digo outra coisa, Jesus diz: “Olha como sou puro, também em ti quero pureza em tudo”. Nestas palavras a alma sente entrar em si uma pureza divina, esta pureza se transforma em si mesma e chega a viver como se não tivesse mais corpo, e assim das outras virtudes. Oh, como é desejável este falar de Jesus!
Eu daria tudo o que está sobre a terra, se fosse a dona de tudo, contanto que tivesse uma só destas palavras de Jesus.

4.- O quarto modo em que Jesus me fala é quando me encontro em mim mesma, isto é no estado natural, e este falar é também de dois modos. O primeiro é quando me encontrando em mim mesma, recolhida, no interior do coração, sem articulação de voz ou sons ao ouvido do corpo, Jesus fala internamente. O segundo é como nós fazemos, e isso acontece às vezes, mesmo estando distraída ou falando com outras pessoas. Mas uma só destas palavras basta para me recolher se estou distraída, ou para dar-me a paz se estou perturbada, para me consolar se estou afligida.

 28 – A narração recomeça. Luísa, doravante vítima perpétua, fica permanentemente na cama, sozinha e apenas para Jesus. 

Agora eu continuo narrando de onde eu parei, e foi assim que se seguiu. Pela manhã eu fui para comungar, e assim que eu recebi a Jesus, de súbito lhe disse: “Meu Senhor, vê em que tempestade me encontro, deveria te agradecer porque deste luz ao confessor para me dar a obediência de sofrer; em troca minha natureza lamenta tanto, que eu mesma fiquei confusa ao me ver tão má. Mas tudo isto é nada, porque Tu que queres o sacrifício me darás também a força. Mas a razão de maior peso em mim é ter que estar tanto tempo sem poder receber-Te no Sacramento, quem poderá resistir sem Ti?

Quem me dará força? Onde poderei encontrar consolo nas minhas aflições?” E enquanto dizia isto, sentia tais penas no coração por esta separação de Jesus Sacramentado, que chorava copiosamente.

Então o Senhor compadeceu-se da minha fraqueza e disse-me: “Não temas; Eu mesmo sustentarei a tua fraqueza, tu não sabes que graças te preparei, por isso temes tanto. Eu não sou Onipotente? Não posso suprir a privação de receber-me no Sacramento? Por isso ria, põe-te como morta em meus braços, faze-te vítima voluntária para me reparar as ofensas pelos pecadores e para evitar aos homens os merecidos flagelos.

E eu dou-te em penhor a minha palavra de não deixar nem um só dia sem vir visitar-te. Até agora tu vieste a Mim, de agora em diante virei Eu a ti. Não estás contente?” Então eu me resignei à Santa Vontade de Deus, e fui surpreendida por este estado de sofrimentos. Quem pode dizer as graças que o Senhor começou a me dar? É impossível poder dizer tudo detalhadamente, poderei dizer alguma coisa confusamente, mas por quanto possa e para cumprir a santa obediência que assim o quer, esforçar-me-ei em dizer por quanto me seja possível. Lembro-me que desde o início deste estar continuamente na cama, o meu amado Jesus fazia-se ver muito frequentemente, o que não tinha feito no passado. Desde o início me disse que queria que levasse um novo modo de vida para dispor-me àquele casamento místico que me havia prometido, me dizia: “Amada de meu coração, te coloquei neste estado a fim de poder vir mais livremente e conversar contigo; vê, te liberei de todas as ocupações externas a fim de que não só a alma, mas também o corpo esteja à minha disposição, E assim podes estar em contínuo holocausto diante de Mim. Se não te tivesse posto nesta cama,  uma vez que deverias cumprir os teus deveres familiares e sujeitar-te a outros sacrifícios, não poderia Eu vir tão frequentemente e te fazer partícipe das ofensas conforme as recebo; no máximo deverias esperar que cumprisse teus deveres.

Mas agora não, agora ficamos livres, já não há ninguém que nos incomode e que interrompa a nossa conversa; de agora em diante as minhas aflições serão tuas, e as tuas, minhas; os meus sofrimentos teus, e os teus, meus; as minhas consolações tuas, e as tuas, minhas; uniremos todas as coisas e tu tomarás interesse das minhas coisas como se fossem tuas, e eu também me interessarei pelas tuas. Não haverá mais entre nós dois, “isto é meu e isto é teu”, mas tudo será comum a ambas as partes. Sabes como fiz contigo? Como um rei quando quer falar com sua esposa rainha, e esta se encontra com suas damas em outras ocupações.

O rei, o que faz? Ele a toma e leva para dentro de seu quarto, fecha as portas para que ninguém possa entrar e interromper sua conversação nem ouvir seus segredos, e assim, estando a sós, comuniquem reciprocamente suas consolações e aflições. Agora, se algum imprudente fosse bater ou gritar atrás da porta e não os deixassem desfrutar de suas conversas, o rei não o tomaria a mal? Foi o que eu fiz contigo, e se alguém te quiser distrair deste estado, também me desagradaria”.

29 – Jesus chama a alma à perfeita conformidade com a Sua Vontade; Ele quer nela um absoluto desapego de tudo e uma pobreza perfeita, com santa indiferença. 

E Ele continuou a dizer-me: “Quero de ti perfeita conformidade com minha Vontade, de tal modo a desfazeres tua vontade na minha; desapego absoluto de todas as coisas, tanto que tudo o que é terreno quero que seja tido por ti como 75  esterco e podridão de dar horror só de olhá-lo, e isto porque só de ter as coisas terrenas em volta e fitá-las, ainda que não tivesse apego a elas, acabam obscurecendo as coisas celestiais e impedem a realização desse casamento místico que te prometi. Além disso quero que assim como Eu fui pobre, também me imites na pobreza, deves considerar-te nesta cama como uma pobrezinha; os pobres se contentam com o que têm, e agradecem-me primeiro a Mim, e então a seus benfeitores. Assim, aceita o que te é dado, sem pedir nem isto nem aquilo, porque poderia ser um estorvo em tua mente, e com santa indiferença, sem pensar se isso te faria bem ou mal te submeta à vontade dos demais”.

30 – Uma nova Cruz de Luísa: sempre regurgitando os alimentos consumidos e ao mesmo tempo passando fome. 

O Confessor a proíbe de continuar no estado de vítima.
Isso me custou muito no princípio, especialmente pelas obediências que me determinava o confessor, não sei porque, mas queria que tomasse quinino, e tinha imposta a obediência de que cada vez que eu tivesse vomitado outras tantas devia voltar a tomar alimento. Agora, o quinino me estimulava o apetite e às vezes sentia muita fome; eu tomava o alimento e assim que o tomava, às vezes no mesmo momento de tomá-lo, pelos contínuos episódios de vômito estava obrigada a devolvê-lo, e permanecia com a mesma fome de antes39.   NOTA
39 Nos primeiros dias, o vômito ocorria a cada três ou quatro dias; mas depois foi produzido toda vez que ela comia. Alguns minutos depois de comer, como em um soluço, ela colocava tudo de volta intacto e agradável aos olhos. Como ficou permanentemente na cama, Luísa viveu a maior parte do tempo da Santa Eucaristia e do mesmo alimento de Jesus: a Vontade Divina. Alguns dizem que ela viveu totalmente desprovida de comida e bebida durante todo esse tempo, mas isso não é verdade. palavra “pobre” que Jesus me havia dito não me deixava ousar pedir nada, e eu mesma tinha vergonha de pedir; e pensava comigo mesma: “O que dirá à família: vomitou e agora quer comer?

Se me derem alguma coisa a tomo, se não, o Senhor se ocupará”.

Assim me acontecia, contente de poder oferecer alguma coisa a meu amado Jesus. Isto não durou muito tempo, cerca de aproximadamente quatro meses. Um dia o Senhor me disse: “Pede ao confessor que te dê a obediência de não tomar quinino e nem te fazer tomar o alimento tantas vezes, que Eu lhe darei luz”. Depois veio o confessor e contei-lhe, e ele me disse: “Para não mostrar singularidades, de agora em diante quero que tomes o alimento uma só vez por dia”, e suspendeu também o quinino. Assim fiquei mais tranquila e me passou a fome, mas o vômito não cessou, e na única vez em que tomava o alimento era obrigada a devolvê-lo; o Senhor às vezes me dizia que pedisse a obediência de não comer, mas o confessor nunca me deu esta obediência, dizia-me: “Não importa que vomites, é outra mortificação”. Eu então o dizia ao Senhor e Ele me dizia: “Quero que faças a petição, mas com santa indiferença, quero que te atenhas ao que te diz a obediência”.
NOTA:
No volume XI (29.9.1912) Luísa escreve: “… estava preocupada, pensando no meu estado, porque antes comia muito pouco e era obrigada a regurgitá-lo e agora tomo mais e não ocorre…” , e ela o atribui à falta de mortificação o motivo disso, mas, Jesus lhe diz, é porque, depois de tê-la purificada e desvinculada das coisas terrenas, “eu a devolvo à vida comum, porque quero que meus filhos participem nas coisas criadas por Mim para o amor deles, de acordo com a Minha Vontade, não de acordo com a deles.
E é só por causa dessas crianças que sou obrigado a alimentar os outros”. (O mesmo pode ser visto no Vol. XII, 12.8.1918, onde ele fala de seu contínuo abandono de que tanto a mortifica). 

E assim continuei a fazê-lo. Quando passaram cerca de quarenta dias, que eu considerava pelas palavras que me tinha dito o Senhor (por um certo tempo) e que eu assim tinha dito ao confessor, os sofrimentos continuaram a surpreender-me diariamente e ele se via obrigado a vir todos os dias. Então o confessor começou a me impor a obediência de sair daquele estado e acrescentava que se caísse nos sofrimentos, ele não viria. Por minha parte me sentia disposta a obedecer, especialmente porque minha natureza queria libertar-se daquele estar continuamente na cama, que por quão belo fosse, era sempre cama, aquele ter que sujeitar-se a todos, mesmo nas coisas mais repugnantes e necessárias à natureza, e estar obrigada a dizer aos outros é um verdadeiro sacrifício. Por isso, a natureza fez seu ofício, e se consolou inteira ao receber esta obediência; minha alma estava disposta a obedecer ou a permanecer em cama se o Senhor assim o quisesse, porque tinha começado a experimentar o quão Bondoso tinha sido comigo o Senhor e que a verdadeira resignação sabe mudar a natureza das coisas e a amargura é convertida em doçura.

31 – A resistência de Luísa a Jesus, que a quer no sofrimento, porque falta o consentimento do confessor; mas no final Jesus se impõe: comunica-lhe o estado de sofrimento e, como prova de que é Sua Vontade, dá ao confessor o anúncio de uma guerra entre a Itália e a África40.

Quando o Confessor determinou-me a obediência de não ter que estar mais na cama, eu comecei a resistir e dizia ao Senhor:
NOTA
40 Trata-se da Primeira Guerra Ítalo-Etíope, também conhecida como Guerra da Abissínia (em italiano: Guerra di Abissinia ou Campagna d’Africa Orientale) corresponde ao conflito bélico da Itália na Etiópia, ocorrida entre os anos 1895 e 1896. 

“O que queres de mim? Não posso mais, porque a obediência não quer, mas se queres dar luz ao confessor então eu estou disposta a fazer o que queres”. E passei toda uma noite discutindo com o Senhor;
quando vinha lhe dizia: “Meu amado Jesus, tem paciência, não venhas, porque a obediência não permite que me faças participar em teus sofrimentos”. Até que pela manhã eu venci, sentia-me em mim mesma e livre de sofrimentos, quando em um instante veio o Senhor e me atraiu de tal maneira a Ele que não pude resistir-lhe, perdi os sentidos, e me encontrei junto com Jesus, mas tão estreitada que por quanta oposição fazia, não podia separar-me Dele.
Estando com Jesus eu me sentia toda aniquilada, e tinha um certo rubor pelas tantas oposições que lhe havia feito durante a noite, e lhe disse: “Santo Esposo, perdoa-me, é o confessor que assim o quer”. E Ele me disse: “Não temas, quando é a obediência Eu não me ofendo”. E continuou: “Vem, vem a Mim, hoje é ano novo, quero dar-te teu presente”. (Justo aquela manhã era o primeiro dia do ano)41. Então aproximou seus lábios puríssimos aos meus e derramou um leite dulcíssimo, beijou-me, e tomou um anel do seu lado42, e me disse: “Hoje quero te fazer ver o anel que te preparei para quando te desposar”. Depois me disse:

NOTA
41 Era o dia 1º de Janeiro de 1888. 42 Este detalhe, que Jesus tira um anel do seu Coração, confirma que beijos, carícias, anéis, ou “derramar na boca” líquido amargo ou “leite” muito doce e outros gestos ou manifestações do amor do Senhor por Luísa, são todas de natureza puramente espiritual e simbólica. É uma linguagem feita de sinais.
Ela mesma ocasionalmente indica o significado (Por exemplo, Vol. III, 23 em 25.04.1900). 

“Diz ao confessor que é Minha vontade que continues estando na cama, e como sinal de que sou Eu, diz-lhe que haverá guerra entre a Itália e a África, e se ele te der a  obediência para que continues a sofrer, não deixarei fazerem nada, ambas as partes se porão em paz”. No mesmo instante ao dizer estas palavras, senti-me circundada por sofrimentos como por uma vestimenta, e por mim mesma não pude libertar-me, pensava: “O que dirá o confessor?” Mas não estava mais em meu poder43. Aquele leite que Jesus derramou em mim me produzia tal amor a Ele, que me sentia definhar, e sentia tanta saciedade e doçura, que depois que veio o confessor e me fez voltar daquele estado, e a família me levou alimento, sentia-me tão satisfeita que o alimento não descia, mas para cumprir a obediência que assim o queria, tomei um pouco, mas logo fui obrigada a devolvê-lo, misturado com aquele leite doce que Jesus me havia dado.

