48. João e Tiago falam a Pedro sobre o encontro com o Messias.
12 de outubro de 1944.
48.1Sobre o Mar da Galiléia vem raiando uma belíssima aurora. O céu e a
água têm brilhos rosados, pouco diferentes daqueles que esplendem
suavemente por entre os muros dos pequenos jardins do povoado lacustre,
jardins dos quais se elevam e se deixam ver, quase lançando-se sobre as
vielas as frondes despenteadas e vaporosas das árvores frutíferas.
O povoado começa a despertar, com uma ou outra mulher que vai à fonte
buscar água, ou a algum tanque lavar roupa e com os pescadores que
descarregam as cestas de peixe, fazendo negócio com os mercadores em alta
voz, que vieram de outros lugares, ou levam peixes para casa. Eu disse um
povoado, mas não é tão pequeno. É um tanto humilde, ao menos do lado que
o vejo, embora vasto e extenso na parte mais longa do lago.
48.2 João aparece no fim de uma pequena estrada, indo apressado em
direção ao lago. Tiago o segue, mas muito mais calmo. João olha os barcos
que já chegaram à margem, mas não vê aquele que está procurando. Agora
ele acaba de enxergá-lo, mas está a algumas centenas de metros da beira,
atento às manobras para atracar, e grita bem alto, levando as mãos à boca
com um longo: “Oh-é!”, que deve ser um sinal combinado entre eles. E
depois, quando percebe que o ouviram, agita os braços em gestos largos, que
indicam: “Vinde, vinde!”
Os homens do barco, pensando quem sabe o que, agarram os remos, e o
barco vai mais veloz do que só com a vela, que eles amainaram, talvez para
conseguirem ir mais depressa. Quando estão a uns dez metros da margem,
João não espera mais. Tira o manto e a veste longa, e os lança sobre a praia,
tira as sandálias, levanta a túnica, tendo-a segura com uma mão quase à
virilha, e entrando na água, vai ao encontro dos que estão chegando.
– Por que vós dois não viestes? –pergunta André. Pedro, amuado, não
diz nada.
– E tu, por que não vieste comigo e o Tiago? –responde João a André.
– Eu fui pescar. Não tenho tempo para perder. Tu desapareceste com
aquele homem…
– Eu te havia feito sinal para que fosses. 48.3É Ele mesmo. Se ouvisses
que palavras!… Ficamos com Ele o dia todo e até tarde da noite. E agora,
viemos dizer-vos: “Vinde.”
– É Ele mesmo? Estais certos disso? Nós só o vimos naquele dia em
que o Batista no-lo mostrou.
– É Ele, pois, não o negou.
– Qualquer um pode dizer o que lhe interessa para impor-se aos
crédulos. Já não é a primeira vez… –resmunga Pedro, descontente.
– Oh! Simão. Não digas assim. Ele é o Messias! Ele sabe tudo! Ele te
está ouvindo!
João ficou magoado e consternado com as palavras de Simão Pedro.
– Ora essa! O Messias! E se mostra justamente a ti, a Tiago e André!
Três pobres ignorantes! Vai querer coisas bem diferentes o Messias! Ele me
está ouvindo! Mas, meu pobre rapaz, os primeiros dias do sol da primavera
te fizeram mal. Vamos, vem trabalhar. Será melhor. Deixa de histórias.
– Ele é o Messias, eu te asseguro. João Batista dizia coisas santas, mas
este fala como Deus. Quem não for o Cristo, não pode dizer semelhantes
palavras.
