O mês de maio é tradicionalmente dedicado a uma meditação mais fervorosa sobre os mistérios da Virgem Maria e do papel que ela ocupa na Igreja como mãe e advogada dos cristãos. Romarias, orações comunitárias do Santo Terço, novenas, Missas e outras manifestações de piedade para com a Mãe de Deus costumam acontecer em vários lugares. Trata-se de um carinho todo filial que os católicos procuram ofertar à Virgem, aquela que nos trouxe a salvação, a “Mãe de meu Senhor”, como diria Santa Isabel (cf. Lc 1, 43).

Maio é também o mês em que nossos olhares se voltam para a cidade de Fátima, em Portugal, onde há quase cem anos a Virgem Maria aparecia a três criancinhas, os videntes Francisco, Jacinta e Lúcia, pedindo-lhes que rezassem pela conversão dos pecadores e pelo triunfo de Seu Imaculado Coração. Ainda hoje, os famosos segredos de Fátima são causa de muita especulação e curiosidade dentro e fora da Igreja.

A pergunta que queremos responder hoje, no entanto, é esta: de que maneira os fiéis católicos podem prestar maiores homenagens à Virgem Santíssima, a partir de aparições como as de Fátima e tantas outras já testemunhadas na história da Igreja?

O papel e o limite das “revelações privadas”

Os eventos de Fátima, assim como as demais aparições da Virgem Maria, pertencem àquele gênero de revelações que a Igreja chama de “privadas”. Na definição de alguns teólogos, essas revelações consistem em uma “manifestação visível de um ser cuja visão naquele lugar ou naquele momento é inusitada e inexplicável segundo o curso natural das coisas” [1]. Uma vez que não fazem parte do depósito da fé, nenhum católico é obrigado a aceitá-las com o obséquio da fé, embora sejamos docilmente convidados a “discernir e guardar o que nestas revelações constitui um apelo autêntico de Cristo ou dos seus santos à Igreja”. Como resume o Catecismo, o papel delas “não é ‘aperfeiçoar’ ou ‘completar’ a Revelação definitiva de Cristo, mas ajudar a vivê-la mais plenamente, numa determinada época da história” [2].

É preciso que todos os fiéis tenham muito claras essas noções, a fim de que não caiam ingenuamente em radicalismos e falsos messianismos, como sói acontecer em muitas ocasiões. A credulidade excessiva em muitas “profecias” e “revelações” — que, aliás, nem sequer foram ainda reconhecidas pela Igreja — pode incorrer num grave pecado contra a fé, conforme o que já alertava São João: “Caríssimos, não deis fé a qualquer espírito, mas examinai se os espíritos são de Deus, porque muitos falsos profetas se levantaram no mundo” (1 Jo 4, 1).

A Igreja age com salutar prudência todas as vezes que uma “revelação privada” surge. Essa atitude se justifica por razões teológicas e pastorais. Imaginem como seria danoso a uma comunidade descobrir, após grandes manifestações de adesão, que uma determinada “revelação” ou “mensagem celestial” não passava de charlatanismo. Ou ainda as consequências nocivas que tais “revelações” podem acarretar à obediência e à credibilidade da Igreja — especialmente por causa da grande repercussão que esses assuntos ganham pelos meios de comunicação —, quando pretendem “ultrapassar ou corrigir a Revelação de que Cristo é a plenitude” [3].

No que precisa crer o fiel católico? Na Revelação de Deus, encerrada com a morte do último apóstolo, e transmitida pela Igreja, quer por via oral, quer por escrito. Assim se expressou o Sagrado Concílio Vaticano I:

Deve-se, pois, crer com fé divina e católica todas as coisas que estão contidas na Palavra de Deus escrita ou transmitida pela Tradição, e que, pela Igreja, quer em declaração solene, quer pelo Magistério ordinário e universal, nos são propostas a ser cridas como reveladas por Deus [4].

Isso significa que o objeto material da fé católica corresponde àquilo que está exposto nas Sagradas Escrituras, nos símbolos apostólicos — os doze artigos do Credo — e no ensinamento perene da Igreja. Duas são as fontes da divina Revelação: a Tradição e as Sagradas Escrituras. Ambas constituem o depósito da fé, cuja tutela e interpretação são de responsabilidade do Magistério da Igreja.

No caso dos dogmas, por sua vez, somos obrigados a acolhê-los diligentemente porque, ao contrário dos protestantes, nossa fé não se fundamenta em juízos particulares, mas no juízo dos pastores, que são assistidos pelo poder do Espírito Santo e, que, portanto, não se enganam. Conforme explica o padre Royo Marín, “isso se dá porque não podemos ter certeza de que conhecemos e acolhemos o autêntico testemunho de Deus a não ser pela luz profética (que ilumina somente aqueles que recebem diretamente a divina revelação) ou pela proposição infalível da Igreja” [5]. Essas proposições podem manifestar-se de dois modos: por uma declaração solene de um Papa ou de um Concílio — a chamada declaração ex cathedra — ou por meio do Magistério ordinário e universal — ou seja, o ensinamento comum feito pelo Papa e pelos bispos reunidos a ele daquilo que é a fé de sempre da Igreja: “quod ubique, quod semper, quod ab omnibus — o que [foi crido] em todo lugar, sempre e por todos”, diria São Vicente Lérins [6].