E Ele, brincando me disse: “Não te bastou o que te dei? Não estás contente ainda?” Eu toda enrubescida, rapidamente lhe disse: “O que queres de mim? É a obediência”. Quando o confessor veio, começou a ficar inquieto e a dizer-me que eu era desobediente, ou então dizia-me: “É uma doença.

Se fosse coisa de Deus te teria feito obedecer, por isso em vez de chamar ao confessor deve chamar aos médicos”. Quando ele terminou de falar, eu lhe disse tudo o que me tinha dito o Senhor, como disse acima, e ele me disse que era verdade que havia guerra entre a África e a Itália, e me disse: “Veremos se nada acontecer”.E assim ficou persuadido de me fazer continuar sofrendo. Um dia, depois de cerca de quatro meses, o confessor veio e me disse que haviam chegado notícias de que a guerra que havia entre a África e a Itália, sem fazer nenhum dano entre elas, havia terminado, assinando a paz. Assim, o confessor ficou mais persuadido e me deixou ficar em paz.
Nota:

43 Libertando-se desse estado de morte

32 – Jesus Cristo começa a preparar Luísa para a união mística que havia prometido.

Então, o meu doce Jesus não fazia outra coisa que me dispor para aquele matrimônio místico que me havia prometido. Isto se fazia ver estando eu nesse estado, às vezes três ou quatro vezes ao dia, como lhe agradava, e às vezes era um contínuo ir e vir, me parecia um apaixonado que não sabe estar sem sua esposa, assim fazia Jesus comigo, e às vezes chegava a me dizer:

“Olha, te amo tanto que não sei estar se não venho, sinto-me quase inquieto pensando que estás sofrendo por Mim e que estás sozinha, por isso vim para ver se tens necessidade de alguma coisa”. E enquanto assim dizia, Ele mesmo me levantava a cabeça, colocava seu braço atrás de meu pescoço e me abraçava, e enquanto assim me tinha, me beijava, e se era tempo de verão e fazia calor, de sua boca exalava um hálito refrescante, ou bem tomava alguma coisa em sua mão e me abanava e depois me perguntava: “Como te sentes? Não te sentes melhor?” Eu lhe dizia: “Em qualquer modo em que se está Contigo, se está sempre bem”.

Outras vezes vinha, e se me via muito fraca pelo contínuo estar naqueles sofrimentos — especialmente se o confessor vinha na noite – meu amante Jesus vinha, e me vendo naquele estado de extrema debilidade, tanto que às vezes me sentia morrer, se aproximava a mim e de sua boca na minha vertia este leite, ou me colocava a seu Lado e eu sorvia torrentes de doçuras, de delícias e de fortaleza, Ele me dizia: “Quero ser exatamente teu tudo, e também teu alimento da alma e do corpo”. Quem pode dizer o que eu experimentava, tanto na alma como no corpo, por estas graças que Jesus me fazia? Se fosse eu a dizê-lo, me estenderia demais.

Recordo-me que às vezes quando não vinha logo, me lamentava com Ele dizendo: “Ah, Santo Esposo, como me fizeste esperar, tanto que não podia mais resistir, me sentia morrer sem Ti”.

E enquanto assim dizia, era tanta a aflição que sentia que chorava, e Ele compadecia-se todo de mim, enxugava-me as lágrimas, beijava-me, abraçava-me e dizia: “Não quero que chores. Vê, agora estou contigo, dize-me o que queres”. Eu dizia-lhe: “Não quero outra coisa senão a Ti, e só deixarei de chorar quando me prometeres que não me farás esperar tanto”. E Ele me dizia: “Sim, sim, te contentarei”. Um dia, enquanto estávamos nisto, era tanta a dor que eu não conseguia parar de chorar, meu bom Jesus me disse:

“Quero te contentar em tudo, sinto-me tão atraído por ti que não posso deixar de fazer o que tu queres. Se até agora retirei tua vida exterior e me manifestei a ti, agora quero atrair tua alma para Mim, a fim de que onde quer que eu vá, possas vir junto Comigo, assim poderás desfrutar mais e estreitar-te mais intimamente a Mim, o que não fizeste no passado”.

33 – Retrato que Luísa traça da beleza divina da Santíssima Humanidade de Jesus, tal como Este aparece para ela. 

Uma manhã — não me lembro muito bem — creio que tinham passado cerca de três meses desde que comecei a estar continuamente na cama; Enquanto estava no meu estado habitual, veio meu doce Jesus com um aspecto todo amável, como um jovem com cerca de dezoito anos. Oh como era belo!

Com a cabeleira dourada e toda encaracolada, parecia que encadeava os pensamentos, os afetos, o coração44.

NOTA:
44 Compare com a descrição do Noivo, feita pela Noiva no Cântico dos Cânticos, 5: 10-16.

Sua Fronte serena e ampla, em que se olhava como dentro de um cristal, se descobria a infinita sabedoria, a paz imperturbável. Oh!
Como me sentia tranquilizar a mente, meu coração, aliás, minhas próprias paixões diante de Jesus caíam por terra e não se atreviam a me dar o mínimo incômodo.

Eu acredito, não sei se estou errada, que não se pode ver a este Jesus tão belo se não se está na calma mais profunda, de tal modo que o mínimo assombro de intranquilidade impede ter uma visão tão bela. Ah, sim! Ao ver a serenidade de sua fronte adorável, é tanta a infusão de paz que se recebe no interior, que creio que não há desastre, guerra mais feroz que diante de Jesus não se acalme. “Ó meu todo e belo Jesus, se por poucos momentos que te manifestas nesta vida comunicas tanta paz, de modo que se possa sofrer os mais dolorosos martírios, as penas mais humilhantes com a mais perfeita tranquilidade, (parece-me uma mistura de paz e de dor), o que será no Paraíso?”

Oh, como são belos seus olhos puríssimos, cintilantes de luz; não são como a luz do sol que querendo olhá-la danifica nossa vista, não, em Jesus enquanto é luz, pode-se muito bem fixar o olhar, e só de olhar o interior de sua pupila, de uma cor celeste escura oh, quantas coisas me dizia. É tanta a beleza de seus olhos, que um só olhar basta para me fazer sair de mim mesma, e me fazer correr atrás Dele por caminhos e por montes, pela terra e pelo céu, basta um só olhar para me transformar Nele e sentir sair em mim algo de divino. Quem pode dizer a beleza de seu rosto adorável? Sua tez branca semelhante à neve tingida de uma cor das rosas, das mais belas; em suas bochechas púrpuras descobre-se a grandeza de sua pessoa, com um aspecto majestoso e todo

Divino, que infunde temor e reverência, e ao mesmo tempo dá tanta confiança, que quanto a mim jamais encontrei pessoa alguma que me desse ao menos uma sombra da confiança que dá meu amado Jesus, nem em meus pais, nem nos confessores, nem nas minhas irmãs.

NOTA
Muitos de seus versos ecoam de forma pungente, literalmente, nas páginas de Luísa. Ela é “a Noiva” (Vol. XV, 24.1.1923).  

Ah, sim, esse rosto santo, enquanto é tão majestoso, ao mesmo tempo é tão amável, e essa amabilidade atrai tanto, de modo que a alma não tem a mínima dúvida de ser acolhida por Jesus, por quão feia e pecadora se veja. Belo é também o seu nariz afilado, proporcional ao rosto.
Graciosa é sua boca, pequena, mas extremamente bela, seus lábios finíssimos de uma cor escarlate. Enquanto Ele fala, contém tanta graça que é impossível poder descrevê-lo. É doce a voz de meu Jesus, é suave, é harmoniosa, enquanto se expressa, sai de sua boca um perfume tal, que parece que não se encontra sobre a terra, é profundo, de modo que penetra tudo, sente-se descer pelo ouvido ao coração, e oh, quantos afetos produz, mas quem pode dizer tudo? Pois é tão agradável que julgo que não se pode encontrar outros prazeres como os que se podem encontrar numa só palavra de Jesus.
A voz de meu Jesus é potentíssima, é operante, e no mesmo ato que fala faz o que diz. Ah sim, é formosa sua boca, mas mostra mais sua formosa graça no ato de falar, então se veem seus dentes tão nítidos e bem alinhados, e exala seu sopro de amor, incendeia, resplandece, consome o coração. Belas são suas mãos, suaves, brancas, delicadíssimas, com seus dedos proporcionados, e os move com uma maestria tal, que é um encanto.

Oh, como Tu és belo, todo belo, oh meu doce Jesus! O que eu disse sobre Tua beleza é nada, e mais, acho que disse muitos desatinos. Mas o que queres de mim? Perdoa-me, é a obediência que assim o quer, por mim não me teria atrevido dizer uma só palavra, conhecendo minha incapacidade.
34 – Pela primeira vez a alma sai do corpo, irresistivelmente atraída por Jesus, num sofrimento que, neste estado, Ele comunica à alma.

Agora, enquanto via Jesus com o aspecto já descrito, de sua boca me enviou um sopro que me investia toda a alma45, e me parecia que Jesus me atraísse com aquele hálito e comecei a sentir que a alma saía do corpo, sentia-me realmente sair de todas as partes, da cabeça, das mãos e até dos pés, sendo esta a primeira vez que me sucedia; e dentro de mim comecei a dizer:
“Agora morro, o Senhor veio para me levar”. Quando me vi fora do corpo, a alma teve a mesma sensação do corpo, com esta diferença, que o corpo contém carne, nervos e ossos, a alma não, é um corpo de luz, portanto senti um temor, mas Jesus continuava a enviar-me esse alento e me dizia: “se te causa tanta dor estares privada de Mim, agora vem junto Comigo porque quero consolar-te”; e Jesus tomou o seu voo e eu tomei o meu junto d’Ele, giramos por toda a abóbada do céu. Oh!

Como era bonito passear junto com Jesus! Agora apoiava a cabeça sobre seu ombro e com um braço atrás de suas costas e com a outra mão em sua mão, agora Jesus se apoiava em mim.
Quando chegávamos a certos lugares onde a iniquidade mais abundava, oh, quanto sofria meu bom Jesus! Eu via com mais clareza os sofrimentos de seu coração adorável, via-O quase desmaiar, e lhe dizia: “Apoia-te em mim e faz-me partícipe de tuas penas, pois não resiste minha alma ao ver-Te sofrer sozinho”. E Jesus me dizia: “Amada minha, ajuda-me que não posso mais”. E, enquanto assim dizia, aproximava os seus lábios aos meus, e derramava uma amargura tal, que sentia penas mortais quando entrava em mim esse licor tão amargo; sentia entrar  como tantas facas, pontas, flechas que me trespassavam de lado a lado, em suma, em todos os meus membros se formava uma dor atroz e voltando a alma ao corpo participava estes sofrimentos ao corpo.

 

NOTA
45 Esse bafejo ou sopro de Jesus é o Espírito Santo (cf. Jo 20,22; 2.Ts 2,8). 

Quem pode dizer as penas? Só o próprio Jesus era testemunha, porque os outros não podiam mitigar minhas penas estando naquele estado de perda dos sentidos, e esperando quando convinha ao confessor, porque também com a obediência se mitigavam. Portanto, só Jesus me podia ajudar. Quando via que minha natureza não podia mais e que chegava propriamente aos extremos e não me restava mais que dar o último respiro,46 (oh, quantas vezes a morte zombou de mim, mas virá um dia em que eu me rirei dela!), então Jesus vinha, me tomava em seus braços, me aproximava de seu coração, e oh, como me sentia voltar a vida, depois, de seus lábios vertia um licor dulcíssimo, e assim se anuviaram as penas.
35 – Participação que Jesus faz Luísa na sua indizível amargura e dores pelos diversos tipos de pecados com que é ofendido. 

Outras vezes, enquanto me levava junto com Ele girando, se eram pecados de blasfêmias, contra a caridade e outros, vertia esse amargo venenoso; se eram pecados de desonestidade, derramava uma coisa de podridão malcheirosa, e quando voltava a mim mesma, sentia tão bem aquela pestilência, e era tanto o fedor que me revolvia o estômago e me sentia desfalecer; e às vezes tomando o alimento, quando o devolvia, sentia que saía da minha boca aquela podridão misturada com o alimento. Às vezes então, levava-me às igrejas, e também ali o meu bom Jesus era ofendido

 

NOTA
46 No Vol. IX (1.10.1909) ela diz que em anos anteriores Jesus quis levá-la definitivamente ao Céu várias vezes, mas a cada vez a obediência foi interposta, para que ainda permanecesse na Terra.

Oh, como chegavam mal a seu coração aquelas obras, santas, sim, mas descuidadamente feitas, aquelas orações vazias de espírito interior. Aquela piedade fingida, aparente, parecia que mais bem insultavam a Jesus em vez de lhe darem honra.
Ah! Sim, aquele coração santo, puro, reto, não podia receber essas obras tão mal feitas. Oh! Quantas vezes se lamentava dizendo: “Filha, também há gente que se diz devota, olha quantas ofensas me fazem, mesmo nos lugares mais santos, ao receber inclusive os Sacramentos, em vez de saírem purificados, saem mais enlameados”.

Ah! Sim, quanta pena dava a Jesus ver pessoas que comungavam sacrilegamente, sacerdotes que celebravam o Santo Sacrifício da missa em pecado mortal, por costume, e alguns, dá horror dizer, por fins de interesse.

