38. Maria, mestra de Jesus, de Judas e de Tiago.
29 de outubro de 1944.
38.1 Jesus diz:
– Vem pequeno João, e vê. Volta atrás, segura pela minha mão que te
conduz, aos anos da minha infância. O que vires deverá ser inserido no
Evangelho da minha infância, onde quero que seja colocada também a visão
da estadia da Família no Egito. Colocarás assim: a Família no Egito, depois
a primeira lição de trabalho do menino Jesus, depois o que agora vais
descrever, a cena da maioridade (prometida hoje 25-11)[62]
, por último a
visão de Jesus entre os doutores no Templo, na sua 12ª. Páscoa. Não é sem
motivo também o que agora irás ver. Mas, antes, esclarece alguns pontos e
ligações dos meus primeiros anos, e entre os parentes. É um presente para ti,
nesta festa da minha Realeza, para ti que sentes entrar-te a paz da Casa de
Nazaré, quando a vês. Escreve.
38.2Vejo o quarto onde, habitualmente, se fazem as refeições e onde Maria
trabalha junto ao seu tear, ou com a agulha. O quarto é perto da oficina de
José, do qual se ouve o incansável trabalho. Mas neste quarto há silêncio.
Maria está costurando tiras de lã, certamente tecida por ela, com cerca de
meio metro de largura, por mais do que o dobro de comprimento, e me
parece que desse trabalho vai sair um manto para José.
Da porta aberta, que dá para o pomar-jardim, vêem-se sebes cheias de
folhas de pequenas margaridas de um azul violeta, que comumente são
chamadas “Marias” ou “Céu estrelado”, mas cujo nome científico eu não sei.
Estão floridas, e por isso deve ser outono. Mas o verde ainda está espesso e
bonito nas plantas, e as abelhas de duas colméias, que estão em cima de um
muro bem exposto ao sol, vão zumbindo, dançando e brilhando à luz solar,
indo de uma figueira para uma videira, e desta para uma romãzeira, cheia de
suas frutas redondas, que já estão se arrebentando pelo excesso de vigor, e
mostrando os colares de suculentos rubis, alinhados no interior do escrínio
verde-avermelhado, com compartimentos amarelos.
38.3Debaixo das árvores, Jesus está brincando com dois meninos, mais ou
menos da sua idade. São de cabelos encaracolados, mas não loiros. Um,
aliás, é até moreno: uma cabecinha de cordeirinho preto, que faz aparecer
ainda mais branca a pele do rostinho redondo, no qual estão abertos dois
grandes olhos, de um azul tendente ao violáceo, muito bonitos. O outro tem
os cabelos menos encaracolados, e de uma cor castanho-escuro, olhos
castanhos e de um colorido mais moreno, mas com uma tonalidade rosada
nas faces. Jesus com a sua cabecinha loira, entre os outros dois, parece estar
nimbado por um fulgor. Eles brincam em boa harmonia com uns carrinhos
sobre os quais estão diversas mercadorias: folhas, pedrinhas, maravalhas,
pauzinhos. Fazem-se de mercadores certamente, e Jesus é que compra para a
mamãe, à qual vai levar, ora um objeto, ora outro. Maria, aceita com um
sorriso, as compras.
Mas depois a brincadeira muda. Um dos dois meninos propõe[63]
:
– Vamos representar o Êxodo, atravessando o Egito. Jesus será Moisés,
eu Arão, e tu… Maria.
– Mas eu sou homem!
– Não faz mal. Faz assim mesmo. Tu és Maria, e dançarás diante do
bezerro de ouro, que vai ser aquela colméia lá.
– Eu não danço. Eu sou homem, e não quero ser mulher. Depois, eu sou
um fiel, e não quero dançar diante do ídolo.
Jesus, então, intervém:
– Vamos deixar este ponto. Vamos representar outro: quando Josué foi
escolhido para ser o sucessor de Moisés. Assim não entra aquele feio
pecado de idolatria, e Judas fica contente por ser um homem, e meu sucessor.
Assim ficas contente não é verdade?
– Sim, Jesus. Mas, então, Tu tens que morrer, porque Moisés morre,
depois. E eu não quero que Tu morras, logo Tu que me queres tão bem!
– Todos morrem… Mas Eu, antes de morrer, abençoarei a Israel, e,
como aqui estais somente vós, em vós Eu abençoarei todo Israel.
Foi aceita a proposta. Surge, porém, depois, uma dúvida. Se o povo de
Israel, depois de tanto andar, ainda teria, ou não, os carros que tinha, quando
saiu do Egito. As idéias são contraditórias.
Vão, então, recorrer a Maria.
