CAPÍTULO 21
O ALTÍSSIMO ORDENA À MARIA SANTÍSSIMA TOMAR O ESTADO D E MATRIMÔNIO.
Maria recebe ordem para abraçar o estado de matrimônio
742. Aos treze anos e meio de idade, estando muito crescida, nossa
formosíssima princesa Maria puríssima, teve outra visão abstrativa da divindade,
pela mesma ordem e forma que as outras deste gênero já referidas. Nesta visão, podemos dizer, aconteceu o mesmo que a
Escritura narra de Abraão, quando Deus lhe mandou sacrificar seu querido filho
Isaac, único penhor de todas suas esperança. Tentou Deus a Abraão, diz Moisés
(Gn 22,1-2), experimentando e examinando a sua pronta obediência para coroá-la.
De nossa grande Senhora também podemos dizer, foi nesta visão tentada
por Deus, ao mandar-lhe tomar estado de matrimônio. Daqui também compreendemos a verdade destas palavras: Quão
ocultos são os juízos do Senhor, e quanto se elevam seus caminhos (Rm 11, 33) e pensamentos acima dos nossos! (Is 55,9)
Distanciavam-se como o céu da terra, os de Maria Santíssima, daqueles que o Altíssimo
lhe manifestou, ao lhe ordenar receber esposo para sua guarda e companhia. Em
toda a vida, quanto era de sua vontade, havia proposto não ter esposo (,)
, renovando o voto de castidade que tão cedo havia feito.
Perplexidade de Maria
743. Ao entrar no templo a divina princesa Maria, o Altíssimo celebrara com
Ela aquele solene desposório que acima descrevi . Fora confirmado pela aprovação do voto de castidade que então Ela fez,
na presença e glória de todos os espíritos angélicos. A candidíssima pomba renunciar a toda ligação humana, sem preocupação, desejo e esperança de afeto de qualquer criatura, totalmente entregue e transformada no puro e casto amor daquele
sumo bem que nunca falta. Sabia que seria mais casta amando-O, mais pura tocando0, e mais virgem recebendo-O.
Possuindo esta certeza, qual seria a admiração e surpresa produzida no inocentíssimo coração desta divina donzela, a ordem do Senhor?
Sem outras explicações, ordenava recebesse por esposo homem terreno, a Ela que vivia convencida de ter por esposo somente a
Deus? Maior foi esta prova que a de Abraão (Gn 22), pois este não amava tanto Isaac,
quanto Maria Santíssima estimava sua intacta castidade.
Resposta de Maria
744. Não obstante, a tão inesperado mandato, suspendeu a prudentíssima
Virgem o próprio juízo, e somente o usou para crer e esperar, mais que Abraão, contra toda a esperança (Rm 4,18).
Respondeu ao Senhor: – Eterno Deus de incompreensível majestade, Criador do céu e da terra e de tudo quanto eles
contém; vós, Senhor, que pesais os ventos (Jó 28, 25) e com vosso império pondes
termo ao mar (Sl 103,9) e tudo submeteis à vossa vontade (Est 13,9), podeis dispor
deste vil bichinho conforme vosso agrado, sem faltar ao que vos prometi.
Sem me desviar, meu bem e Senhor, de vosso gosto, de novo confirmo
ratifico meu desejo de ser casta durante toda a vida, e ter a vós por meu dono
e Esposo. Já que a mim só compete, como criatura vossa, obedecer-vos, olhai, Esposo meu, que a vós pertence defender
minha humana fraqueza, neste compromisso em que vosso amor me coloca.
Inquietou-se um pouco na parte inferior a castíssima donzela Maria, como
sucedeu depois com a embaixada do arcanjo São Gabriel (Lc 1,9). Esta tristeza,
porém, não lhe diminuiu a heróica obediência que até então mostrara,
abandonando-se completamente nas mãos do Senhor.
Sua Majestade lhe respondeu:
Maria, não se perturbe teu coração, que tua submissão me é agradável. Meu
poderoso braço não é dependente de lei alguma, por minha conta correrá o que a Ti melhor convier.
Deus revela sua vontade ao sumo sacerdote
745. Com esta única promessa do Altíssimo, voltou Maria Santíssima da
visão a seu ordinário estado. Entre a perplexidade e a esperança, nas quais a deixaram a ordem e promessas divinas,
continuou apreensiva. Obrigou-a o Senhor
por este meio, a multiplicar com lágrimas
novos afetos de amor, confiança, fé, humildade, obediência, castidade puríssima
e outras virtudes que seria impossível referir.
Neste ínterim, que nossa grande Princesa preenchia com orações, ânsias e
prudente e resignada apreensão, falou Deus em sonhos ao sumo sacerdote, o santo
Simeão. Mandou-lhe providenciar estado de matrimônio para Maria de Nazaré, filha
de Joaquim e Ana, porquanto Sua Majestade lhe dedicava especial cuidado e amor.
Perguntou o santo sacerdote a Deus, qual era a pessoa, a quem sua vontade desejava dar Maria por esposa.