Oh! Quantas vezes meu Jesus me fez ver estas cenas tão dolorosas. Quantas vezes, enquanto o sacerdote celebrava o Sacrossanto Mistério, Jesus era obrigado a descer – porque pelo poder sacerdotal era chamado às mãos do sacerdote – e se viam aquelas mãos que gotejavam podridão, sangue, ou então estavam manchadas de lama. Ah! Como dava compaixão o estado de Jesus, tão santo, tão puro, naquelas mãos que davam horror só de olhá-las, parecia que Jesus queria fugir mas era obrigado a permanecer naquelas mãos, até que se consumissem as espécies do pão e do vinho. Às vezes, enquanto permanecia ali, com o sacerdote, ao mesmo tempo vinha-se apressadamente a mim e lamentava-se, e antes que eu o dissesse, Ele mesmo me dizia: “Filha, deixa-me derramar em ti, porque não posso mais, tem compaixão do meu estado que é demasiado doloroso, tem paciência,  soframos juntos”.

E enquanto dizia isto vertia da sua boca na minha, mas quem pode dizer o que derramava? Parecia um veneno amargo, uma podridão hedionda, misturada com um alimento tão duro, repugnante e nauseante, que às vezes eu não podia engolir, quem pode dizer os sofrimentos que me produzia este derramar de Jesus? Se Ele mesmo não me tivesse sustentado, certamente teria morrido vítima47 disso. Todavia, só derramava em mim a mínima parte, o que será de Jesus que contém tanto e tanto? Oh, como é bruto o pecado! “Ah! Senhor, faz conhecer a todos, a fim de que todos fujam deste monstro tão horrível”.

 36 – Participação que Jesus Cristo dá a Luísa em Sua inefável doçura, testemunhando cenas muito consoladoras dos santos Mistérios da Religião. 

Mas enquanto via estas cenas tão dolorosas, outras vezes fazia-me ver também cenas tão consoladoras e belas, que me raptavam: e estas eram ver os bons e santos sacerdotes que celebravam os Sacrossantos Mistérios. Oh, Deus, como é alto, grande, sublime seu ministério! Como era bonito ver o sacerdote que celebrava a missa e Jesus transformado nele, parecia que não o sacerdote, mas que o próprio Jesus celebrava o Divino Sacrifício, e às vezes fazia desaparecer completamente o sacerdote e só Jesus celebrava a missa e eu a escutava. Oh, como era comovedor ver Jesus recitar aquelas orações, fazer toda aquela cerimônia e movimentos que faz o sacerdote!

NOTA
47 Isto é, não conseguia engolir. 

Quem pode dizer o quão consolador para mim, ver estas Missas junto com Jesus? Quantas graças recebia, quantas luzes,  quantas coisas compreendia! Mas como são coisas passadas e não as recordo claramente, por isso o passo em silêncio.

Mas enquanto dizia isto, Jesus moveu-se dentro de mim, chamou-me, e não quer que deixe isto em silêncio… Ah, Senhor, quanta paciência é necessária Contigo!, pois bem, te contentarei. Oh!
Doce amor, direi alguma pequena coisa, mas dá-me tua graça para poder manifestá-lo, porque por mim não me atreveria a pôr sequer uma palavra sobre mistérios tão profundos e sublimes.

 37 – A Santa Missa e seus efeitos; em particular, a ressurreição dos mortos com seus corpos. 

Agora, enquanto via Jesus ou o sacerdote que celebrava o Divino Sacrifício, Jesus me fazia entender que na missa está todo o fundamento da nossa sacrossanta religião. Ah! Sim, a missa nos diz tudo e nos fala de tudo. A Missa recorda-nos a nossa Redenção, fala-nos detalhadamente das penas que Jesus sofreu por nós, manifesta-nos também o seu Amor imenso que não ficou contente por morrer na cruz, mas quis continuar o estado de vítima na Santíssima Eucaristia. A missa também nos diz que nossos corpos desfeitos, reduzidos a cinzas pela morte, ressurgirão no dia do Juízo junto com Cristo à vida imortal e gloriosa. Jesus me fazia compreender que a coisa mais consoladora para um cristão e os mistérios mais altos e sublimes de nossa santa religião são: Jesus no Sacramento e a ressurreição de nossos corpos à glória.

São mistérios profundos que só os compreenderemos além das estrelas. Mas Jesus no Sacramento faz-nos quase tocar com a mão de vários modos. Em primeiro lugar a sua Ressurreição, em segundo o seu estado de aniquilamento sob aquelas espécies, mas também é verdade que Ele está nelas vivo e verdadeiro; porém, consumidas essas espécies, sua presença real não existe mais; depois, consagradas as espécies de novo, Jesus adquire novamente seu estado Sacramental.

Assim, Jesus no Sacramento nos recorda a ressurreição de nossos corpos à glória, e assim como Jesus, cessando seu estado Sacramental reside no seio de Deus, seu Pai, assim nós, cessando nossa vida, nossas almas farão sua morada no Céu, no seio de Deus, e nossos corpos ficarão consumidos, dessa forma se pode dizer que não existem mais, mas depois, por um prodígio da Onipotência de Deus, nossos corpos adquirirão nova vida, e unindo-se à alma irão juntos gozar a bem-aventurança eterna. Pode-se dar coisa mais consoladora para o coração humano, que não só a alma, mas também o corpo deve deleitar-se em contentamentos eternos. A mim me parece que naquele grande dia acontecerá como quando o céu está estrelado e sai o sol, o que acontece? O sol, com sua imensa luz absorve as estrelas e as faz desaparecer, mas as estrelas existem.

O sol é Deus e todas as almas bem-aventuradas são estrelas, Deus com a sua imensa luz nos absorverá a todos em Si, de modo que existiremos em Deus e nadaremos no mar imenso de Deus. Oh, quantas coisas Jesus nos diz no Sacramento! Mas quem pode dizê-las todas? Certamente me estenderia demasiado, se o Senhor o permitir reservarei para outra ocasião dizer alguma outra coisa.

38 – Preparativos finais para o Matrimônio Místico. 

Agora, nestas saídas do corpo que o Senhor me atraía a fazer, às vezes renovava-me a promessa do noivado já dito. Quem pode dizer os ardentes desejos que o Senhor infundia em mim de que se efetuasse este místico matrimônio?

Muitas vezes lhe rogava dizendo: “Esposo dulcíssimo, apressa-te, não prolongues mais minha íntima união Contigo. Ah, estreitemo-nos com vínculos mais fortes de amor, de modo que ninguém nos possa separar nem por poucos instantes”.
E Jesus ora me corrigia de uma coisa, ora de outra. Recordo que um dia me disse: “Tudo o que é terreno, tudo, deves remover, não só do teu coração mas também do teu corpo, tu não podes entender quão nocivo é e que impedimentos são ao meu Amor mesmo as mínimas sombras terrenas”. Eu imediatamente lhe disse:

“Se tiver alguma outra coisa para tolher, dize-me, porque estou disposta a fazê-lo”. Mas enquanto dizia isto, eu mesma percebi que tinha um anel de ouro no dedo que representava a imagem do Crucificado, e imediatamente lhe disse: “Esposo Santo, Queres que o tire?” E Ele me disse: “Te devo dar Eu, um anel mais precioso, mais belo, e no qual estará impressa minha imagem, tanto que cada vez que o vires novas flechas de amor receberá teu coração, portanto este anel não é necessário”.

E eu prontamente o tirei. Finalmente chegou o suspirado dia, depois de não pouco sofrer. Recordo que faltava pouco para completar o ano de estar continuamente na cama, era dia da Pureza de Maria Santíssima. Na noite anterior àquele dia, o meu amado Jesus fez-se ver em atitude festiva, aproximou-se de mim e tomou o meu coração em suas mãos e olhou para ele, olhou novamente, limpou-o e depois devolveu-me. Depois tomou uma vestido de imensa beleza (me parecia que a parte interna) era como filetes de ouro de várias cores e me vestiu com ele, depois tomou duas gemas como se fossem brincos e os pôs em minhas orelhas; em seguida me adornou o pescoço e os braços e me cingiu a testa com uma coroa de imenso valor, adornada de gemas e pedras preciosas, toda resplandecente de luz, e me parecia que essas luzes eram tantas vozes que ressoavam entre elas e a claras  notas falavam da beleza, do poder, da força e de todas as outras virtudes de meu esposo Jesus.

Quem pode dizer o que eu entendi e em que mar de consolo nadava minha alma? É impossível poder dizê-lo. Agora, enquanto Jesus me cingiu a testa me disse: “Esposa dulcíssima, esta coroa te ponho a fim de que nada falte para te fazer digna de ser minha esposa, use depois da realização do nosso matrimônio e a levarei ao Céu para reservá-la para o momento da tua morte”.

Finalmente tomou um véu e com ele cobriu-me toda, desde a cabeça até os pés e assim deixou-me. Ah! Parecia-me que nesse véu havia um grande significado, porque os demônios ao me ver coberta com ele ficavam tão espantados e sentiam tal medo de mim, que fugiam aterrorizados. Os próprios anjos estavam ao meu redor com tal veneração que eu mesma ficava confusa e toda cheia de vergonha.

39 – O Matrimônio Místico.

Na manhã desse dia, Jesus fez-se ver de novo todo afável, doce e majestoso, juntamente com a sua Mãe Santíssima e Santa Catarina. Primeiro os anjos cantaram um hino, Santa Catarina me assistia, a Mãe tomou minha mão e Jesus pôs em meu dedo o anel, depois nos abraçamos e Ele me beijou, e assim fez também a Mãe. Depois tivemos um colóquio todo de amor, Jesus falava-me do grande amor que me tinha, e eu dizia-lhe também do amor com que O amava.

A Santíssima Virgem fez-me compreender a grande Graça que eu tinha recebido e a correspondência que devia dar ao Amor de Jesus. Meu esposo Jesus me deu novas regras para viver mais perfeitamente, mas como passou muito tempo não as recordo muito bem, por isso não as digo, e assim terminou aquele dia.

Quem pode dizer as finezas de amor que Jesus fazia à minha alma? Eram tais e tantas, que é impossível descrevê-las, mas o pouco que recordo tratarei de dizê-lo.

40 – Impressões de Luísa depois de ter contemplado a glória dos Anjos e Santos no Céu.

Às vezes, transportando-me com Ele, levava-me ao Paraíso, e ali escutava os cânticos dos bem-aventurados, via a Divindade, os diversos coros dos Anjos, as ordens dos Santos, todos imersos, absorvidos e identificados na Divindade de Deus. Parecia-me que em torno do trono havia muitas luzes, como se fossem mais que sóis resplandecentes e a claras notas estas luzes denotavam todas as virtudes e atributos de Deus.

Os Bem-Aventurados, refletidos em uma destas luzes, ficavam arrebatados, mas não chegavam a penetrar toda a imensidão daquela luz, de modo que passavam a uma segunda luz sem compreender a fundo a primeira. Assim, os bem-aventurados no Céu não podem compreender perfeitamente a Deus, porque é tanta a Imensidão, a Grandeza, a Santidade de Deus, que mente criada não pode compreender um Ser incriado. Agora, os bem-aventurados, refletidos nestas luzes, parecia-me que vinham participar nas virtudes destas luzes; dessa forma, a alma no Céu se assemelha a Deus, com esta diferença: que Deus é aquele Sol grandíssimo, e a alma é um pequeno sol.

Mas quem pode dizer tudo o que nessa beata morada se compreende? Enquanto a alma se encontra nesta prisão do corpo é impossível, enquanto na mente se escuta algo, os lábios não encontram palavras para poder explicar-se, me parece como uma criança que começa a balbuciar, que gostaria de  dizer tantas e tantas coisas, mas afinal, parece que ela não sabe dizer uma palavra clara, por isso, vou direto ao assunto. Só direi que às vezes, enquanto me encontrava naquela bem-aventurada pátria, passeava junto com Jesus no meio dos coros dos anjos e dos santos, e como eu era a nova esposa, todos os bem-aventurados se uniam conosco para participar das alegrias de nosso matrimônio, me parecia que esqueciam seus contentamentos para cuidar dos nossos, e Jesus me mostrava aos santos dizendo: “Vejam esta alma, é um triunfo do meu Amor, meu Amor tudo superou nela”.

Outras vezes me fazia ficar no lugar que me tocava e me dizia: “Este é teu lugar, ninguém pode te tirar”. E às vezes eu chegava a acreditar que não devia voltar mais à Terra, mas em um simples instante me encontrava fechada no muro deste corpo.

41 – Dor e amargura insuportável de Luísa de ter que viver ainda na prisão de seu corpo, exilada de sua terra natal. 

Quem pode dizer o quão amargo foi este retorno? A mim me parecia, pelas coisas do Céu, que as desta Terra tudo era podridão, insípido e fastidioso; as coisas que tanto deleitam aos demais, para mim eram amargas, as pessoas mais amadas, mais respeitáveis – que os demais para entreter-se com elas, quem sabe o que teriam feito – a mim me resultavam indiferentes e até fastidiosas.

Só vendo-as como imagens de Deus me parecia que podia suportá-las, mas minha alma tinha perdido toda satisfação, nada lhe dava a menor sombra de contentamento, e era tanta a pena que eu sentia que não fazia mais do que chorar e lamentar-me com meu amado Jesus. Ah! Meu coração vivia inquieto, entre contínuas ânsias e desejos, me sentia mais no Céu que na terra, sentia em meu interior uma coisa que me corroía continuamente, tanto, que me resultava amargo e doloroso ter que continuar vivendo.

Mas a obediência pôs um freio a estas minhas penas, mandando-me absolutamente que não desejasse morrer, e que só deveria morrer quando o confessor me determinasse por obediência. Então, para cumprir esta santa obediência, fazia tudo quanto podia para não pensar nisso, porque no meu interior havia uma contínua jaculatória que era o desejo de querer partir. Assim, em grande parte meu coração se acalmou, mas não de todo. Confesso a verdade, muito faltou nisto, mas o que podia fazer? Não sabia deter-me, para mim era um verdadeiro martírio.

