Meditação deste capítulo
Capítulo 1 – Tomo 1 – Trechos
A Mulher do Apocalipse
5. Neste momento vi riquíssimo véu encobrindo um tesouro, e minha vontade se excitava para afastá-lo e descobrir
o oculto mistério que a inteligência entrevia. A este meu desejo foi-me advertido: -Obedece, alma, ao que se te admoesta e manda; despe-te de ti mesma e então verás.
Propus emendar minha vida e vencer minhas inclinações, chorava e suspirava do íntimo da alma para me ser
manifestado aquele bem; e assim como ia propondo, também ia se levantando o véu que escondia meu tesouro. Quando se afastou inteiramente, viram meus olhos interiores o que não saberei dizer, nem explicar com palavras.
Vi um grande e misterioso sinal no céu: uma mulher, uma senhora e formosíssima rainha coroada de estrelas,
vestida de sol, tendo a lua a seus pés (Ap 12,1).
Disseram-me os santos anjos: – Esta é aquela ditosa mulher que São João viu no Apocalipse, e onde estão
compendiados, depositados e selados os maravilhosos mistérios da Redenção.
Favoreceu tanto o Altíssimo e Todo-pode roso a esta criatura, que a nós seus espíritos causa admiração. Vê e considera suas excelências; escreve-as, que para isto e para teu proveito, te são manifestadas.
Conheci tantas maravilhas que sua abundância me emudece e a admiração me suspende. Julgo que, na vida mortal, todas as criaturas não seriam suficientes para conhecê-las. Adiante as irei expondo.
Exortação divina 6. Outro dia, em tempo de quietude e serenidade espiritual, no mesmo estado que já descrevi, ouvi a voz do Altíssimo que me dizia: – Esposa minha, quero que acabes de te resolver, que me procures solícita, que fervorosa me ames, e que tua vida seja mais angélica que humana, esquecendo tudo o que é terreno: quero
elevar-te do pó e do estéreo como pobre e necessitada (SI 112, 7). Ao ser elevada quero que te humilhes, e que teu nardo exale suave perfume (Ct 1,11), enquanto permaneces em minha presença; conhecendo tua fraqueza e misérias convence-te de que mereces a tribulação, e nela a tua profunda humilhação. Vê minha grandeza
e tua pequenez. Sou justo e santo, e com justiça te aflijo, usando de misericórdia, e não te castigando segundo mereces. Procura sobre este fundamento de humildade adquirir as demais virtudes, para cumprires minha vontade. Para te instruir, corrigir e repreender te dou por mestra minha Virgem Mãe. Ela te formará e guiará teus passos no
meu agrado e beneplácito.
Maria, escada de Jacó
7. Estava presente esta Rainha, quando o Altíssimo Senhor me disse aquelas palavras, e não se dedignou a divina
Primeiro Livro Princesa em aceitar o ofício que sua Majestade lhe dava.
Recebeu-o benignamente e disse-me: – Minha filha, quero que sejas minha discípula e companheira, e eu serei tua
mestra. Adverte, porém, que me hás de obedecer com coragem, e desde este dia não se há de perceber em ti vestígios de filha de Adão. Minha vida, as obras de minha peregrinação, as maravilhas que o poderoso braço do Altíssimo operou em mim, hão de ser teu espelho e modelo de tua vida.
Prostrei-me ante o real trono do Rei e Rainha do universo e ofereci-me para obedecer em tudo. Agradeci ao Altíssimo o benefício de me dar tal amparo e guia, tão acima de meus méritos. Renovei em suas mãos os votos de minha profissão, e me ofereci novamente para obedecer-lhe e cooperar com todas as forças na emenda de minha vida.
Disse-me o Senhor: – Presta atenção e olha. Assim o fiz, e vi uma escada de muitos degraus, belíssima e com grande número de anjos, uns que a assistiam e outros que desciam e subiam por ela.
Disse-me Sua Majestade: – Esta é aquela misteriosa escada de Jacó (Gn 28,12 -17) casa de Deus e porta do céu. Se te dispuseres e tua vida for tal que não mereça repreensão a meus olhos, subirás por ela até Mim.
Maria, caminho para Jesus
8. Esta promessa excitava meu desejo, afervorava minha vontade, arrebatava meu espírito, e com muitas lágrimas queixava-me de ser tão pesada para mim mesma (Jó 7, 20). Suspirava pelo fim de meu cativeiro, e por chegar onde não há óbice que possa impedir o amor.