Ordenou-lhe o Senhor que reunisse os outros sacerdotes e mestres, e lhes propusesse como aquela donzela era órfã e só,
não tendo vontade de se casar. No entanto, de acordo com o costume de as
primogênitas não saírem do templo sem tomar estado, era conveniente que o fizesse, com quem mais a propósito lhes
parecesse.
Reunião dos sacerdotes
746. Obedeceu o sacerdote Simeão à ordem divina. Reuniu os demais,
deu-lhes notícia da vontade do Altíssimo, e lhes propôs a estima que Sua Majestade
votava por aquela donzela, Maria de Nazaré, conforme lhe havia revelado. Achando-se no templo e não tendo pais, era
obrigação deles protegê-la, e procurar esposo digno de mulher tão honesta, virtuosa
e de costumes irrepreensíveis, como todos tinham verificado durante sua permanência no templo.
Além disto, era pessoa muito distinta pela sua condição, seus bens e demais
qualidades, exigindo se ponderasse bem, a quem tudo entregar. Acrescentou ainda
que Maria de Nazaré não desejava abraçar o estado de matrimônio, mas que não era
justo sair do templo sem se casar, por ser órfã e primogênita.
Decisão dos sacerdotes
747. Estudado o caso em reunião, movidos todos por inspiração e luz do céu,
determinaram os sacerdotes que, em negócio que tanto se desejava acertar e em que
o mesmo Senhor havia manifestado seu beneplácito, convinha inquirir sua santa
vontade sobre o restante.
Pedir-lhe-iam designasse, por algum modo, a pessoa mais indicada para
esposo de Maria, da casa e linhagem de David, em cumprimento da lei. Marcaram
para isto um dia, em que reuniriam no templo todos os homens livres e solteiros
dessa linhagem, que então se encontravam em Jerusalém.
Esse dia ocorreu no mesmo em que a Princesa do céu completava catorze
anos de idade. Como era necessário comunicar-lhe essa resolução e pedir-lhe o
consentimento, o sacerdote Simeão chamou-a e lhe expôs a intenção dele e dos
demais sacerdotes, em que lhe dar esposo, antes que ela deixasse o templo.
Resposta de Maria
748. Cheia de virginal pudor, a prudentíssima Virgem, com grande modéstia e humildade, respondeu ao sacerdote: –
Quanto é de minha vontade, Senhor meu, sempre desejei guardar perpétua castidade, dedicando-me a Deus e ao seu serviço
neste santo templo, em agradecimento pelos grandes bens que Dele tenho recebido. Jamais tive intenção, nem inclinação ao
estado de matrimônio, julgando-me incapaz para os cuidados que acarreta. Esta é minha inclinação, porém, vós senhor, que
estais no lugar de Deus, me ensinareis o que for de sua santa vontade.
– Minha filha, replicou o sacerdote, vossos santos desejos serão aceitos pelo Senhor.
Adverti, porém, que nenhuma das donzelas de Israel se abstêm do matrimônio, enquanto aguardamos, conforme as profecias, a vinda do Messias,
julgando-se feliz e abençoada a que tem sucessão de filhos em nosso povo. No estado de matrimônio podeis servir a Deus
com muito fervor e perfeição. Para que tenhais quem vos acompanhe e se conforme a vossas intenções, faremos oração,
pedindo ao Senhor, como vos disse, indique diretamente o esposo que esteja mais
de acordo com sua divina vontade, escolhido entre os descendentes de David.
Pedi o mesmo, com oração contínua, para que o Altíssimo vos atenda e nos guie a todos.
Maria contínua suas orações; resposta divina
749. Isto aconteceu nove dias antes do marcado para a última decisão e
execução do que fora combinado. Durante este tempo, com incessantes lágrimas e
suspiros, a santíssima Virgem multiplicou suas petições ao Senhor, pedindo o cumprimento de sua divina vontade, no que lhe
parecia ser tão importante.
Num destes nove dias, apareceu-lhe o Senhor e lhe disse: – Esposa e pomba
minha, acalma teu aflito coração, não se perturbe nem contriste. Estou atento a teus
desejos e súplicas, tudo dirijo e o sacerdote se guia por minha luz. Dar-te-ei esposo
que não contrarie teus desejos, mas com minha graça te ajudará neles. Escolherei
entre meus servos um homem perfeito, segundo meu coração.
Meu poder é infinito e não te faltará minha proteção e amparo.
Maria pede a proteção divina
750. Respondeu Maria Santíssima: – Sumo bem e amor de minha alma,
bem conheceis o segredo de meu coração e os desejos que nele depositastes, desde
o instante que de Vós recebi o ser. Conservai-me, pois, Esposo meu, casta e pura,
como por Vós e para Vós me desejastes.
Não desprezeis meus suspiros, não afasteis de vossa divina face. Atend^
Senhor e dono meu, que sou pobre fraca e vil vermezinho, desprezível por minha
baixeza. Se no estado do matrimônio fraquejar, faltarei a Vós e a meus desejos
Disponde meu seguro acerto, não Vos negueis a isso pelo que tenho desmerecido.