Meu benigno Jesus me dizia: “Acalma-te, qual é a coisa que tanto te faz desejar o Céu?” E eu lhe dizia: “Porque quero estar sempre unida Contigo, minha alma não resiste mais estar separada de Ti, nem por um só dia, nem sequer por um momento, por isso a qualquer custo quero ir”. “Pois bem”. Dizia-me. “Se é por Mim te quero contentar, virei a estar contigo”.
Eu lhe dizia: “Mas logo me deixas e eu te perco de vista, em troca no Céu não é assim, lá jamais te perderei de vista”.

42 – Heroísmo de Luísa, aceitando voltar ao seu corpo na Terra e deixando o Céu muitas vezes. 

Às vezes também Jesus queria brincar, e eis como: enquanto estava com estas ânsias, vinha apressado e me dizia: “Queres vir?” E eu lhe dizia: “Onde?” Respondia: “Ao Céu”. Replicava:
“Dizes-me de verdade?” A resposta: “Apressa-te, vem, apressa-te”. E eu: “Está bem, vamos, mas temo que queiras brincar comigo”.
E Jesus: “Não, não, de verdade quero levar-te Comigo”.  E enquanto assim dizia sentia minha alma sair do corpo, e junto com Jesus tomava voo ao Céu. Oh! Como me sentia contente então acreditando que devia deixar a terra, a vida me parecia um sonho, um pouquíssimo sofrer. Enquanto chegávamos a um ponto alto do Céu, e eu ouvia o canto dos bem-aventurados, eu apressava Jesus a me introduzir nessa bem-aventurada morada, mas Jesus o tomava com calma.
Em meu interior começava a suspeitar que não era verdade e dizia: “Quem sabe se não é uma brincadeira que me fez?” De vez em quando lhe dizia: “Meu Jesus, amado, fá-lo depressa”. E Ele me dizia: “Espera um pouco mais; desçamos outra vez à terra, olha, aí está por perder-se um pecador, vamos, talvez se converta. Peçamos juntos ao Eterno Pai que tenha misericórdia dele. Não queres que ele seja salvo?

Não estás disposta a sofrer qualquer pena pela salvação de uma só alma?” E eu: “Sim, tudo o que quiseres que eu sofra, estou disposta, desde que a alma salves”. Assim íamos a esse pecador, tentávamos convencê-lo, púnhamos ante sua mente as mais fortes razões para rendê-lo, mas em vão. Então Jesus, todo aflito, me dizia: “Minha esposa, volta outra vez a teu corpo, toma sobre ti as penas que lhe são merecidas, assim a Divina Justiça, aplacada, poderá usar com ele misericórdia. Viste, as palavras não o abalaram, nem sequer as razões, não lhe resta outra coisa que as penas, que são os meios mais poderosos para satisfazer a Justiça e para render o pecador”. Assim me levava de volta ao corpo. Quem pode dizer os sofrimentos que me vinham? Só o Senhor o sabe, porque deles era testemunha. Depois de alguns dias me fazia ver aquela alma convertida e salva, oh, como estava contente Jesus e eu também!

Quem pode dizer quantas vezes Jesus fez estes jogos? Quando se chegava ao ponto de entrar no Céu, e às vezes mesmo depois de ter entrado, então dizia que não tinha a obediência do confessor, e por isso era conveniente voltar à Terra, e eu lhe dizia: “Enquanto estive com o confessor fui obrigada a obedecer-lhe, mas agora que estou Contigo, devo obedecer-te a Ti, porque Tu és o primeiro de todos”.

E Jesus dizia-me: “Não, não, quero que obedeças ao confessor”. Então, para não me alongar muito, ora por um pretexto, ora por outro, fazia-me voltar à Terra. Muito dolorosos me resultavam estes jogos, basta dizer que me tornei tão impertinente, que o Senhor para castigar minhas impertinências não permitia tão frequentemente estas brincadeiras.

 43 – Jesus Cristo prepara Luísa para renovar o Matrimônio Místico, no Céu, sancionado pelas SS. Trindade. Por isso Ele lhe fala das três virtudes teologais: a Fé. 

Neste estado que mencionei, passei cerca de três anos, e ainda estava na cama. Quando uma manhã Jesus me fez entender que queria renovar o matrimônio mas não já na Terra como da primeira vez, mas no Céu diante da presença de toda a corte Celestial, assim que estivesse preparada para uma Graça tão grande. Eu fiz tanto quanto pude para dispor-me, mas que, sendo eu tão miserável e insuficiente para fazer qualquer sombra de bem, se necessitava a mão do Artífice Divino para dispor-me, porque por mim jamais teria conseguido purificar minha alma.
Uma manhã, era a véspera da natividade de Maria Santíssima48, meu sempre benigno Jesus veio Ele mesmo para me dispor. Não fazia mais que ir e vir continuamente, uma hora me falava da fé e me deixava, e eu sentia infundir uma vida de fé na minha alma. Minha alma, rude como a sentia antes, depois do falar de Jesus a sentia levíssima, de modo a penetrar em Deus; e ora olhava a Potência, ora a Santidade, ora a Bondade e seus demais atributos, e minha alma ficava estupefata, num mar de espanto e dizia: “Poderoso Deus, que poder diante de Ti não fica desfeito?

Santidade imensa de Deus, que outra santidade por quão sublime seja, ousará comparecer perante Tua presença?” Depois sentia-me voltar a mim mesma e via o meu nada, a insignificância das coisas terrenas, e como são nada diante de Deus. Eu me via como um pequeno verme todo cheio de pó que me arrastava para dar algum passo e que para me destruir não era preciso senão que alguém me pusesse o pé em cima, e com isso ficava desfeita.

Então, vendo-me tão feia, quase não me atrevia a ir perante Deus, mas Sua Bondade se apresentava diante da minha mente, e me sentia atraída como por um ímã para ir até Ele e dizia entre mim: “Se é Santo, também é Misericordioso; se é Poderoso, contém também em Si plena e suma Bondade49”.

Parecia-me que a bondade o circundava por fora, e o inundava por dentro. Quando olhava a Bondade de Deus me  parecia que ultrapassava a todos os outros atributos, mas depois, olhando para os outros, via-os todos iguais em si mesmos, imensos, incomensuráveis e incompreensíveis à natureza humana
NOTA
48 Era o dia 7 de setembro de 1889. Luísa tinha 24 anos. 49 Luísa, muitas vezes, volta a esses dois sentimentos da alma diante de Deus, tão distantes e tão próximos: o santo temor (reverência) e a confiança do amor, o sentido da infinita Majestade de Deus (porque é Senhor) e a confiança filial (porque ele é Pai), sua Justiça ou Perfeição e sua Misericórdia. Ambos os sentimentos caracterizam o espírito de servo e o espírito filial. Observe onde Luísa começa e onde Jesus a conduz.   

44 – Continuação das três virtudes teologais: a Esperança.
Enquanto minha alma estava neste estado, Jesus voltava e falava da Esperança. Recordo algo confusamente, porque depois de tanto tempo é impossível recordar claramente, mas para cumprir a obediência que assim quer, direi por quanto possa.
Então disse Jesus, referindo-se à fé: “Para obtê-la é preciso crer. Assim como o crânio sem o funcionamento dos olhos, ou sem a visão tudo é trevas, tudo é confusão — tanto que se quisesse caminhar, ora cairia em um ponto, ora em outro e terminaria por precipitar-se de todo – assim a alma sem fé, não faz outra coisa que ir de precipício em precipício, porque a fé serve de visão à alma e como luz que a conduz à Vida eterna”. Agora, de que é alimentada esta luz da fé? De esperança. E de que substância é feita esta luz da fé e este alimento da esperança? A caridade. Estas três virtudes estão enxertadas entre elas, de modo que uma não pode estar sem a outra. Com efeito, de que serve ao homem crer nas imensas riquezas da fé, se não as espera para ele? As verá, sim, mas com olhar indiferente porque sabe que não são suas, mas a esperança fornece asas à luz da fé, e esperando nos méritos de Jesus Cristo olha-as como suas e vem a amá-las.
A Esperança — dizia Jesus — fornece à alma uma veste de força, quase de ferro, de modo que todos os inimigos com 99  suas flechas não podem feri-la, e não só feri-la, senão que nem sequer lhe causam o mínimo incômodo. Tudo é tranquilidade nela, tudo é paz. Oh, é bom ver esta alma investida pela Esperança, toda apoiada no seu Amado, toda desconfiada de si, e toda confiante em Deus. Desafia os inimigos mais ferozes, é rainha das suas paixões, regula todo o seu interior, as suas inclinações, os desejos, os batimentos, os pensamentos, com tal maestria, que o próprio Jesus fica apaixonado porque vê que esta alma trabalha com tal coragem e fortaleza; mas ela se inspira e espera tudo d’Ele, tanto que Jesus vendo esta firme esperança, nada sabe negar a esta alma.
Agora, enquanto Jesus falava da esperança, retirava-se um pouco, deixando-me uma luz na inteligência. Quem pode dizer o que entendia sobre esperança? Se as outras virtudes, todas servem para embelezar a alma, mas podem nos fazer vacilar e nos tornar inconstantes; de outro modo a Esperança torna a alma firme e estável, como aqueles montes altos que não podem se mover nem um pouco. Parece-me que a alma investida pela Esperança lhe sucede como a certos montes altíssimos, que todas as inclemências do ar não lhes podem fazer nenhum dano; sobre estes montes não penetra nem neve, nem ventos, nem calor. Qualquer coisa se poderia pôr sobre eles, e se pode estar seguro que, ainda que passassem centenas de anos, onde quer que ele fora colocado, ainda está lá. Assim, é a alma vestida pela Esperança; nada a pode prejudicar, nem a tribulação, nem a pobreza, nem todos os acidentes da vida, no máximo a desanimam um instante, mas diz a si mesma: “Eu tudo posso fazer, tudo posso suportar, tudo sofrer esperando em Jesus que é o objeto de todas as minhas esperanças”. A esperança torna a alma quase onipotente, invencível e lhe fornece a perseverança final; tanto que só cessa de esperar e 100  perseverar quando tomou posse do Reino do Céu, então deixa a esperança e se lança toda no oceano imenso do Amor Divino.  45 – Continuação das três virtudes teologais: a Caridade.
Enquanto a minha alma se perdia no mar imenso da esperança, o meu amado Jesus regressava e falava da caridade dizendo-me: “À fé e à esperança une-se a caridade, e esta une tudo o que há nas outras duas, de modo a formar uma só enquanto são três. Eis, ó minha Esposa, simbolizada nas três virtudes teologais a Trindade das Divinas Pessoas”.
Depois prosseguiu: “Se a Fé faz crer, a Esperança faz esperar, a Caridade faz amar. Se a Fé é luz e serve de visão à alma, a Esperança que é o alimento da Fé fornece à alma o valor, a paz, a perseverança e todo o resto; a Caridade que é a substância desta luz e deste alimento, é como aquele unguento dulcíssimo e odoroso que penetrando por toda parte, aplaca, adoça as penas da vida. A Caridade torna doce o sofrer e faz chegar à alma até mesmo o desejo pelo sofrer. A alma que possui a Caridade expande o aroma por toda parte, suas obras feitas todas por amor desprendem odor gratíssimo, e qual é este odor? É a emanação do próprio Deus. As outras virtudes tornam a alma solitária e quase grosseira com as criaturas; a Caridade, ao contrário, sendo substância que une, unifica os corações, mas onde? Em Deus.
A Caridade sendo unguento perfumado se expande por toda parte e por todos. A Caridade faz sofrer com alegria os mais impiedosos tormentos, e chega a não saber estar sem o sofrer, e quando se vê privada dele diz a seu esposo Jesus: ‘Sustenta-me com os frutos, como é o sofrimento, porque definho de amor, e de que outra maneira posso te mostrar meu amor senão no sofrer por Ti?’ A caridade queima, consome todas as outras coisas, e inclusive as virtudes, e converte tudo nela. Em  suma, é como uma rainha que quer reinar em toda parte, e que não quer ceder este reinar a ninguém”.

 46 – Última preparação para o Matrimônio: auto aniquilação e o desejo de sofrer cada vez mais. 
Quem pode dizer o que me ficou depois deste falar de Jesus?
Só digo que se acendeu em mim tal desejo de sofrer, e não só desejo, senão que sinto em mim como uma infusão, como uma coisa natural, tanto que tenho para mim como a maior desgraça o não sofrer. Depois disso, naquela manhã, Jesus, para dispor principalmente meu coração, falou sobre a aniquilação de mim mesma, também me falou inclusive do enorme desejo que tinha de me estimular para me dispor a receber a graça. Referia-me que o desejo supre as faltas e imperfeições que possam existir na alma, que é como um manto que cobre tudo. Mas isto não era um falar simplesmente, era um infundir em mim o que dizia.

 47 – A renovação do Matrimônio místico, no Céu, na presença da Santíssima Trindade. 

Enquanto minha alma estava se entusiasmando em ardentes desejos de receber a graça que o próprio Jesus queria fazer-me, Ele voltou e transportou-me para fora de mim mesma, para o Paraíso, e ali, diante da presença da Santíssima Trindade e de toda a corte celestial, renovou o matrimônio. Jesus tirou o anel adornado com três pedras preciosas, branca, vermelha e verde e o entregou ao Pai que o abençoou e o devolveu ao Filho, o Espírito Santo me tomou a mão direita e Jesus me pôs o anel no dedo anular. Depois fui admitida ao beijo da Três Divinas Pessoas e me abençoaram.

