Livro do céu volume 1 – 17
Agora, essa dura batalha, embora não me lembre muito bem,
entre dias ou semanas separadas, durou três anos18. Ainda que
não parassem por completo, começaram a mitigar19. Lembro-
me de que, depois de uma Comunhão, o Senhor me ensinou
como eu deveria fazer para os pôr em fuga, que era desprezá-los
e não lhes prestar nenhuma atenção, e que eu deveria fingir
que eram tantas formigas. Senti-me infundir tanta força que
não sentia mais o medo de antes, e fazia assim: Quando faziam
um barulho, rumores, eu lhes dizia: “se vê que não têm nada que
fazer, e que para passar o tempo estão fazendo tantas tonteiras; façam,
façam, que depois quando se cansarem, terminarão”. Às vezes
paravam, outras vezes ficavam tão zangados que faziam ruídos
mais altos. Eu os sentia ao meu lado, tornando-se mais fortes e
faziam violência para me levar; podia sentir o cheiro horrível
ao calor do fogo. É verdade que no meu íntimo sentia um
estremecimento, mas me compelia e lhes dizia: “Mentirosos que
sois! Se isto fosse verdade desde o primeiro dia o haveriam feito, mas
como é falso e que não tendes nenhum poder sobre mim, exceto aquele
que vos é dado do Alto, por isso digam, digam, e depois quando vos
cansardes, morrereis.
Se pois gemiam e gritavam lhes dizia: “O quê, não saíram bem
as coisas hoje? Lamentai-vos porque vos foi tirada alguma alma?
“Pobrezinhos, não se sentem bem, porém quero também eu fazê-los
lamentar outro pouco”. E começava a rezar pelos pecadores, ou a
fazer reparações. Às vezes ria-me quando começavam a fazer
as coisas habituais e lhes dizia: “Como posso temê-los, raça vil? Se
fossem seres sérios não teriam feito tantas tolices, vocês mesmos, não
se envergonham? Não façam o que os torna ridículos”
Depois, se me punham tentações de blasfemar ou de odiar a
Deus, oferecia aquela pena amarguíssima, aquela violência que
me faziam, porque enquanto via que o Senhor merecia todo o
amor, todos os louvores, eu era forçada a fazer o contrário, em
reparação de tantos que livremente o blasfemam e que nem
sequer se lembram que existe um Deus, e que estão obrigados
a amá-lo.
Se me incitavam ao desespero, em meu interior dizia: “Não
presto atenção nem no paraíso nem no inferno, a única coisa que me
apressa é amar a meu Deus, este não é tempo de pensar em outra coisa,
senão que é tempo de amar quanto mais possa a meu bom Deus, o
paraíso e o inferno os deixo em suas mãos, e Ele, que é tão bom, me
dará o que mais me convém, e me dará um lugar onde possa glorificálo mais”.
Jesus Cristo ensinou-me que o meio mais eficaz para fazer
com que a alma fique livre de toda vã apreensão, de toda
dúvida, de todo temor, era declarar, diante do Céu, da terra e
diante dos próprios demônios, não querer ofender a Deus,
mesmo à custa da própria vida, não querer consentir a qualquer
tentação do demônio. E isso, se pode fazer assim que a alma
adverte que vem a tentação, no momento da batalha, e à
medida que começa a se sentir livre, e também durante o curso
do dia. Fazendo assim, a alma não perderá tempo em pensar se
consentiu ou não, porque só recordar a promessa lhe restituirá
a calma, e se o demônio busca inquietá-la, poderá responder-lhe que
se tivesse tido intenção de ofender a Deus, não teria
declarado o contrário, e assim ficará livre de todo temor. Agora,
quem pode dizer a raiva do demônio? Pois agindo assim todas
as suas astúcias resultavam para sua confusão, e onde
acreditava ganhar, perdia, já que de suas próprias tentações e
artifícios a alma se servia para poder fazer atos de reparação e
amor ao seu Deus.
O outro modo que me ensinou para afastar as tentações foi
o seguinte: se me tentavam ao suicídio, eu devia responder:
“Não tendes nenhuma permissão de Deus, e mais: para vosso despeito
quero viver para poder amar mais a meu Deus”. Se eu fosse
espancada, eu deveria me humilhar, ajoelhar e agradecer ao
meu Deus porque isso acontecia como penitência pelos meus
pecados, e não só isso, mas oferecer tudo como atos de
reparação por todas as ofensas feitas a Deus no mundo.
Finalmente, uma tentação feia que durou pouco, por cerca
de um ano e meio com os demônios tão horríveis, eu devia ficar
grávida e depois parir um pequeno demônio com chifres.
Minha fantasia crescia tanto que eu me via diante de uma
confusão horrível, pelo que se teria dito de mim por tão
espantoso acontecimento.
Livro do céu volume 1 – 17 – Vitória na prova contra as tentações.
Livro do céu volume 1 – 17 – Vitória na prova contra as tentações.
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