A MESA COMUM.
Concluído isto, chegava a hora de tomarmos algum alimento para a conservação da humanidade, a hora por nós determinada. la a querida Mãe preparar a mesa com pouco alimento e José as vezes ficava comigo. Abrindo inteiramente o coração, dizia-me quanto me amava e como desejava que eu estivesse provido do necessário. As vezes faltava também o alimento indispensável. Afligia-se muito por ver-me naquela idade tão necessitado, pois as vezes não tinha com que sustentar-me. O Pai o permitia para exercitar as virtudes de seu servo. Consolava-o na aflição com palavras amorosas e agradecidas por seu afeto. Inteiramente atento e solícito por minha subsistência. Quando se consolava, pedia-me que consolasse sua amada esposa, porque ela também estava aflita por ver-me tão pobre, uma vez que eles não tinham meios de sustentar-me. Quando havia alguma coisa para comermos, Íamos tomá-la, preparada pela querida Mae. Como de costume, eu dava a benção, e comíamos aquela parca refeição. No entanto, eu fazia os habituais atos e súplicas ao Pai por todos os meus irmãos, como disse em outra parte, e em seguida juntos rendíamos as devidas graças. Quando não havia o que comer, e José com sua esposa estava aflito, consolava-o de muitas maneiras. As vezes fazia com que preparassem a mesa; dada a benção, sentados todos os três, nada havia para quebrarmos o jejum. Fazia-Ihes, então, um Pequeno discurso sobre a mesa que Pai tem preparada no céu para aqueles que o servem e amam. Ficavam eles plenamente saciados, e com esta refeição consolava-os. Outras vezes, mandava a mesa, chamava parte a querida Mae e José, exortando-os a pedirem ao Pai que os provesse do alimento necessário à subsistência. Então, o pai mandava a comida por mãos angélicas ou nos provia através de alguma criatura, por vezes a esmola de uma pão. Então íamos nos refazer rendendo as devidas graças ao Pai. Esta provisão, porém, nos advinha, se era requerida por extrema necessidade e não havia outro recurso, o que era raro a uma vez que sempre, tanto a querida Mae como Jose trabalhava para ganhar o pão necessário a eles e a mim. Nestas situações tão precárias agradecíamos juntos ao Pai, pela ocasião de experimentarmos a indigência e acharmo-nos tão pobres.
Disto muito regozijava, por me ser essa virtude tão cara. Sem dúvida, esposa minha sofria muitas vezes, em idade tão tenra, fome e sede, e isto muito me alegrava, por ter ocasião de oferecer ao Pai aquele sofrimento em desconto por meus irmãos e principalmente por aqueles tão desordenados neste ponto que parecem estar no mundo apenas para satisfazer a gula. Aplicam-se inteiramente a procurar alimentos requintados e abundância iguarias. Quando, no entanto, me achava nesta situação de tamanha pobreza, apresentava as habituais preces e ofertas ao Pai, pedindo-lhe, conforme disse em outra parte, que provesse a todas as necessidades de meus irmãos pobres, desse-lhe resignação e confiança em sua caridade paterna, a qual não deixa de prover as necessidades de cada um e de todos em geral. Pedia-lhe muito se dignasse prover de modo particular e mesmo maravilhoso a todos aqueles que, sendo ricos de bens temporais, deles se despojam por seu amor, dão tudo ao próximo carente e retiram-se para levar vida inteiramente pobre a fim de me imitarem. Ao ver todos os seus sofrimentos e conhecer quanto careceriam da providência divina, pedia ao Pai, Ihes desse grande confiança nele, e simultaneamente os provesse do necessário. O Pai, com grande liberalidade, mo prometeu e ainda ter cuidado particular deles, sem jamais deixar faltar-Ihes o indispensável, e enriquece-los de grande mérito. Se algumas vezes Ihes dá motivo de desconfiar, deixando de provê-los imediatamente do necessário, fá-lo porque com isso adquirem maior mérito, permanecendo fortes e constantes na confiança nele, porque se difere, jamais deixa de fazer quanto prometeu, e cuida particularmente deles.
OS MENINOS E JESUS.