Quem pode dizer minha confusão quando me encontrei diante da Santíssima Trindade? Só digo que assim que me encontrei perante sua presença, caí com rosto por terra e ali haveria permanecido se não tivesse sido por Jesus que me animou para ir a sua presença, tanta era a luz, a Santidade de Deus. Só digo isto, as outras coisas deixo-as porque as recordo confusamente.

48 – A habitação das Pessoas Divinas na alma, em posse mútua. Então, a Divina Vontade foi presenteada a Luísa.

Depois disto, recordo que passaram poucos dias, e ao receber a Comunhão, perdi os sentidos e vi a Santíssima Trindade que tinha visto no Céu presente diante de mim; logo me prostrei ante sua presença, a adorei, confessei meu nada.
Lembro-me que me sentia tão abismada em mim mesma que não me atrevia a dizer uma só palavra, quando uma voz saiu do meio deles e disse: “Não temas, tem coragem50, viemos para te confirmar como nossa e tomar posse do teu coração51”.
Enquanto esta voz assim dizia, vi que a Santíssima Trindade desceu em meu coração e se apoderou dele e aí formou sua sede. Quem pode dizer a mudança que aconteceu em mim?
Sentia-me divinizada, não mais vivia eu mas Ela vivia em mim.

NOTA
50 Variante textual: tenha ânimo.

51 Jesus explica a Luísa três décadas depois: “Tua Família é a Trindade. Não te lembras, nos primeiros anos, acamada, que te levei para o Céu e diante da Santíssima Trindade fizemos a nossa união? E Ele te dotou com tais dons, que muitas vezes tu ainda não os conhece; e enquanto vos falo da minha Vontade, dos efeitos e do valor, faço-vos descobrir os dons de que fostes dotada desde então” (Vol. XIII, 5.12.1921).

A mim me parecia que meu corpo fosse como uma habitação, e que dentro habitasse o Deus vivente, porque eu sentia a  presença real sensivelmente em meu interior, ouvia sua voz clara que saía de dentro de meu interior e ressoava nos ouvidos do corpo. Acontecia precisamente como quando há pessoas dentro de uma sala, que falam e suas vozes se ouvem claras e distintas mesmo de fora.

Desde então não tive mais a necessidade de ir a outros lugares para buscar encontrá-lo, mas dentro do meu coração eu o encontrava. E quando algumas vezes se escondia e eu ia em busca de Jesus girando pelo Céu e pela Terra, buscando a meu sumo e único Bem, enquanto me encontrava na fogueira das lágrimas, na intensidade dos desejos, nas penas inenarráveis por havê-lo perdido, Jesus saía de dentro de mim e me dizia:
“Estou aqui contigo, não me procures em outro lugar”.
Eu, entre o espanto e o contentamento de tê-lo encontrado, dizia-lhe: “Meu Jesus, como me fizeste girar e girar toda esta manhã para te encontrar e estavas aqui? Podias ter-me dito, para não me ter esforçado tanto meu doce Bem, minha amada Vida, vê como estou cansada, não tenho mais forças, sinto-me desfalecer, ah, sustêm-me entre teus braços pois me sinto morrer”. E Jesus me tomava em seus braços e me fazia repousar, e enquanto repousava me sentia restituir as forças perdidas.

Outras vezes – neste ocultamento que Jesus fazia e eu que ia em sua busca — se fazia sentir dentro de mim e depois não só saía Jesus, mas as Três Divinas Pessoas e as encontrava então em forma de três crianças graciosas e sumamente belas, sendo um só corpo e três cabeças diferentes, mas de uma mesma semelhança, as três igualmente atraentes. Quem pode dizer meu contentamento?

Especialmente quando via os Três meninos e que eu os continha aos Três entre meus braços, agora beijava a um, agora ao outro, e Eles me beijavam a mim, agora um se apoiava em um ombro meu e outro no outro e um me ficava de frente, e enquanto me 104  deleitava neles, com grande assombro fazia por olhar, e de Três encontrava a um só. Outra coisa que me maravilhava quando me encontrava com estas três crianças era que uma pesava o mesmo que as três juntas; tanto amor sentia eu por uma destas crianças como pelas Três, e as Três me atraíam do mesmo modo. Para terminar a minha intervenção sobre estes discursos, tive de deixar passar algumas coisas para seguir o fio da meada52, mas agora estou pronta para dizê-las.

49 – Terceiro Matrimônio: o Matrimônio da Cruz.
Regressando ao princípio, quando Jesus se dignava vir, frequentemente me falava de sua Paixão e punha atenção a dispor minha alma à imitação de sua Vida e de suas penas, dizendo-me que além do Matrimônio já descrito ficava outro por fazer, e este era o desponsório da cruz. Lembro-me de me dizer: “Minha Esposa, as virtudes tornam-se fracas se não forem corroboradas, fortificadas pelo enxerto da Cruz”. Recordo que dizia:

“Antes de minha vinda à terra, as penas, as confusões, os opróbrios, as calúnias, as dores, a pobreza, as enfermidades, especialmente a cruz, eram consideradas como opróbrios, mas desde que foram carregadas por Mim, todos ficaram santificados e divinizados por meu contato, de forma que todos eles mudaram de aparência e se tornaram doces, agradáveis, e a alma que tem o bem de ter algum deles fica honrada, e isto porque recebeu a insígnia de Mim, Filho de Deus. E só experimenta o contrário quem só vê e se detém na casca da cruz, e encontrando o amargo se desgosta, se lamenta e parece que lhe chegou uma desgraça, mas quem arroja-se dentro, encontrando o seu sabor, aí forma sua felicidade.

 

NOTA
52 Quer dizer, “eu acompanhei a continuidade do discurso”. 

Minha filha amada, não desejo outra coisa que crucificar-te na alma e no corpo”. E enquanto dizia isto sentia-me infundir tais desejos de ser crucificada com Jesus Cristo, que frequentemente ia repetindo:
“Meu Jesus, meu Amor, faze-o logo, crucifica-me Contigo”. E quando Jesus regressava, as primeiras petições que lhe fazia e que me pareciam mais importantes eram estas: a dor dos meus pecados e a graça de que me crucificasse com Ele. Parecia-me que se obtivesse isto teria obtido tudo. Então, uma manhã, o meu amantíssimo Jesus apareceu diante de mim crucificado e disse-me que queria crucificar-me com Ele, e, enquanto dizia isto, vi que de suas Santíssimas Chagas saíram raios de luz, e dentro destes os pregos que vinham a mim. Enquanto estava nisto, não sei porquê, desejava tanto que me crucificasse, tanto que me sentia consumir; fui surpreendida por um grande temor que me fazia tremer da cabeça aos pés, sentia tal aniquilamento de mim mesma, me via tão indigna de receber esta graça, que não me atrevia a dizer:

“Senhor, crucifica-me Contigo”. Parecia que Jesus estava em suspenso esperando o meu querer. Quem pode dizer como no íntimo de minha alma o desejava ardentemente, mas, ao mesmo tempo me via indigna? Minha natureza se assustava e tremia. Enquanto eu estava nisto, meu amado Jesus intelectualmente me pedia que aceitasse, então com todo o coração eu lhe disse: “Esposo Santo, crucificado por mim, peço-te que me concedas a graça de me crucificar, e ao mesmo tempo peço-te que não faças aparecer nenhum sinal externo. Sim, dá-me a dor, dá-me as chagas, mas que tudo fique oculto entre nós”.

E assim, aqueles raios de luz, juntamente com os pregos, trespassaram-me as mãos e os pés, e o coração foi trespassado por um raio de luz juntamente com uma lança. Quem pode dizer a dor e a alegria? Quanto mais depressa fui surpreendida pelo temor, mais tarde a minha alma nadava no mar da paz, da alegria e da dor. Era tanta a dor nas mãos, nos pés e no coração, que me sentia morrer; sentia que os ossos das mãos e dos pés se partiam em pequenos pedaços, sentia como se estivesse um prego dentro, mas, ao mesmo tempo, me causava tal contentamento, que não sei explicar, e me fornecia tal força, que enquanto me sentia morrer pela dor, essas mesmas dores me sustentavam para fazer que não morresse.

Na parte externa do corpo nada aparecia, porém sentia as dores corporalmente, tanto é verdade, que quando vinha o confessor para me chamar à obediência e me soltava os braços e as mãos contraídas, cada vez que me tocava nesse ponto das mãos, onde tinha trespassado o raio de luz junto com o prego, sentia penas mortais. No entanto, quando o confessor ordenava por obediência que cessassem essas dores, muitas se mitigavam, porque essas dores eram tão fortes que me faziam perder os sentidos, e se não se tivessem atenuado ante a obediência, dificilmente me teria prestado a obedecer.

Oh! Prodígio da santa obediência, o Senhor foi tudo para mim! Quantas vezes me encontrei em contraste com a morte, tanta era a força das dores, e a obediência me restituiu a vida.
Seja sempre bendito o Senhor, seja tudo para sua glória!
Agora, enquanto me sentia em mim mesma, nada via, mas quando perdia os sentidos via as partes marcadas pelas chagas de Jesus, parecia-me que as chagas do próprio Jesus se tinham transferido para as minhas mãos. Esta foi a primeira vez que Jesus me crucificou, porque destas crucifixões tinha havido tantas, que é impossível enumerá-las todas; direi somente as coisas principais relacionadas com isto.

  50 – Jesus dá a Luísa a verdadeira dor dos pecados. 

Agora, voltando Jesus, eu dizia-lhe: “Amado, meu Jesus, dá-me a dor dos meus pecados, assim, os meus pecados consumidos pela dor, pelo arrependimento de ter-te ofendido, podem ser apagados da minha alma e também da tua memória, sim, dá-me tanta dor por quanto ousei ofender-te. Mais bem faças que a dor supere isto, assim poderei estreitar-me mais intimamente a Ti”. Lembro-me que uma vez, enquanto estava dizendo isso, meu sempre benigno Jesus me disse: “Já que te causa tanto desgosto ter me ofendido, Eu mesmo quero te dispor a sentir a dor de teus pecados, e assim vejas como o pecado é feio, e que dor acerba meu coração sofreu. Por isso, dize junto Comigo: se passo o mar, no mar tu estás, embora não te veja;
piso a terra e estás debaixo dos meus pés, pequei”. Logo, Jesus, em voz baixa, acrescentou quase chorando: “No entanto te amei, e ao mesmo tempo te conservei”. Enquanto Jesus dizia isto, eu o repetia junto com Ele; fui surpreendida por tal dor pelas ofensas feitas que caí com o rosto por terra e Jesus desapareceu. Poucas foram as palavras, mas eu entendi tantas coisas que é impossível dizer tudo o que compreendi. Nas primeiras palavras compreendi a imensidão, a grandeza, a presença de Deus em cada coisa presente, sem que pudesse escapar d’Ele nem sequer a sombra do nosso pensamento, compreendi também o meu nada em comparação com uma Majestade tão grande e santa. Na palavra “pequei”, compreendia a fealdade do pecado, a maldade, a ousadia que eu tinha tido ao ofendê-lo.

Agora, enquanto minha alma estava considerando isso, ao ouvir Jesus Cristo dizer: “E, ainda assim, amei-te e ao mesmo tempo te conservei”. Meu coração foi tomado por tal dor que me sentia morrer, porque compreendia o amor imenso que o Senhor me tinha no ato mesmo em que eu procurava ofendê-lo, e mesmo matá-lo. Ah, Senhor, como tens sido bom para mim, e eu sempre ingrata e tão ruim ainda!

 51 – Luísa obteve com seu sofrimento que um homem assassinado não apenas não fosse condenado, mas ainda recobrasse a vida.  Lembro que cada vez que vinha era um alternar-se, ora pedia-lhe a dor dos meus pecados, e ora a crucificação, e também outras coisas.

Como uma manhã enquanto me encontrava em meus costumeiros sofrimentos, meu amado Jesus me transportou para fora de mim mesma e me fez ver um homem que era assassinado a tiros, e que assim que expirasse, iria para o inferno.
Oh, quanta pena dava a Jesus a perda daquela alma! Se todo o mundo soubesse o quanto Jesus sofre pela perda das almas, não digo por elas, mas, pelo menos, para poupar essa pena a nosso Senhor, usariam todos os meios possíveis para não se perder eternamente.

Agora, enquanto junto com Jesus me encontrava no meio das balas, Jesus aproximou seus lábios do meu ouvido e me disse: “Minha filha, queres tu oferecer-te vítima pela salvação desta alma e tomar sobre ti as penas que merece por seus grandíssimos pecados?” Eu respondi: “Senhor, estou disposta, mas com o pacto de que o salves e lhe restituas a vida”. Quem pode dizer os sofrimentos que me chegaram? Foram tais e tantos que eu mesma não sei como fiquei com vida.

Agora, enquanto me encontrava neste estado de sofrimentos há mais de uma hora, veio meu confessor para me chamar à obediência, e encontrando-me em muito sofrimento, com dificuldade pude obedecer, por isso me perguntou a razão de  tal estado, eu disse-lhe o fato assim como o descrevi acima, dizendo-lhe o ponto da cidade onde me pareceu que tinha acontecido.

O confessor me disse que era certo o fato e que o davam por morto, mas depois se soube que estava gravíssimo e que pouco a pouco se restabeleceu e vive ainda. Seja sempre bendito o Senhor!

52 – Preciosidade da Cruz. Jesus renova várias vezes a crucificação de Luísa. 