– Mamãe, Eu digo que os israelitas tinham ainda os carros. Tiago diz
que não. E Judas não sabe a quem dar razão. Tu sabes?
– Sim, meu Filho. O povo nômade tinha ainda os seus carros. Nas
paradas os consertava. Subiam nos carros os mais fracos, onde também eram
transportadas as provisões, e coisas necessárias para o povo. Menos a Arca,
que era levada nas mãos. Tudo o mais ia nos carros.
A dúvida foi desfeita.
38.4Os meninos vão para o fundo do pomar e, de lá, cantando salmos, vêm
vindo em direção da casa. Jesus vem na frente e, com sua vozinha clara e
afinada, canta alguns salmos. Atrás Dele vêm Judas e Tiago, segurando por
baixo uma carriolinha que está elevada ao grau de Tabernáculo. Mas, como
eles têm que fazer também a parte do povo, além da de Arão e Josué, tiraram
as suas cintas e com elas amarraram a seus pés os outros carros em
miniatura, e assim vão para frente, como se fossem verdadeiros atores.
Percorrem toda a parreira, passam diante da porta do quarto onde está
Maria, e Jesus diz:
– Mamãe, saúda a Arca que está passando.
Maria se levanta com um sorriso, e se inclina diante do Filho, que passa
radiante, em um nimbo de sol.
Depois, Jesus vai subindo pelo lado do monte que cerca a casa, ou
melhor, o jardim. Em cima da pequena gruta, tendo-se posto em pé, Ele fala
a… Israel. Fala das ordens e promessas de Deus, indica Josué como guia e o
chama para perto de Si. Judas, por sua vez, salta sobre a gruta. Jesus o
encoraja e abençoa. Depois, manda que lhe tragam uma tabuleta… (é uma
folha grande de uma figueira), nela escreve o cântico, e o lê. Não o lê todo,
mas uma boa parte, e parece que está lendo mesmo sobre a folha. Depois,
despede-se de Josué, que o abraça chorando, e sobe mais, até chegar à beira
da saliência onde estão. De lá, abençoa todo Israel, isto é, aos dois que estão
prostrados por terra, em seguida se estende sobre a erva curta, fecha os
olhos e… morre.
38.5Maria, que tinha ficado à porta sorrindo, quando viu que ele ficou
estendido e rígido, gritou:
– Jesus! Jesus! Levanta-te! Não fiques assim! A mamãe não te quer ver
morto!
Jesus se levanta com um sorriso, e corre para ela e a beija. Vêm também
Tiago e Judas. Eles também recebem carícias de Maria.
– Como pode Jesus lembrar-se daquele cântico tão comprido e difícil e
de todas aquelas bênçãos? –pergunta Tiago.
Maria sorri, e responde simplesmente:
– Ele tem uma memória muito boa, e está sempre muito atento quando eu
leio.
– Eu fico atento na escola. Mas, depois, me dá um sono, com toda aquela
lamentação… Será que não vou aprender nunca?
– Aprenderás, sim. Tenha paciência.
38.6Batem à porta. José atravessa rapidamente o pomar e o quarto e abre.
– A paz esteja convosco, Alfeu e Maria!
– E a vós, paz e bênçãos.
É o irmão de José e sua mulher. Na rua está parado um carro, que veio
puxado por um burrinho forte.
– Fizestes boa viagem?
– Boa. E os meninos?
– Estão lá no pomar, com Maria.
Mas os meninos já saíram correndo para irem saudar à sua mamãe. Vem
chegando também Maria, segurando Jesus pela mão. As cunhadas se beijam.
– Eles têm se comportado bem?
– Muito bem, e são muito queridos. Todos os parentes vão bem?
– Todos. Eles vos saúdam, e vos mandam muitos presentes de Caná.
Uva, maçãs, queijos, ovos, mel. E… José, eu achei justamente o que estavas
querendo para Jesus. Está no carro, naquela cesta redonda.
A mulher de Alfeu sorri. Inclina-se sobre Jesus, que olha para ela com
seus olhos grandes muito abertos, os beija, e diz:
– Sabes o que eu trouxe para ti? Adivinha.
Jesus pensa, e não descobre. Eu desconfio que ele faça assim de
propósito para dar a José a alegria de fazer uma surpresa. De fato, José vem
entrando, e trazendo um grande cesto redondo. Coloca-o no chão, diante de
Jesus, desata a corda que está segurando a tampa no lugar, e a levanta… e
uma ovelhinha toda branca, um verdadeiro floco de espuma, aparece
dormindo, no meio do feno bem limpo.