Com relação à Virgem Maria, quatro dogmas já foram solenemente proclamados: a Maternidade Divina, a Virgindade Perpétua, a Imaculada Conceição e a Assunção. Ao fiel católico já não é permitido questionar nenhum desses dogmas, sob pena de cair em graves heresias, porque “recusar fé a uma só doutrina da Igreja é não possuir fé” [7]. Existem, por outro lado, as piedosas opiniões, que nada mais são do que “uma verdade admitida pela Igreja desde tempo imemorial, mas ainda não declarada como revelada por Deus” [8]. É o caso da “mediação universal” de Maria e da sua “corredenção”.

Como discernir as aparições marianas

O apóstolo São Tiago e seus discípulos prestam culto a Nossa Senhora do Pilar. Pintura de Francisco Goya.

A primeira aparição mariana de que se tem notícia é a de Zaragoza, Espanha, ainda nos tempos apostólicos. Os relatos dão conta de que Nossa Senhora aparecera a São Tiago para confortá-lo acerca da conversão dos espanhóis, que se mostrava muito difícil. Essa aparição deu origem ao título de Nossa Senhora do Pilar, proclamada padroeira da Espanha.

Basicamente, as aparições marianas sempre tiveram uma conotação apologética. Na maior parte de suas mensagens, a Virgem pede por uma conversão dos costumes e pela reparação às ofensas contra Seu Filho Jesus, num contexto em que algum artigo da sã doutrina cristã se encontra visivelmente ameaçado. Como citamos anteriormente, o papel das “revelações privadas”, quando verdadeiras, é fazer com que o depósito da fé seja acolhido e vivido “mais plenamente, numa determinada época da história”. Não se trata de uma nova revelação ou dogma, mas de um incentivo a uma vida mais coerente com o Evangelho revelado. É por isso que a Igreja também alerta para o risco daquele racionalismo crítico que faz “duvidar até das revelações privadas aprovadas pela Igreja […], que, sem pertencer ao depósito da revelação nem ser objeto de fé divina, seria presunçoso e temerário rechaçar” [9].

Com o decorrer dos séculos e a repercussão que esse tipo de fenômeno costuma ter, sobretudo com a participação dos meios de comunicação, a Santa Sé decidiu elencar alguns requisitos básicos para o reto discernimento das aparições, que levam em consideração aspectos positivos e negativos, “a fim de que a devoção suscitada entre os fiéis por acontecimentos deste tipo possa manifestar-se no respeito da plena comunhão com a Igreja e dar frutos, dos quais a própria Igreja possa discernir em seguida a verdadeira natureza dos acontecimentos” [10]. Ei-los aqui:

Quando a Autoridade eclesiástica for informada sobre uma presumível aparição ou revelação, será sua tarefa:

a) em primeiro lugar, julgar sobre o fato segundo critérios positivos e negativos (cf. infra, n. I);

b) em seguida, se este exame chegar a uma conclusão favorável, permitir algumas manifestações públicas de culto ou de devoção, prosseguindo na vigilância sobre elas com grande prudência (isto equivale à fórmula: «pro nunc nihil obstare»);

c) finalmente, à luz do tempo transcorrido e da experiência, com especial relação à fecundidade dos frutos espirituais gerados pela nova devoção, expressar um juízo de veritate et supernaturalitate, se o caso o exigir. [11]

É fundamental que haja o devido respeito a essas normas para que não se crie o risco de divisão no seio da comunidade. De fato, o diabo pode muito bem aproveitar-se da inocência de alguns fiéis, como já aconteceu inúmeras vezes, inculcando-lhes falsas mensagens celestiais, que perturbam a ordem do culto a Deus. Além disso, os videntes não são pessoas infalíveis, de modo que as mensagens que eles recebem correm o risco de se confundirem com os seus próprios pensamentos. É a autoridade da Igreja que pode julgar com segurança esses fatos.

No final do século XIX e início do século XX, Maria visitou-nos com espantosa regularidade. Medalha Milagrosa, La Salette, Lourdes e Fátima constituem como que o ápice dessas visitas, cuja mensagem era uma só: reparação e conversão. Os frutos benéficos produzidos por essas mesmas aparições ainda hoje podem ser vistos e colhidos, de tal forma que os próprios Romanos Pontífices se referem a eles em suas exortações e programas de pontificado. É, portanto, muito salutar que os fiéis abram os ouvidos ao testemunho das aparições marianas, segundo o critério da Madre Igreja, com vistas para uma autêntica renovação dos costumes e um vigoroso crescimento na fé.

Referências

  1. René Laurentin, “Aparições – II Parte: Aspectos Históricos”, in DE FIORES, Stefano e MEO, Salvatore (org.). Dicionário de Mariologia. São Paulo: Paulus, 1995, p. 116.