Lembro-me que, seguindo o meu pedido de crucificação e transportando-me para fora de mim mesma, Jesus levou-me aos lugares santos de Jerusalém, onde Nosso Senhor padeceu a sua dolorosa Paixão, e ali encontramos muitas cruzes e o meu amado Jesus disse-me: “Se tu soubesses que bem a cruz contém em si, como torna preciosa a alma, que joia de inestimável valor adquire quem tem o bem de possuir os sofrimentos, basta dizer-te somente que vindo à Terra não escolhi as riquezas, os prazeres, mas tive, como amadas e íntimas irmãs, a cruz, a pobreza, os sofrimentos e as ignomínias”.

Enquanto assim dizia, mostrava um gosto tal, uma alegria pelo sofrimento, que essas palavras me trespassavam o coração como tantos dardos ardentes, tanto que me sentia faltar a vida se o Senhor não me concedia o sofrer, e com toda a força e a voz que tinha não fazia outra coisa que lhe dizer: “Esposo Santo, dá-me o sofrer, dá-me as cruzes, só com isto saberei que me amas, se me contentares com as cruzes e com os sofrimentos”. E então tomava uma daquelas cruzes maiores que via, punha-me sobre ela e rogava a Jesus que viesse crucificar-me, e Ele se comprazia em tomar minha mão e começava a traspassá-110  la com o prego, de vez em quando o bendito Jesus me perguntava: “O que, isso te dói muito? Queres que Eu pare?” E eu: “Não, não, meu amado, continue, dói, sim, mas estou contente”. E temia tanto que não acabasse de me crucificar, que não fazia outra coisa senão dizer-lhe: “Faze-o depressa, ó Jesus, faze-o depressa, não demores tanto”. Mas quando tinha que cravar a outra mão, os braços da cruz se encontravam curtos, enquanto antes me haviam parecido suficientes para poder crucificar-me. Quem pode dizer como ficava mortificada? Isto repetia-se em muitas ocasiões, e às vezes se os braços da cruz eram adequados, o comprimento da haste não alcançava para poder estender os pés, em uma palavra, faltava sempre alguma coisa para não se poder cumprir de todo a crucificação.

Quem pode dizer a amargura da minha alma e os lamentos que fazia com Nosso Senhor porque não me concedia o verdadeiro sofrimento? Dizia-lhe: “Meu amado, tudo termina em burla; dizia-me que querias levar-me ao Céu, e logo de novo me fazias voltar à terra, dizia-me que querias crucificar-me, e jamais chegamos à completa crucificação”. E Jesus novamente me prometeu que me crucificaria.

53 – Os méritos da Cruz. No lugar da Cruz que tinha até agora, Luísa recebe outra muito maior. 

Uma manhã, 14 de setembro de 1899, era o dia da Exaltação à Santa Cruz, o meu doce Jesus transportou-me aos lugares santos, mas antes disse-me tantas coisas da virtude da Cruz, (não me lembro de tudo, apenas alguma coisa): “Amada minha, queres ser bela?

A Cruz te dará os traços mais belos que se podem encontrar tanto no Céu como na terra, tanto de apaixonar a Deus que contém em Si todas as belezas”.  E continuava Jesus: “Queres tu estar cheia de imensas riquezas, não por breve tempo, mas por toda a eternidade?

Pois bem, a Cruz te fornecerá todas as espécies de riquezas, desde os mínimos centavos, como são as pequenas cruzes, até as maiores somas, que são as cruzes mais pesadas; porém os homens que são tão ávidos por ganhar um centavo temporal, que logo deverão deixar, não se preocupam em adquirir um centavo eterno, e quando Eu, tendo compaixão deles – vendo sua despreocupação por tudo o que se refere ao eterno – benignamente lhes ofereço a oportunidade, em vez de apreciá-la, se indignam e me ofendem; que loucura humana, parece que a entendem ao contrário! Minha dileta, na Cruz estão todos os triunfos, todas as vitórias e as maiores aquisições, para ti não deve haver outro alvo senão a Cruz, e esta te bastará por tudo. Hoje quero te contentar, aquela Cruz que até agora não bastava para poder te estender e crucificar-te completamente, é a cruz que tens levado até agora, portanto, devendo crucificar-te completamente, tens necessidade de que faça descer novas cruzes sobre ti, então aquela Cruz que até agora levaste a levarei ao Céu para mostrá-la a toda a corte celestial como penhor de teu amor, e outra maior farei descer do Céu para poder satisfazer meus ardentes anseios que tenho sobre ti”.

Enquanto Jesus dizia isto, apresentou-se diante de mim aquela Cruz que tinha visto outras vezes, eu tomei-a e estendi-me sobre ela; enquanto estava assim abriu-se o Céu e dele desceu o evangelista João, e trazia a Cruz que Jesus me tinha indicado; a Rainha Mãe e muitos anjos, quando chegaram junto a mim, tiraram-me de cima daquela Cruz e puseram-me sobre a que me tinham trazido, muito maior. Um anjo tomou aquela cruz de antes e levou-a para o Céu.

Depois disso, Jesus com  suas próprias mãos começou a me pregar sobre aquela Cruz, a Mamãe Rainha me assistia, os anjos e São João proporcionavam os pregos. Meu doce Jesus mostrava tal contentamento e alegria ao crucificar-me, que só por dar essa alegria a Jesus não só teria sofrido a Cruz, mas outras penas ainda. Ah, me parecia que o Céu fazia nova festa por mim ao ver o contentamento de Jesus! Muitas almas do Purgatório foram libertas, embarcando no voo para o Céu, e alguns pecadores foram convertidos, porque meu Divino Esposo a todos fez partícipes do bem de meus sofrimentos. Além disso, quem pode dizer as dores intensas que sofri ao estar bem estendida sobre a Cruz e ao serem trespassadas as mãos e os pés com os pregos? Mas especialmente nos pés era tanta a atrocidade das penas, que não podem ser descritas. Quando terminaram de me crucificar e eu me sentia nadando no mar das penas e das dores, a Mamãe Rainha disse a Jesus: “Meu filho, hoje é um dia de graça, quero que lhe participe todas as Vossas penas. Não lhe resta outra coisa que lhe atravessar o coração com a lança e lhe renovar a coroa de espinhos”. Então Jesus tomou a lança e me transpassou o coração de lado a lado, os anjos tomaram uma coroa de espinhos muito densa, deram-na na mão da Santíssima Virgem, e Ela mesma cravou-me à cabeça. Que dia memorável foi para mim! De dores, sim, mas também de contentamentos, de penas indizíveis, mas também de alegrias. Basta dizer que era tanta a força das dores, que Jesus todo esse dia não se moveu do meu lado para sustentar minha natureza que desfalecia pela intensidade das penas.

Aquelas almas do purgatório, que tinham voado para o Céu, desciam junto com os anjos e rodeavam minha cama, me recreando com seus cânticos e agradecendo afetuosamente que por meus sofrimentos as havia liberado daquelas penas.

54 – Nova participação de Luísa nas dores da Paixão de Jesus. 

E sucedeu que, tendo passado cinco ou seis dias daquelas penas tão intensas, com grande aflição minha, começaram a diminuir, e então pedi ao meu amado Jesus que me renovasse a crucificação, e Ele, às vezes cedo e às vezes não, tinha prazer em me transportar aos lugares santos e me participar as penas de sua dolorosa Paixão.

Ora a coroa de espinhos, Ora a flagelação, agora levava a cruz ao calvário e agora a crucificação. Às vezes um mistério por dia e, às vezes, tudo num dia, segundo lhe agradava, e isto era para a minha alma de grande dor e contentamento. Mas me resultava amarguíssimo quando mudava a cena, e em vez de sofrer eu, era espectadora ao ver sofrer a meu amadíssimo Jesus as penas da dolorosa Paixão. Ah, quantas vezes eu estava no meio dos judeus junto com a Mãe Rainha para ver meu amado Jesus sofrer! Ah, sim, como é verdade que é mais fácil sofrer-se a si mesmo do que ver sofrer a pessoa amada!

55 – O Juízo da Cruz. 

Outras vezes, renovando o meu doce Jesus estas crucifixões, recordo que me disse: “Amada minha, a Cruz faz distinguir os réprobos dos predestinados. Bem como no dia do juízo os bons se alegrarão ao ver a cruz, assim desde agora se pode ver se algum se salvará ou se perderá: se ao apresentar-se a Cruz a alma a abraça, com resignação a leva, com paciência a beija e agradece à mão que a envia, é sinal de que é salvo; se ao contrário, ao apresentar-se a cruz irrita-se, despreza-a e até me ofende, pode-se dizer que é um sinal de que essa alma se encaminha pela via do inferno; assim farão os réprobos no dia do Juízo, que ao ver a Cruz se afligirão e blasfemarão.

A Cruz diz tudo. A Cruz é um livro que sem engano e a claras notas te diz e te faz distinguir o santo do pecador, o perfeito do imperfeito, o fervoroso do morno. A Cruz comunica tal luz à alma, que desde agora não só faz distinguir o bom do réu, senão faz conhecer quem deve ser mais ou menos glorioso no Céu, quem deve ocupar um posto superior ou um posto menor. Todas as outras virtudes estão humildes e reverentes diante da virtude da Cruz, e enxertando-se com ela recebem maior brilho e esplendor”. Quem pode dizer que chamas de desejos ardentes punha em meu coração este falar de Jesus? Sentia-me devorar pela fome de sofrer, e Ele para satisfazer minhas ânsias, ou bem para dizê-lo melhor, o que Ele mesmo me infundia, renovava-me a crucificação.

Recordo que às vezes, depois de renovadas estas crucifixões me dizia: “Amada do meu Coração, desejo ardentemente não só crucificar-te a alma e comunicar-te as dores da Cruz ao corpo, mas desejo selar-te também o corpo com o selo das minhas chagas, e quero ensinar-te a oração para obter esta graça, a oração é esta: Eu me apresento diante do trono supremo de Deus, banhada no sangue de Jesus Cristo, pedindo-lhe que, pelo mérito de suas elevadíssimas virtudes e de sua Divindade, me conceda a graça de crucificar-me”. E eu, apesar de que sempre tive aversão a tudo o que pode aparecer exteriormente, como ainda o tenho, no ato em que Jesus dizia isto me sentia infundir tal anelo de satisfazer o desejo que Ele mesmo expressava, que também me atrevia a dizer a Jesus que me crucificasse na alma e no corpo, e algumas  vezes lhe dizia: “Esposo Santo, coisas exteriores não gostaria, e se alguma vez me atrevo a dizê-lo, é porque Tu mesmo me dizes, e também para dar um sinal ao confessor de que és Tu quem operas em mim. De resto, não queria outra coisa senão que aquelas dores que me fazes sofrer, quando me renovas a crucificação, fossem permanentes;
não queria essa diminuição depois de algum tempo, e só isso me basta, e que da aparência externa, quanto mais o possas manter oculto, tanto mais me contentará”.

 56 – Luísa faz a confissão de seus pecados a Jesus. 

Lembro-me confusamente que lhe pedia frequentemente, quando me encontrava junto a Nosso Senhor: a dor dos meus pecados e a graça de que me perdoasse tudo o que de mal tinha feito. E às vezes chegava a dizer-lhe que estaria contente quando de sua própria boca me dissesse: “Eu perdoo todos os seus pecados”. E Jesus bendito, que nada sabe negar quando é para nosso bem, uma manhã fez-se ver e me disse: “Desta vez quero fazer Eu mesmo o ofício de confessor, e tu me confessarás todas as tuas culpas, e no momento em que fizeres isto, te farei compreender uma por uma as dores que destes ao meu coração ao me ofender, a fim de que compreendendo tu – por quanto pode uma criatura – o que é o pecado, tome a resolução de preferir morrer que me ofender.

Enquanto isso, tu entras no teu nada e recita o eu pecador”. Eu, entrando em mim mesma, advertia (percebia) toda a minha miséria e maldades, e diante de sua presença tremia toda, e me faltava a força de pronunciar as palavras do eu pecador, e se o Senhor não tivesse infundido em mim nova força, dizendo-me: “Não temas, se sou Juiz, sou também teu Pai, coragem, sigamos em frente”. Teria ficado lá sem dizer uma palavra. Então disse o eu pecador toda cheia de confusão 116  e humilhação, e como me via toda coberta por minhas culpas, dando um olhar descobri que a culpa que mais tinha ofendido a Nosso Senhor era a soberba e por isso disse: “Senhor, me acuso ante tua presença de que tenho pecado de soberba”. E Ele: “Aproxima-te do meu coração, ouve-me, e ouve o rasgo cruel que fizeste ao meu coração com este pecado”. Toda tremendo pus meu ouvido sobre seu coração adorável, mas quem pode dizer o que ouvi e compreendi naquele instante? Mas depois de tanto tempo direi só alguma coisa confusamente. Lembro-me que o seu coração batia tão forte que parecia que queria partir-lhe o peito, logo me parecia que se despedaçava e pela dor ficava quase destruído. Ah, se poderia ter destruído o Ser Divino com a soberba!

Ponho uma semelhança para fazer-me entender, de outra maneira não tenho palavras para expressar-me. Imagine um rei e a seus pés um verme, que elevando-se e inflando se começa a crer alguma coisa e que chega a tal atrevimento, que elevando-se pouco a pouco, chega à cabeça do rei e quer tirar-lhe a coroa para colocá-la sobre sua cabeça, logo o despoja de suas vestes reais, o lança do trono e finalmente trata de matá-lo. Mas o pior deste verme é que ele mesmo não conhece seu próprio ser, engana-se a si mesmo, pois para se desfazer dele só se necessita que o rei o ponha debaixo dos pés e o esmague, e assim terminariam seus dias. Isso causa raiva e compaixão, e ao mesmo tempo ridiculariza o orgulho deste verme se isto pudesse ser dado. Assim me via eu diante de Deus, o que me encheu de tal confusão e dor que me senti renovar em meu coração o rasgo que sofria o bendito Jesus. Depois disso me deixou, e eu sentia tanta pena e compreendia como é feio este pecado de soberba, que é impossível descrevê-lo.