Nestas ânsias passei alguns dias, procurando aperfeiçoar minha vida, fazendo nova confissão geral e corrigindo
algumas imperfeições; a visão da escada continuava, mas não entendia seu significado.
Fiz muitas promessas ao Senhor, propondo novamente afastar-me de todo o terrestre, conservando minha vontade livre para somente amá-lo, sem deixá-la inclinar-se a coisa alguma, ainda que fosse pequena e inocente; rejeitei e renunciei a tudo quanto é aparente e ilusório.
Passado alguns dias nestes sentimentos e disposição, o Altíssimo declarou-me ser aquela escada a vida da
Santíssima Virgem, suas virtudes e mistérios.
Disse-me Sua Majestade: – Quero, esposa minha, que subas por esta escada de Jacó, e entre por esta porta do céu, para conhecer meus atributos e contemplar minha divindade; sobe pois, e caminha por ela até mim. Estes anjos que a assistem e acompanham são os que eu dediquei para guarda e defesa desta cidade de Sião. Atende, medita estas virtudes e trabalha por imitá-las.
Pareceu-me subir por esta escada e ver a maior das maravilhas e o mais inefável prodígio do Senhor em pura criatura, a maior santidade e perfeição de virtudes que jamais criou o braço do Onipotente. No fim dá escada vi o Senhor dos senhores e a Rainha de toda a criação, e mandaram-me que, por estes magníficos sacramentos O glorificasse, louvasse, exaltasse, e escrevesse o que deles entendesse.
Deu-me o excelso e eminente Senhor nestas tábuas, melhores que as de Moisés, lei para meditar (SI 1, 2) e observar, escrita por seu poderoso dedo (Êx 31, 18). Inspirou minha vontade para, em sua presença, dirigir-me à puríssima Rainha, prometendo-lhe vencer a minha resistência e com seu auxílio escrever sua vida santíssima, tendo em vista três objetivos:
- Primeiro, que se conheça a profunda reverência devida ao Deus eterno, e como as
criaturas devem se humilhar, na medida em que Sua Majestade se lhes faz mais acessível. O efeito dos maiores favores e benefícios há de ser maior temor, reverência, solicitude e humildade. - Segundo, que o gênero humano esquecido de sua salvação, considere e conheça o que deve à sua Rainha e Mãe de piedade nas obras da redenção: o amor e reverência que Ela teve a Deus, e o que devemos ter a esta grande Senhora.
- Terceiro, que o diretor de minha alma e todo o mundo, se for conveniente, conheçam minha pequenez, vileza, e má retribuição por tudo quanto recebo.
Oportunidade da obra
9. A este meu desejo respondeu a Santíssima Virgem: – Minha filha, o mundo está muito necessitado desta doutrina, porque não sabe e não tem a devida reverência ao Senhor onipotente. Por causa desta ignorância a audácia dos mortais provoca a retidão de sua justiça que os aflige e castiga. Vi vem esquecidos de Deus,
mergulhados nas trevas, sem saber procurar a salvação nem encontrar a luz. Isto é resultado da falta de temor e reverência que deviam ter pelo Senhor.
Estes e outros avisos deram-me o Altíssimo e a Rainha, para manifestar-me sua vontade a respeito desta obra. Pareceu-me temeridade e pouco amor a mim mesma, não aceitar a doutrina e ensinamento que esta grande Senhora prometeu dar-me, na descrição da sua vida santíssima. Tampouco julguei conveniente adiar para outro tempo, porque o Altíssimo manifestou-me ser este o oportuno e conveniente.\
Sobre isto me disse estas palavras: – Minha filha, quando enviei meu Unigênito ao mundo, este se encontrava
no pior estado que havia tido desde o princípio, com exceção de alguns fiéis que me serviam.
A natureza humana é tão imperfeita que não se sujeitando a direção interior de minha luze prática dos ensinamentos de meus ministros; não submetendo seu próprio ditame para seguir a Mim que sou caminho, verdade e vida (Jo 14, 6), guardando meus mandamentos e minha amizade, cairá logo em profundas trevas e inumeráveis misérias, de abismo em abismo, até obstinar-se no pecado.