Jesus solta um “oh!”, admirado e feliz, e quer se precipitar sobre o
animalzinho, mas depois volta atrás, e corre até José, que ainda está
inclinado para o chão, e o abraça e beija, agradecendo-lhe.
Os priminhos olham com admiração a ovelhinha, que despertou, e está
levantando o pequeno focinho rosado e gracioso, procurando a mãe.
Puxam na para fora do cesto, dão-lhe um punhado de trevo, que ela come, olhando
ao seu redor com seus olhos mansos.
Jesus continua a dizer:
– Para Mim! Para Mim! Obrigado, pai!
– Gostaste dela tanto assim?
– Oh! Se gostei… ela é branca, limpa… uma cordeirinha… oh!
E lança os bracinhos ao pescoço da ovelhinha, põe a cabeça loira sobre
a cabecinha branca, e fica todo feliz.
– Também para vós eu trouxe duas –diz Alfeu aos filhos–. Mas são
escuras. Vós não sois ordenados como Jesus, e teríeis tido ovelhas
desordenadas, se fossem brancas. Serão o vosso rebanho. Vós as criareis
juntas, e assim não ficareis mais batendo pernas pelas estradas, vós dois,
jogando pedras como uns moleques.
Os meninos correm para o carro, e ficam olhando as duas outras
ovelhas, mais pretas do que brancas.
Jesus ficou com a sua. Ele a leva ao pomar, dá-lhe de beber, e o
animalzinho o acompanha, como se sempre o tivesse conhecido. Jesus a
chama. Põe-lhe o nome de “Neve”, ao qual ela responde, balindo de modo
todo festivo.
Os hóspedes sentaram-se à mesa, e Maria lhes serve pão, azeitonas e
queijo. Coloca-se à mesa um jarro com cidra, ou água com mel, não sei, mas
vejo que é de um amarelo muito claro.
Falam entre si, enquanto os meninos estão brincando com os três
animais, que Jesus quis que ficassem juntos, para dar também às outras
ovelhas água e um nome:
– A tua, Judas, se chamará “Estrela”, porque tem esse sinal na testa. E a
tua, “Chama”, porque tem a cor de certas chamas de éricas murchas.
– Está aceito.
Os adultos estão conversando, (e é Alfeu quem diz):
– Espero ter resolvido assim a história das brigas dos rapazinhos. Foi a
tua idéia, José, que veio me iluminar. Eu disse: “Meu irmão quer uma
ovelhinha para Jesus, para que ele brinque um pouco. Eu pegarei mais duas
para aqueles garotos, a fim de fazer com que eles fiquem um pouco mais
quietos, e eu não precisar ter sempre questões com os outros pais, por causa
de cabeças e joelhos quebrados. Um pouco a escola, e um pouco as ovelhas,
e eu conseguirei tê-los mais quietos.” 38.7Mas neste ano tu também deverás
mandar Jesus para a escola. Já é hora.
– Eu nunca mandarei Jesus para a escola –diz Maria, decididamente.
É difícil ouvi-la falar assim, e falar antes de José.
– E por que? o Menino precisa aprender para, a seu tempo, ser capaz de
passar no exame de maioridade…
– O Menino saberá. Mas ele não vai à escola. Está decidido.
– Serias a única em Israel a fazer assim.
– Serei. Mas vou fazer assim. Não é verdade, José?
– É verdade. Para Jesus não há necessidade de ir para nenhuma escola.
Maria foi educada no Templo, e é uma verdadeira doutora no conhecimento
da Lei. Ela será a sua mestra. Eu também quero assim.
– Assim, vós acostumais mal o Rapaz.
– Não podes dizer isso. É o melhor de Nazaré. Já o ouviste chorar, fazer
birra, negar obediência, faltar com o respeito?
– Isto não. Mas assim ele se tornará, se continuar a ser viciado.
– Não é viciar os filhos tê-los perto de si. Mas isso é amá-los com bom
senso e bom coração. Assim amamos o nosso Jesus e, visto que Maria é
mais instruída que o mestre, Ela será a mestra de Jesus.
– Quando ficar homem, o teu Jesus será uma mocinha, que terá medo até
de uma mosca.
– Não será assim. Maria é uma mulher forte, e sabe educá-lo virilmente.
Eu não sou nenhum covarde, e sei dar-lhe exemplos viris. Jesus é uma
criança sem defeitos físicos nem morais. Crescerá, por isto, reto e forte no
corpo e no espírito. Fica certo disso, Alfeu. Ele não fará má figura na
família. Além disso, eu já decidi, e assim se fará.