Quando pensei muito bem sobre tudo isso em mim mesma, meu bom Jesus voltou e me disse para continuar a confissão de minhas culpas, e eu, tremendo, continuei me acusando dos pensamentos, palavras, obras, causas e omissões, e quando via que eu não podia seguir fazendo a confissão pela pena que sentia de havê-lo tanto ofendido, porque tinha uma claridade tão viva diante daquele Sol divino, especialmente porque n’Ele descobria a pequenez, a nulidade do meu ser e ficava assombrada de como eu tinha tido tanta ousadia, de onde tinha tomado essa coragem de ofender a um Deus tão bom que no mesmo ato em que o ofendia, Ele me assistia, me conservava, me alimentava, e se tinha algum rancor comigo, era para o pecado que eu fazia, e que odiava sumamente, em troca a mim me amava imensamente, me desculpava ante a Divina Justiça, e se ocupava todo para remover aquele muro de divisão que tinha produzido o pecado entre a alma e Deus.
Oh, se todos pudessem ver quem é Deus, e quem é a alma no momento em que peca, todos morreriam de dor e eu acredito que o pecado seria exilado da Terra! Então, quando Jesus bendito via que pela pena não podia mais, retirava-se e me deixava para que compreendesse muito bem o mal que tinha feito, e depois voltava de novo e eu continuava acusando minhas culpas. Mas quem pode dizer tudo o que compreendi, e explicar, uma por uma, as diversas afrontas e as dores especiais que com as minhas culpas tinha causado a Nosso Senhor?

Sinto-me quase impossibilitada de me explicar e também porque não me lembro muito bem. Quando terminei minha acusação, que durou cerca de sete horas, o amável Jesus tomou o aspecto de pai amorosíssimo, e como eu me encontrava esgotada de forças pela dor, e muito mais porque via que não era uma dor suficiente para me doer como convinham a minhas culpas, Ele, para me animar disse- me:

“Eu quero suprir-te, e aplico à tua alma o mérito da dor que tive no jardim do Getsêmani. Só isto pode satisfazer a Justiça Divina”. Depois de ter aplicado a minha alma a sua dor, então me pareceu estar disposta a receber a absolvição. Toda humilhada e confusa como estava, e prostrada aos pés do bom Pai Jesus, com os raios que enviava à minha mente, tratava de me estimular principalmente à dor dizendo, se bem não recordo tudo: “Grande, supremo foi o mal que fiz a Ti. Estas potências minhas e estes sentidos do corpo deviam ter sido tantas línguas para te louvar, ah, em troca foram como tantas víboras venenosas que te mordiam e procuravam até mesmo te matar. Mas, Pai Santo, perdoa-me, não queiras me afastar de Ti pelo grande mal que cometi pecando”.

E Jesus: “E tu, prometes não pecar mais e afastar do teu coração qualquer sombra de mal que possa ofender o teu Criador?” E eu: “Ah sim, com todo o coração te prometo. Mas bem quero mil vezes morrer que voltar a pecar, nunca mais, nunca mais”. E Jesus: “E Eu te perdoo e aplico à tua alma os méritos da minha Paixão e quero lavá-la em meu Sangue”. E, enquanto dizia isto, levantou a sua mão direita abençoada e pronunciou as palavras da absolvição, exatas às palavras que o sacerdote diz, e no ato em que isto fazia, de sua mão corria um rio de sangue, e minha alma ficava toda inundada por ele.

Depois disso me disse: “Vem, ó filha, vem fazer penitência por teus pecados beijando minhas feridas”. Toda trêmula me levantei e lhe beijei suas Sacratíssimas Chagas e depois me disse: “Minha filha, sê mais atenta e vigilante, porque hoje te dou a graça de não caíres mais no pecado venial voluntário”. Depois me fez outras exortações que não recordo bem e desapareceu.
 57 – Efeitos da graça da confissão feita a Jesus e renovada várias vezes.

Quem pode dizer os efeitos desta confissão feita a Nosso Senhor? Sentia-me toda encharcada na graça, e ficou-me tão gravada que não posso esquecê-la, e cada vez que me lembro, sinto correr um arrepio nos ossos, e ao mesmo tempo sinto horror ao pensar qual é a minha correspondência a tantas graças que o Senhor me fez. Outras vezes o Senhor se dignou a dar-me Ele mesmo a absolvição, às vezes tomando o aspecto do sacerdote (e eu me confessava como se o fosse), se bem que sentia efeitos diferentes, e depois de terminada se fazia saber que era Jesus; às vezes abertamente vinha fazendo-se conhecer que era Jesus;

também algumas vezes tomava o aspecto do confessor, tanto que eu acreditava que falava com o confessor e lhe dizia todos meus temores, minhas dúvidas; mas pelo modo de responder-me, pela suavidade da voz, entrelaçada agora como a voz do confessor e agora como a de Jesus, por seu trato amável e pelos efeitos internos, descobria eu quem era. Ah, se eu quisesse dizer tudo sobre estas coisas me estenderia muito! Por isso termino e ponho ponto…

 58 – Fim da narração. Nova guerra entre a Itália e a África53.

Recordo que houve uma segunda guerra entre a África e a Itália, e o bendito Jesus, um dia, cerca de nove meses antes, me transportou para fora de mim mesma e me fez ver um caminho  muito longo, cheio de cadáveres imersos no sangue que a rios inundava esse caminho. Dava horror ver esses cadáveres expostos ao ar livre, sem nem sequer ter quem os sepultasse.

 

NOTA
53 De fato, na decisiva Batalha de Adowa em março de 1896, as forças etíopes comandadas por Menelik II derrotaram as tropas italianas. A Itália, assim sendo, teve de reconhecer a independência da Etiópia. 

Eu toda assustada disse a Nosso Senhor: “O que é isto?” E Ele: “No próximo ano haverá guerra. Servem-se da carne para me ofender, e Eu sobre sua carne quero fazer a minha justa vingança”. Ele disse outras coisas, mas já passou tanto tempo que eu não me lembro. Agora, aconteceu que passado esse período de tempo começou a se ouvir que entre a Itália e a África haveria guerra.

Eu rogava ao bom Jesus que livrasse muitas vítimas e que tivesse piedade de tantas almas que iam ao inferno. Uma manhã, como o habitual, me transportou fora de mim mesma e via que quase todas as pessoas estavam convencidas de que devia vencer a Itália, me pareceu encontrar-me em Roma e via os deputados que tinham conselhos sobre o modo como deviam conduzir a guerra para estarem seguros de fazer vencer a Itália.

Estavam tão inchados de si mesmos que davam piedade, mas o que mais me impressionou foi ver que estes tais, quase todos eram maçons, almas vendidas ao demônio. Que tristes tempos! Parecia que propriamente estabelecia o reino satânico, e sua confiança em vez de colocá-la em Deus a punham no demônio. Agora, enquanto estavam deliberando, meu bendito Jesus me disse: “Vamos ouvir o que dizem”. Então me pareceu entrar em seu círculo54 junto com Jesus. Jesus caminhou no meio e derramava lágrimas sobre o seu miserável estado.
Quando terminaram de deliberar sobre o modo como deviam fazer, vangloriando-se de estar seguros da vitória, Jesus se  dirigiu a eles e lhes disse, ameaçando-os: “Confiais em vós mesmos e, por isso, vos humilharei; desta vez a Itália será derrotada”. NOTA 54 Ou seja, a Câmara Baixa dos Deputados. 

 59 – A Novena de Natal recomeça, com a qual o Volume começou. 

JMJ. Fiat
Agora, para obedecer, retorno para dizer o que eu deixei no começo deste primeiro volume, isto é, a novena de Natal, em que da segunda meditação passo para a terceira.

60 – Terceira Hora
E uma voz interior me dizia: “Minha filha, apoia tua cabeça sobre o seio da minha Mamãe, olha dentro dele a minha pequena Humanidade. Meu Amor me devorava, os incêndios, os oceanos, os mares imensos do Amor de minha Divindade me inundavam, reduziam-me a cinzas, levantavam tão alto suas chamas que se elevavam e se estendiam por toda parte, a todas as gerações, desde o primeiro até o último homem e minha pequena Humanidade era devorada no meio de tantas chamas, mas sabes tu que coisa queria me fazer devorar meu Eterno Amor?55

Ah, as almas! E só fiquei contente quando as devorei todas, ficando todas concebidas Comigo, era Deus, devia agir como Deus, devia tomá-las todas; meu Amor não me teria dado paz se tivesse excluído alguma.

NOTA55 “Nosso Deus é um fogo devorador” (Hebreus 12:29). 

Ah minha filha, olha bem no seio da minha Mãe, fixa bem os olhos na minha Humanidade recém concebida e nela encontrarás a tua alma concebida Comigo, e também as chamas do meu Amor que te devoraram56. Oh, quanto te amei e te amo!” Eu me perdia no meio de tanto amor, não sabia sair dali, mas uma voz me chamava forte dizendo-me: “Minha filha, isto é nada ainda, abraça-te mais a Mim, dá tuas mãos à minha amada Mãe a fim de que te tenha apertada sobre o seu seio materno, e tu, concede outro olhar à minha pequena Humanidade concebida e olha o quarto excesso do meu Amor”.

 61 – Quarta Hora. 

“Minha filha, do amor devorador passa a olhar meu Amor operante. Cada alma concebida me trouxe o fardo de seus pecados, de suas fraquezas e paixões, e meu Amor me ordenou tomar o fardo de cada uma, e não só concebi as almas, mas as penas de cada uma, as satisfações que cada uma delas devia dar a meu Pai Celestial.

Então minha Paixão foi concebida Comigo”. Olha-me bem no seio da minha Mamãe Celeste. Oh! Como minha pequena Humanidade era dilacerada! Veja bem como minha pequena cabeça está cercada por uma coroa de espinhos que, cingindo-me forte as têmporas, me faz derramar rios de lágrimas dos olhos, e não posso me mover para secá-las. Ah, move-te de compaixão por Mim, seca-me os olhos de tanto pranto, tu que tens os braços livres para poder fazer isso! Esses espinhos são a coroa dos tantos pensamentos .

NOTA 56 Além de ser esta Novena de Natal uma prática tradicional generalizada de piedade popular, trata-se da expressão de um mistério profundo, de uma verdade teológica: Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, desde no primeiro momento de sua Encarnação realizou sua obra de Redentor, além da de Primogênito entre todas as criaturas, no pleno uso da razão e da vontade, não só da Divindade, mas também da mais perfeita Humanidade.
Oh, como me espetam mais esses pensamentos do que os espinhos que produz a Terra, mas olha que longa crucificação de nove meses: não podia mover nem um dedo, nem uma mão, nem um pé, estava aqui sempre imóvel, não havia lugar para poder me mover um pouquinho, que longa e dura crucificação, com o acréscimo de que todas as obras más, tomando a forma de pregos, trespassavam-me as mãos e pés repetidamente”.

E assim continuava a me contar pena por pena todos os martírios de sua pequena Humanidade, e que querer dizê-las todas seria muito extenso. Então eu me abandonava ao pranto, e ouvia dizer em meu interior: “Minha filha, gostaria de te abraçar mas não posso, não há espaço, estou imóvel, não posso fazê-lo; queria ir a ti mas não posso caminhar. Por agora me abraça e dirige-te a Mim, depois quando sair do seio materno irei Eu a ti”57.

maus que se amontoam nas mentes humanas.

Mas, enquanto com minha imaginação o abraçava, o estreitava fortemente a meu coração, uma voz interior me dizia:
“Basta por agora minha filha, e passa a considerar o quinto excesso do meu Amor”.

 62 – Quinta Hora. 

Então a voz interior seguia: “Minha filha, não te afastes de Mim, não me deixes sozinho, meu Amor quer companhia, outro excesso do meu Amor, não querer estar sozinho. Mas tu sabes de quem quer estar acompanhado? Da criatura!

NOTA 57 Essas palavras sugerem um ensinamento fundamental que o Senhor desenvolverá ao longo dos escritos de Luísa. São como duas etapas da vida espiritual: na primeira, a alma deve ser protagonista em sua busca por Deus; na segunda, então, é Jesus o Divino protagonista, quando virá ao encontro da alma.

Observa, no seio da minha Mãe, junto a Mim estão todas as criaturas concebidas junto Comigo. Eu estou com elas com todo amor, quero dizer-lhes o quanto as amo, quero falar com elas para lhes dizer as minhas alegrias e as minhas dores, para lhes dizer que vim no meio delas para fazê-las felizes, para consolá-las e que estarei no meio delas como seu irmãozinho dando a cada uma todos os meus bens, o meu reino, à custa da minha morte. Quero lhes dar meus beijos, minhas carícias; quero me entreter com elas.

Mas, ai! Quantas dores me dão! Há quem me foge, quem se faz surda e me reduz ao silêncio, quem despreza meus bens e não se preocupa com meu reino e corresponde meus beijos e carícias com o descuido e o esquecimento de Mim, e meu entretenimento o converte em amargo pranto… Oh, como estou sozinho, apesar de estar no meio de tantos! Oh, como me pesa minha solidão! Não tenho a quem dizer uma palavra, com quem desabafar, nem mesmo no amor; estou sempre triste e taciturno, porque se falo não sou escutado. Ah, minha filha, peço-te, suplico-te que não me deixes sozinho em tanta solidão! Dá-me o bem de me deixares falar escutando-me, dá ouvidos aos meus ensinamentos; Eu sou o mestre dos mestres.