Ainda que seja pó inútil (Gn 18, 27) clamarei aos pés de vossa grandeza, esperando, Senhor, em vossas infinitas misericórdias.
Os anjos consolam e exortam Maria
751. Recorria também a castíssima donzela e seus santos anjos, aos quais
excedia na santidade e pureza, e muitas vezes conferia com eles as apreensões de
seu coração, a respeito do novo estado que a esperava.
Disseram-lhe certo dia os santos espíritos: – Esposa do Altíssimo, já que não
podeis ignorar nem esquecer este título, ainda menos o amor que Ele vos tem, e que
é todo poderoso e leal, sossegai, Senhora, vosso coração, antes faltarão céus e terra
(Mt 24,35) do que a verdade e cumprimento de suas promessas. Por conta de vosso
Esposo correm vossos interesses. Seu poderoso braço, que impera sobre os elementos e criaturas, pode suspender as
impetuosas vagas e impedir a força da ação natural, para que nem o fogo queime, nem
a terra pese. Seus altos desígnios são ocultos e santos, seus decretos, retíssimos e
admiráveis. As criaturas não podem compreendê-los, mas devem reverenciá-los. Se
sua grandeza deseja que o sirvais no matrimônio, melhor será para vós nele agradar-lhe do que desgostá-lo em outro estado. Sua Majestade, sem dúvida, fará convosco o melhor, mais perfeito e santo, ficai certa de suas promessas.
Com esta exortação angélica, sossegou um pouco nossa Princesa de seus
cuidados. Pediu-lhes novamente a assistissem, guardassem e apresentassem ao
Senhor sua submissão, aguardando o que sobre Ela ordenasse seu divino beneplácito.
DOUTRINA QUE ME DEU A PRINCESA DO CÉU.
Os desígnios de Deus são insondáveis
752. Filha minha caríssima, altíssimos e veneráveis são os juízos do
Senhor, e as criaturas não os devem inquirir, pois não os podem penetrar.
Mandou-me Sua Alteza tomar estado de matrimônio, sem me explicar a razão desta ordem.
Era conveniente que assim fosse, para que minha maternidade se justificasse perante
o mundo que, enquanto ignorava o mistério, consideraria o Verbo humanado em
meu seio como filho de meu esposo. Foi também oportuno, para o esconder de
Lúcifer e seus demônios que, enfurecidos contra mim, procuravam atacar-me com
sua furibunda cólera. Quando me viu seguir o comum estado das mulheres casadas,
iludiu-se, crendo não ser possível ter esposo humano e ser Mãe do mesmo Deus. Com
isto, sossegou um pouco e deu alguma trégua à sua malícia. Outros fins, agora
conhecidos, teve em vista o Altíssimo ao fazer-me desposar, mas então me foram
ocultas porque assim convinha.
Absoluta confiança em Deus
753. Quero que entendas, minha filha, ter sido para mim a maior dor e aflição,
de quantas até aquele dia padecera, saber
que teria um homem por esposo, não me
revelando o Senhor o mistério encerrado
em tal fato. Se nesta pena não fosse confortada por sua virtude divina, e não me
conservasse a confiança, ainda que obscura, houvera perdido a vida nessa dor.
Por este sucesso ficarás instruída, qual deve ser a sujeição da criatura à
vontade do Altíssimo, e como lhe deve submeter o curto entendimento,
sem esquadrinhar os elevados e ocultos desígnios
do Senhor. Quando se apresentar alguma dificuldade ou perigo no que o Senhor lhe
dispõe e ordena, saiba a criatura confiar Nele. Creia que não a coloca em tal situação
para abandoná-la, mas para fazê-la vitoriosa, se de sua parte cooperar com o auxílio
do mesmo Senhor. Mas, se antes de crer e obedecer, deseja a alma esquadrinhar os
juízos de sua sabedoria, saiba que defrauda a glória e grandeza de seu Criador, e ao
mesmo tempo perde o próprio mérito.
Docilidade às inspirações divinas
754. Eu reconhecia o Altíssimo por superior a todas as criatura, sem ter
necessidade de nosso raciocínio. Deseja apenas a submissão da nossa vontade, pois
à criatura não cabe lhe dar conselho, mas só obediência e louvor. Não obstante, ignorar o que Ele me reservaria no estado
de matrimônio, e me afligir muito pelo amor da castidade, esta dor e pena não me
levaram à curiosa inquirição. Serviram para que minha obediência fosse mais excelente e agradável a seus olhos. Por este
exemplo, deves regular a sujeição que hás de ter em tudo o que entenderes ser do
gosto de teu Esposo e Senhor, entregando-te ao seu cuidado, e à certeza de suas
infalíveis promessas. Tendo aprovação de seus sacerdotes e teus prelados, deixa-te
governar, sem resistir a seus mandatos e as divinas inspirações.
Dê seu testemunho sobre seu encontro com a Divina Vontade