– Maria é que terá decidido, e tu…
– E se tivesse sido assim? Não é bonito que dois que se amam estejam
prontos a ter o mesmo pensamento e a mesma vontade, porque
reciprocamente um abraça o desejo do outro, e o faz seu? Se Maria quisesse
coisas tolas, eu lhe diria: “não.” Mas ela pede coisas cheias de sabedoria, e
eu as aprovo e as faço minhas. Nós nos amamos, como no primeiro dia… e
assim faremos, enquanto estivermos vivos. Não é verdade, Maria?
– Sim, José. E não aconteça nunca, mas, se um tivesse que morrer sem o
outro, ainda assim nos amaríamos.
José acaricia a cabeça de Maria, como se fosse uma filha ainda menina,
e Ela olha para ele com seu olhar sereno e amoroso.
38.8A cunhada intervém:
– Vós tendes razão. Se eu fosse boa para ensinar! Na escola os nossos
filhos aprendem o bem e o mal. Em casa aprendem só o bem. Mas eu não
sei… se Maria…
– Que queres dizer, cunhada? Fala com toda a liberdade. Tu sabes que
eu te amo, e fico alegre quando te posso dar um prazer.
– Eu ia dizendo… Tiago e Judas são um pouco mais velhos do que
Jesus. Eles já vão à escola… mas, pelo que eles sabem!… Jesus, ao
contrário, já sabe tão bem a Lei… Eu queria… te dizer que tivesses também
os dois, quando fores ensinar a Jesus? Eu acho que eles se tornariam
melhores e mais instruídos. Afinal, eles são primos, e que se amem como
irmãos, é justo. E eu ficaria tão feliz!
– Se José assim quer, e o teu marido também, eu estou pronta. Falar para
um e falar para três é a mesma coisa. Repassar toda a Escritura é uma
alegria. Que eles venham.
Os três meninos, que haviam entrado em silêncio, se assentam, e estão à
espera do veredicto.
– Eles vão te pôr desesperada, Maria –diz Alfeu.
– Não. Comigo são sempre bons. Não é verdade que sereis bons, se eu
vos ensinar?
Os dois correm para perto dela, um à direita, o outro à esquerda, põem
lhe os braços ao redor dos ombros, as cabecinhas sobre os ombros, e
prometem fazer tudo para serem bons.
– Deixa-os experimentar, Alfeu, e deixa-me também experimentar. Eu
penso que não ficarás descontente com a experiência. Eles virão todos os
dias, da hora sexta até à tarde. Bastará, podes crer. Eu sei a arte de ensinar
sem cansar. Os meninos ficam quietos e se recreiam, ao mesmo tempo. É
preciso entendê-los, amá-los e ser por eles amados, para conseguir alguma
coisa deles. Vós me amais, não é verdade?
Dois grandes beijos são a resposta.
– Estás vendo?
– Eu estou vendo. Só tenho que te dizer: “Obrigado.” E, Jesus, o que
dirás vendo a mamãe ocupada com os outros? Que dizes, Jesus?
– Eu digo
[64]
: “Felizes os que a estão escutando e que erguem sua
morada junto da morada dela.” Como da Sabedoria, feliz quem é amigo de
minha mãe, e Eu sou feliz se aqueles que eu amo forem amigos dela.
– Mas quem é que põe estas palavras nos lábios do Menino? –pergunta
Alfeu, admirado.
– Ninguém, meu irmão. Ninguém deste mundo.
A visão cessa aqui.
38.9Jesus diz:
– E Maria foi Minha mestra, de Tiago e de Judas. Eis porque nos
amamos como irmãos, não só pelo parentesco, mas pela ciência e por termos
crescido juntos, como três sarmentos de videira sustentados na mesma vara.
A minha mamãe! Doutora, como nenhum outro em Israel, esta minha doce
mãe. Sede da Sabedoria, e da verdadeira Sabedoria, nos instruiu para o
mundo e para o Céu. Digo: “nos instruiu”, porque Eu fui seu aluno, não
diversamente dos primos. E o “sigilo” foi mantido sobre o segredo de Deus,
contra a indagação de Satanás, mantido sob a aparência de uma vida comum.
Ficaste alegre com esta cena suave? Agora, fica em paz. Jesus está
contigo.
[62] a cena da maioridade (prometida hoje 25-11), é um acréscimo que Maria Valtorta inseriu entre as linhas escritas a 29 de
Outubro e se refere à promessa da qual fala no início do capítulo seguinte.
[63] propõe, uma representação a extrair de: Êxodo 32, à qual vem preferida a de: Números 27,12-23; Deuteronómio 31-34.
[64] Eu digo, como em: Provérbios 8,34.
Dê seu testemunho sobre seu encontro com a Divina Vontade