Desde a criação e o pecado do primeiro homem até a lei que dei a Moisés, governaram-se pelas próprias inclinações, cometendo grandes erros e pecados (Rm 8, 13). Depois da lei os cometeram por desobedecê-la (Jo 7,19) e assim foram se afastando cada vez mais da verdade e luz, chegando ao maior esquecimento. Eu, com
paternal amor, enviei a salvação eterna (Ef 3, 4, 5) e o remédio para as incuráveis enfermidades da natureza humana. Com isto justifiquei a minha causa. Como, então, esperei o tempo no qual mais resplandecesse a misericórdia, quero agora fazer-lhes outra muito grande.
Este é o tempo oportuno para dela usar enquanto não chegar a minha hora, na qual o mundo se encontrará com tantas dívidas e processos, que conhecerão justo motivo de minha indignação. Nessa hora manifestarei minha ira, justiça, eqüidade e quão justificada está minha causa.
Chegou o tempo em que melhor se há de manifestar o atributo de minha misericórdia, e no qual desejo que meu
amor não fique inativo. Agora, quando o mundo chegou a tão infeliz época, depois que o Verbo se encarnou; quando os mortais se encontram mais descuidados do próprio bem e menos o procuram; quando
mais se aproxima o fim de sua transitória vida, o pôr-do-sol do tempo, e a noite da eternidade para os reprovados; quando aos justos nasce o eterno dia sem noite;
Quando a maioria dos mortais jazem nas trevas da ignorância e das culpas, oprimindo os justos e zombando dos filhos de Deus; quando minha lei santa e divina é desprezada pela iníqua matéria de estado tão odiosa como inimiga de minha providência; quando os maus menos merecem;
Olhando para os justos que vivem neste tempo propício para eles, quero abrir a todos uma porta para entrarem em minha misericórdia. Acendo-lhes um farol para iluminar as trevas de sua cegueira, dou-lhes um oportuno remédio se o quiserem usar para voltarem à minha graça. Felizes os que o encontrarem (Pr 3» 13 e s.) e bem-aventurados os que conhecerem seu valor. Ricos os que acharem este tesouro, felizes e muito sábios os que o explorarem reverentemente, para compreender seus mistérios.\
Quero que saibam quanto vale a intercessão daquela que foi remédio de suas culpas, dando em seu seio, vida mortal ao Imortal. Quero que lhes sirvam de espelho onde vejam suas ingratidões, as maravilhosas obras, que meu poderosobraço operou nesta criatura. Mostrar-lhes-ei muitas das que realizei com a Mãe do Verbo, até agora ocultas por meus altos juízos.
Oportunidade das revelações
10. Não os manifestei na primitiva Igreja, porque são mistérios tão magníficos que os fiéis teriam ficado a estudá-los
e contemplá-los, quando era mais necessário estabelecer a lei da graça e o Evangelho.
Ainda que ambas as coisas teriam sido compatíveis, a ignorância humana poderia ficar confusa, quando ainda estava tão no princípio a fé na Encarnação, Redenção e preceitos da nova lei evangélica.
Por isso, disse o Verbo humanado a seus discípulos na última ceia: “Muitas coisas teria para vos dizer, mas agora não estais preparados para recebê-las” (Jo 6,12). Na pessoa deles falou ao mundo inteiro que ainda não estava em condições de receber o conhecimento dos mistérios da Mãe, antes de estar estabelecida a graça e a fé em seu Filho.
Agora a necessidade é maior e ela me obriga mais do que o merecimento dos homens. Se me empenhassem reverenciando, crendo e conhecendo as maravilhas que em si encerra a Mãe de piedade, e se de coração solicitassem sua intercessão, o mundo poderia melhorar.
Não quero deixar de mostrar-lhes esta mística cidade de refúgio. Descreve-a delineando-a como conseguir tua limitação. Não quero que esta descrição de sua vida componha-se de opiniões e hipóteses, mas seja a verdade certa. Os que têm ouvidos para ouvir, (Mt 11,15) ouçam; os que têm sede (Ap 22,17) venham às águas
vivas e deixem as cisternas rachadas, os que desejam luz sigam-na até o fim – Palavra do Senhor Deus Onipotente.
11. Estas são as palavras que me disse o Altíssimo na ocasião que referi. Satisfazendo a obediência que assim me
ordena, explicarei no capítulo seguinte, para deixar esclarecido em todos os demais, o modo como recebo esta doutrina e luz; como contemplo o Senhor e as inteligências e misericórdias deste gênero me são comunicadas e descreverei adiante.
Dê seu testemunho sobre seu encontro com a Divina Vontade