Quantas coisas quero te ensinar. Se me ouvires, farás cessar o meu pranto e vou me entreter contigo. Não queres te entreter Comigo?” E enquanto me abandonava nele, compadecendo-Lhe de sua solidão, a voz interna seguia: “Basta, basta, passa a considerar o sexto excesso do meu Amor”.

63 – Sexta Hora. 

“Minha filha, vem, roga a minha amada Mãe que te faça um lugar no seu seio materno, a fim de que tu mesma vejas o estado doloroso em que me encontro”.

Então com o pensamento, me parecia que nossa Rainha Mãe, para contentar a Jesus me fazia um pequeno lugar e me colocava dentro. Mas era tal e tanta a escuridão que não a via, só ouvia o seu respiro e Ele dentro de mim continuava a dizer-me:

“Minha filha, olha outro excesso do meu Amor. Eu sou a luz eterna, o sol é uma sombra de minha luz, mas vê aonde me conduziu meu Amor? Em que obscura prisão estou? Não há nem um raio de luz, sempre é noite para Mim, mas noite sem estrelas, sem repouso, sempre acordado, que aflição! A estreiteza da prisão, sem poder me mover minimamente, as densas trevas; até a respiração, respiro por meio da respiração da minha Mãe, oh, como é difícil! E além disso, acrescenta as trevas das culpas das criaturas. Cada culpa era uma noite para Mim, que todas juntas formavam um abismo de escuridão sem confins.
Que pena! Oh excesso do meu Amor, fazer-me passar de uma imensidão de luz, de largueza, a uma profundidade de densas trevas e de tal estreiteza, até me faltar a liberdade de respirar, e isto, tudo por amor das criaturas!” E enquanto isso dizia, gemia quase com gemidos sufocados por falta de espaço e chorava. Eu me desfazia em pranto, agradecia-lhe, compadecia-me, queria lhe fazer um pouco de luz com meu amor como

Ele me dizia, mas quem pode dizer tudo? A mesma voz interior acrescentava: “Basta por agora.
Passa ao sétimo excesso do meu Amor”.

64 – Sétima Hora. 

A voz interior prosseguia: “Minha filha, não me deixes sozinho em tanta solidão e em tanta escuridão; não saias do seio de minha Mãe para que vejas o sétimo excesso de meu Amor. Escuta-me, no seio de meu Pai Celestial; Eu era plenamente feliz, não havia bem que não possuía, alegria, felicidade, tudo estava a minha disposição; os Anjos reverentes me adoravam e estavam às minhas ordens.
Ah, o excesso de meu Amor, poderia dizer que me fez trocar minha fortuna, restringiu-me nesta sombria prisão, me despojou de todas minhas alegrias, felicidade e bens para me vestir com todas as infelicidades das criaturas58, e tudo isto para fazer a troca, para dar a elas minha fortuna, minhas alegrias e minha felicidade eterna.
Mas isto não teria sido nada se não tivesse encontrado nelas só ingratidão e obstinada perfídia. Oh, como meu Amor eterno ficou surpreso perante tanta ingratidão e chorou a obstinação e perfídia do homem! A ingratidão foi o espinho mais pungente que me trespassou o Coração desde a minha concepção até a minha morte. Olha para o meu coraçãozinho, ele está ferido e a sangrar.
Que pena! Que dor eu sinto! Minha filha, não sejas ingrata; a ingratidão é a pena mais dura para teu Jesus, é fechar-me as portas na cara para me deixar de fora, aterrado de frio. Mas, perante tanta ingratidão, meu Amor não se deteve e se pôs em atitude de Amor suplicante, orante, gemente e mendicante, e este é o oitavo excesso do meu Amor”.
65 – Oitava Hora. 

“Minha filha, não me deixes sozinho, apoia tua cabeça sobre o seio de minha amada Mamãe, porque também de fora ouvirás meus gemidos, minhas súplicas, e vendo que nem meus gemidos nem minhas súplicas movem a criatura à compaixão de meu Amor, ponho-me em atitude do mais pobre dos mendigos, e estendendo minha pequena mãozinha, peço por piedade, pelo menos a título de esmola suas almas, seus afetos e seus corações.

NOTA 58 Vide Carta aos Filipenses 2,5-8. 127

Meu Amor queria vencer a qualquer custo o coração do homem, e vendo que depois de sete excessos de meu Amor, permanecia relutante, se fazia surdo, não se ocupava de Mim nem se queria dar a Mim, meu Amor quis ir mais além; deveria ter-se parado, Mas não, ele queria ir além de seus limites, e do seio da minha mãe Eu fazia chegar a minha voz a cada coração com os modos mais insinuantes, com as súplicas mais fervorosas, com as palavras mais penetrantes… Mas sabe o que eu dizia?

– Filho meu, dá-me o teu coração, dar-te-ei tudo o que quiseres, desde que me dês o teu coração em troca; desci do Céu para tomá-lo, ah, não o negues a mim! Não desiludas as minhas esperanças!

E vendo-o relutante, e que muitos me viravam as costas, passava aos gemidos, juntava as minhas mãozinhas e chorava, com voz sufocada pelos soluços acrescentava-lhes:
Ai, ai! Sou o pequeno mendigo, nem sequer de esmola queres dar-me o teu coração? Não é isto um excesso maior do meu Amor que o Criador, para se aproximar da criatura, tome a forma de uma pequena criança para não lhe infundir temor, e peça ao menos como esmola o coração da criatura, e vendo que ela não o quer dar, roga, geme e chora?” Então me disse: “E tu não queres dar-me o teu coração?

Talvez também tu queiras que eu gema, que implore e chore, para que me dês o teu coração? Queres negar-me a esmola que te peço?” E, enquanto dizia isto, ouvia como se chorasse.

 

E eu lhe disse: “Meu Jesus, não chores, eu te dou o meu coração e a mim inteiramente”. Então a voz interna continuava: “Segue mais adiante, e passas ao nono excesso do meu Amor”.

66 – Nona Hora. 

“Minha filha, meu estado é sempre mais doloroso. Se me amas, fixa o teu olhar em Mim, para ver se podes dar ao teu  pequeno Jesus algum consolo, uma palavrinha de amor, uma carícia, um beijo, que dê trégua a meu pranto e a minhas aflições. Escuta minha filha, depois de ter dado oito excessos de meu Amor, e que o homem tão mal me correspondeu, meu Amor não se deu por vencido, e ao oitavo excesso quis acrescentar o nono; e isto foram as ânsias, os suspiros de fogo, os desejos ardentes de querer sair do seio materno para abraçar o homem, e isto reduzia a minha pequena Humanidade ainda não nascida a uma agonia tal que estava a ponto de dar meu último respiro.

E enquanto eu estava prestes a dá-lo, minha Divindade, que era inseparável de mim, dava-me sorvos de vida, e assim retomava de novo a vida para continuar minha agonia e voltar a morrer novamente. Este foi o nono excesso do meu Amor, agonizar e morrer continuamente de amor pela criatura. Oh, que longa agonia de nove meses! Oh, como o amor me sufocava e me fazia morrer!

E se não tivesse tido a Divindade Comigo, que me dava continuamente a vida cada vez que estava por morrer, o amor ter-me-ia consumido antes de sair à luz do dia”.
Depois acrescentava: “Olha para mim, escuta-me como agonizo, como meu pequeno coração bate, se aflige e queima;
olha para mim, agora morro”. E fazia um profundo silêncio. Eu me sentia morrer, gelava-me o sangue nas veias e a tremer lhe dizia: “Meu amor, minha vida, não morras, não me deixes sozinha, Tu queres amor e eu te amarei, não te deixarei mais, dá-me tuas chamas para poder te amar mais e me consumir toda por Ti”.

+ + + + Nihil obstat  Canônico Santo Aníbal Maria di Francia.
Imprimatur do original italiano Arcebispo Giuseppe M. Leo – Outubro de 1926.APÊNDICE:
As quatro regras de vida que Jesus Cristo deu a Luísa por ocasião do Matrimônio Místico.
(Eles foram encontrados numa cópia manuscrita inserida no Primeiro Volume. Embora a maneira de Luísa de expressão seja muito peculiar, o conteúdo provavelmente é dela)  Digo, portanto, que Jesus, antes de tudo, ordenou que eu fosse totalmente desapegada de toda criatura e até de mim mesma, como se eu tivesse que viver no perfeito esquecimento de todas as coisas, para garantir que meu interior sempre tivesse fixada a doce lembrança d’Ele, e uma viva e palpitante afeição de amor para com Ele, para que, deliciando-se em todos os atos, pudesse formar uma morada estável em meu coração. Fora d’Ele — disse-me — eu não deveria mais conhecer ninguém, nem amigos, nem mesmo a mim mesma; somente Nele devia ser despertada a lembrança de tudo e de todos, pois Nele a criatura não pode deixar de existir; e para chegar a isso, acrescentou que eu tinha que agir sempre com santa indiferença e independentemente do que pudesse acontecer ao meu redor, ou seja, sempre agir corretamente e com a máxima simplicidade, não levando em conta os prós e contras que poderiam vir a mim das criaturas.

Na prática, então, se às vezes eu não fazia tudo isso, meu doce Jesus, tomando-me severamente de volta, me dizia: “Se tu não alcançares o desapego propriamente dito, não apenas, mas ainda afetivo, tu não poderás estar completamente investida com minha Luz; mas se, em vez disso, te livrares de toda afeição terrena, te tornarás como um cristal muito claro que deixa passar a plenitude da luz; assim, minha Divindade, que é Luz, entrará totalmente dentro de ti”.

Em segundo lugar, Ele me disse que eu não deveria mais viver em mim mesma, mas somente e inteiramente n’Ele, isto é, viver desapegada de mim mesma; eu tinha que cuidar sempre de investir-me no verdadeiro espírito de fé, por meio do qual eu tinha que tentar me conhecer cada vez mais, ter cuidado com minha própria capacidade, que não sou boa em fazer nada por mim mesma, e conhecer cada vez mais o meu Jesus, para poder confiar cada vez mais n’Ele. “E depois de ter conhecido a ti mesma e quem Eu sou — Ele me disse —, como consequência, muitas vezes tu sairás de ti mesma para mergulhar no imenso mar da minha Providência. Por isso, como uma noivinha de quem o Esposo é tão ciumento que não quer se permitir o menor prazer com os outros, tu estarás sempre perto de Mim; e como ela está com o rosto sempre voltado para o Esposo, para que ele não duvide dela, assim me darás domínio absoluto sobre ti, tanto se eu quisesse acariciar-te, encher-te de carismas, beijos e amor, como também açoitar, afligir e infligir qualquer punição em ti. Tu terás que te submeter a tudo por meu amor, sempre em tua plena liberdade, porque teremos dores e alegrias em comum, e até mesmo competiremos para ver qual de nós poderá suportar mais dores em si mesmo, sem outro propósito que o de agradar a nós mesmos e fazer um ao outro feliz.

Em terceiro lugar, tua vontade não deve estar em ti, mas apenas a Minha, que deve permanecer e governar como um Rei em seu palácio real; caso contrário, logo se sentirão as divergências de um amor inepto, do qual surgirão densas sombras que lançarão em ti essas desarmonias e essa dessemelhança de trabalho, indesejadas pela nobreza comum que absolutamente deve reinar entre Mim e ti, minha noiva;
e esta nobreza reinará em ti se de vez em quando tentares entrar no teu nada, isto é, se vieres a ter perfeito conhecimento de ti mesma, não parar aqui, mas, conhecendo o teu nada, terás que fazer tudo o mais rápido possível para entrar no poder infinito de minha Vontade, da qual vais retirar todas as graças que precisará para elevar-te em Mim, para fazer tudo comigo sem levar em conta a ti, que deseja completamente desaparecer em Mim.
Em quarto lugar, de agora em diante quero que entre mim e ti não haja aquele “tu” e “eu”; portanto não diremos mais “tu farás isso”, “Eu vou fazer”, mas “nós faremos isso”.
Estes “teu” e “meu” ainda não desapareceram, mas tudo será chamado de “nosso”, já que tu, como minha fiel esposa, participarás em comum e guiarás o destino do mundo. Todos os remidos em meu Sangue se tornaram meus filhos e irmãos, e como são meus, ainda serão teus filhos e irmãos, que, como filhos, serão amados por ti como uma verdadeira mãe. É verdade que esses irmãos e filhos lhe custarão muitas dores, porque a maioria deles se tornou muito rebelde, muito desviada, e muitos ainda licenciosos; mas tu tomarás como Eu suas merecidas dores sobre ti e à custa dos mais dolorosos sacrifícios, tentarás salvá-los, certificando-te de que os conduzirás ao meu Coração, coberto pelos méritos de tuas dolorosas dores e aspergidos todos do teu e do meu Sangue, em vista do qual o meu Pai Celestial não só usará de misericórdia e perdão, mas também, se estiverem perfeitamente contritos, muitos como o bom ladrão logo tomarão posse eterna do Paraíso.

Finalmente, na medida em que te desapegas de tudo que não é puramente meu, tu te encontrarás cada vez mais imersa em minha Vontade absoluta, na qual adquirirá a plenitude de meu Amor, através do conhecimento de minha Essência, que dia após dia se tornará cada vez mais viva em ti;
e então, mais do que nunca, assim como as imagens são vistas em um espelho no reflexo reverberante da luz, assim em Mim encontrarás verdadeiramente todas as criaturas com um espírito de inteligência e amor em ordem, de modo que em um único olhar tu verás tudo deles e conhecerás o estado de consciência de cada um deles, para que tu, como mãe mais que amorosa, no verdadeiro espírito de misericórdia que é o meu espírito e o de minha Mãe, faças o máximo sacrifício, imolando-te para eles; e este sacrifício será como um manto que cobrirá a todos, como minha verdadeira imitadora e esposa fiel”.

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