48.4 – Simão, eu não sou um jovenzinho. Eu já tenho muitos anos, sou
calmo e sensato. Tu sabes disso. Eu falei pouco, mas ouvi muito nestas horas
em que estivemos com o Cordeiro de Deus, e eu te digo que verdadeiramente
ele não pode ser senão o Messias. Por que não acreditar? Por que não querer
crer? Tu o podes fazer, porque não o ouviste. Mas eu creio. Somos pobres e
ignorantes? Ele bem disse que veio para anunciar a Boa Nova do Reino de
Deus, do Reino de Paz, aos pobres, aos humildes, aos pequenos, mais do que
aos grandes. Ele disse: “Os grandes já têm as suas delícias. Não são delícias
invejáveis, se comparadas àquelas que Eu venho trazer. Os grandes já têm
seu modo de chegar a compreender, somente pela força do estudo. Mas Eu
venho aos ‘pequenos’ de Israel e do mundo, àqueles que choram e esperam,
àqueles que procuram a Luz e têm fome do verdadeiro Maná; não é pelos
doutos que a luz e os alimentos são doados, pois o que eles dão é somente
opressão, escuridão, prisão e desprezo. Eu chamo os ‘pequenos.’ Eu vim
para virar o mundo de cabeça para baixo. Porque Eu abaixarei o que agora
está no alto, e elevarei o que agora está sendo desprezado. Quem quer
verdade e paz, quem quer vida eterna, venha a Mim. Quem ama a Luz, venha.
Eu sou a Luz do mundo.” Não foi assim que Ele disse, João?
Tiago falou de modo calmo, mas comovido.
– Sim. E Ele disse ainda: “O mundo não me amará. O grande mundo,
porque se corrompeu com vícios e comércios idolátricos. O mundo aliás,
não me quererá. Porque, como filho das Trevas, não ama a Luz. Mas a terra
não é feita só do grande mundo. Nela existem aqueles que, mesmo estando
misturados com todos, do mundo não são. Há alguns que são do mundo,
porque nele foram aprisionados como os peixes pela rede”: ele falou
justamente assim, porque nós estávamos conversando à margem do lago e
Ele apontava as redes que vinham arrastadas com os peixes para a praia.
Disse mais: “Vede. Nenhum daqueles peixes queria cair na rede. Também os
homens, intencionalmente, não iriam querer cair como presas de Mamon.
Nem mesmo os mais malvados porque estes, pela soberba que os cega, não
crêem que não tenham o direito de fazer o que fazem. O verdadeiro pecado
deles é a soberba. Deste pecado nascem todos os outros. Mas aqueles que
não são completamente maus, ainda mais não iriam querer ser de Mamon.
Eles caem por leviandade, por um peso que os arrasta para o fundo, que é a
culpa de Adão. Eu vim para tirar aquela culpa e para dar, na esperança da
hora da Redenção, uma tal força aos que em Mim crerem, que será capaz de
livrá-los do laço que os prende, tornando-os livres para Me seguirem: a Luz
do mundo!”
48.5 – Mas, então, se Ele falou mesmo assim, é preciso irmos para Ele, e
logo.
Pedro, com os seus impulsos tão sinceros, que me agradam tanto, de
repente decidiu, e já vai começando a fazer o que decidiu, apressando-se
para acabar os trabalhos da descarga, pois o barco já chegou à margem, e os
empregados já o puxaram para fora d’água, descarregando também as redes,
as cordas e o velame.
– E tu, André, por que foste tão tolo, para não teres ido com eles?
– Mas, Simão! Tu me censuraste, porque eu não consegui fazer que eles
viessem comigo. A noite inteira ficaste resmungando isso, e agora me
censuras porque eu não fui com eles?!…
– Tens razão… Mas eu não o tinha visto… E tu, sim… Deves ter visto
que Ele não é como nós… Ele deve ter alguma coisa de mais belo do que os
outros!…
– Oh! Sim –diz João–. Ele tem um rosto! Uns olhos! Não é verdade,
Tiago? Uns olhos! E uma voz!… Oh! Que voz! Quando Ele fala, dá a
impressão de que estás no Paraíso.
– Depressa, depressa! Vamos procurá-lo. Vós (fala aos empregados),
levai tudo para Zebedeu, e dizei-lhe que faça o que for preciso. Nós
voltaremos esta noite para a pesca.
Vestem-se todos de novo, e põem-se a caminho. 48.6Mas Pedro, depois de
andar uns metros pára, agarra João por um braço, e lhe pergunta:
– Disseste que Ele sabe tudo e que ouve tudo…
– Sim. Imagina que quando nós, vendo a lua alta, dissemos: “Que é que
estará fazendo o Simão?”, Ele disse: “Ele está lançando a rede e não se
conforma em ter que fazer isso sozinho, porque vós não saístes com o barco
gêmeo, justamente numa noite de tão boa pesca… Ele não sabe que, daqui a
pouco, não pescará senão com outras redes e que os peixes que apanhará
serão outros.”
– Misericórdia divina! É verdade! Então, Ele ouviu também… também o
que eu disse, julgando-O menos do que um mentiroso… Eu já não posso ir
até Ele.
– Oh! Ele é muito bom. Certamente sabe que tu pensaste assim. Ele já o
sabia. Porque, quando nós O deixamos, dizendo que viríamos a ti, Ele disse:
“Ide. Mas não vos deixeis vencer pelas primeiras palavras de escárnio.
Quem quer vir Comigo, deve saber ter a cabeça erguida, diante das
zombarias do mundo e das proibições dos parentes. Porque Eu estou acima
do sangue e da sociedade, e triunfo sobre eles. E quem está Comigo, também
triunfará eternamente.” E disse também: “Sabeis falar sem medo. Quem vos
ouvir, virá, porque é homem de boa vontade.”
– Ele falou assim? Então, eu vou. 48.7Fala, vai falando Dele, enquanto
vamos indo. Onde Ele está?
– Em uma pobre casa. Deve ser de pessoas amigas.
– Mas, Ele é pobre?
– É um operário de Nazaré. Assim Ele disse.
– E de que vive agora, se não está mais trabalhando?
– Não lhe perguntamos. Talvez os parentes O estejam ajudando.
– Melhor seria levarmos peixes, pão, frutas… alguma coisa. Vamos
perguntar a algum rabi, pois Ele é mais do que um rabi, mas de mãos
vazias!… Os nossos rabinos não querem ser assim…
– Mas Ele quer. Não tínhamos mais do que vinte moedas, eu e o Tiago
juntos, e oferecemos a Ele, como é costume fazer com os rabinos. Mas Ele
não as queria. Nós, então, insistimos e Ele disse: “Deus vo-los restitua, nas
bênçãos dos pobres. Vinde Comigo”, e prontamente as distribuiu aos
pobrezinhos, que Ele sabia onde moravam, e a nós, que estávamos
perguntando: “E para Ti, Mestre, não guardas nada?”, Ele respondeu: “A
alegria de fazer a vontade de Deus e de servir à sua glória.” Nós lhe
dissemos também: “Tu nos estás chamando, Mestre. Mas nós somos todos
pobres. Que é que te devemos trazer?” Ele nos respondeu com um sorriso,
que nos fez sentir o gosto do Paraíso: “Um grande tesouro quero de vós.”
Nós Lhe dissemos: “Mas … nada temos?” E Ele respondeu: “É um tesouro
de sete nomes, que até o mais pobre pode ter, mas o rei mais rico não pode
possuir; vós o tendes, e Eu o quero. Ouvi os nomes deste tesouro: caridade,
fé, boa vontade, reta intenção, continência, sinceridade e espírito de
sacrifício. Isto Eu quero de quem me segue, só isto, e vós o tendes. Está
dormindo como uma semente, sob um solo invernal, mas o sol da minha
primavera o fará nascer em setêmplice espiga.” Assim Ele falou.
– Ah! Isto me assegura que é o verdadeiro Rabi, o Messias prometido.
Não é duro com os pobres, não pede dinheiro… Basta isto para chamá-lo o
Santo de Deus. Vamos tranqüilos.
E tudo termina
Dê seu testemunho sobre seu encontro com a Divina Vontade