Prosseguia no já mencionado modo de viver, dia e noite, jamais descuidando por um só momento o exercício continuo de ofertas e suplicas ao Pai, em prol de meus irmãos. Estava na maioria dos casos retirado, quase desconhecido de todos, e tratando apenas com minha querida Mãe e José. Não obstante vinham as vezes os pequeninos de minha idade para estar comigo. Naquela idade, pela inocência que traz consigo, sentiam a alma atraída com violência a mim. Exercia uma atração admirável sobre as almas inocentes, que não podiam agir de outro modo senão avizinharem-se de mim. Como o âmbar atrai a palha, assim a minha pureza e inocência, de grande peso e valor, atraiam a si a inocência a criaturas, quais leves palhas. Acolhia-as de rosto alegre e levava e as a querida Mae para que também e as acariciasse. Depois, volvia-na ao Pai e pedia-Ihe desse a graça de conservarem a inocência e Pureza. Em seguida rezava que assim e como não só me alegrava a companhia e aqueles inocentes, mas os conduzia ainda a querida Mãe, na de qual fossem agradáveis também a ela, igualmente me desse a graça todas as pessoas inocentes e puras, não apenas Ihe fossem gratas a Ele, mas também aos outros e que a inocência tivesse essa prenda de ser por todos amada e tornar-se grata a qualquer um que com ela tratasse. Realmente Pai prometeu-me fazê-lo. Na verdade, fá-lo de modo particular, pois os maiores pecadores tratam de bom grado com as pessoas puras e inocentes, as quais possuem o privilégio de serem amadas por Deus pelas criaturas. Agradeci por isto a meu Pai, ainda por daqueles aos quais cabe tão bela sorte e pensam em render as devidas graças ao Pai pelo que é inteiramente dom seu.
Nota:
O primeiro a observar esse fenômeno foi o filósofo e matemático Thales de Mileto (580-546 a.C.). Ele esfregou um pedaço de âmbar (uma pedra de coloração amarela que se origina da solidificação de resinas extraídas de árvores de madeira macia) com uma pele de animal, o âmbar adquiria a capacidade de atrair pedaços de palha e sementes de grama.
CONSOLA SAO JOSÉ.
Sendo, pois, eu assim menino de pouca idade, já auxiliava de certo modo a José no trabalho manual, e visto que, pela idade tenra, não era apto a trabalhar, prestava-lhe serviços e com isto dava-lhe não pequena ajuda no seu mister. Mas, o maior alívio era faze-lo fruir de minha companhia. Com isto ficava muito consolado e muito lhe era aliviada a fadiga. A respeito deste favor rogava ao Pai que desse igual auxílio a todos os meus irmãos, enquanto se afadigam e se preocupam em ganhar a própria subsistência; sua presença os consolasse e aliviasse-lhes o cansaço. Embora invisível, sua graça muito os conforta. O Pai não o omite, quando eles não o expulsam de si por uma vida má, porque então, embora Deus esteja presente, eles não experimentam a sua presença, uma vez que são inimigos dele, vivendo mal e conservando em si o pecado. E o único modo de manter Deus distante de si e de não experimentar a sua presença e a sua poderosa graça. Assim sucede a muitos. Sentia grande pesar por causa deste fato. Muito me empenhava por eles junto ao Pai.
A PRIMEIRA CRUZ. PRIMEIRO. TRABALHO DE JESUS.
Ao começar depois a trabalhar com José, o primeiro trabalho que fiz com as minhas mãos foi uma cruz, pequena, sim, mas muito semelhante aquela na qual devia morrer. Jose, atônito diante deste primeiro trabalho, não ousou perguntar-me o significado, sentindo todavia grande pena no seu íntimo. Queria que ele sofresse aquela tribulação para dar-Ihe merecimento, sem explicar-lhe o mistério, a fim de que a dor não o afligisse demais. Ter-se-lhe-ia tornado insuportável por causa do amor que me dedicava. Por este fato, supliquei ao Pai que usasse de semelhante caridade para com os de ânimo tímido. Ao fazer com que vejam ou experimentem a tribulação, não a façam apreender tal qual é, a fim de que a sua aflição não os surpreenda além do que as suas forcas são aptas a suportar. O Pai prometeu-me e na verdade não deixa de fazê-lo. Muitos veem e experimentam grandes tribulações e grandes cruzes; afligem-se, sim, mas não tanto quanto se afligiriam se o Pai não diminuísse certo conhecimento da gravidade e da qualidade de suas tribulações.
COM A CRUZ VAI AO ENCONTRO DA MAE.
Fui procurar a querida Mae com aquela cruz para que, aquela vista, se renovasse nela o mistério de minha Paixão e morte, de que já estava ciente e sempre permanecia-Ihe fixo no espirito e no coração, transpassando-a continuamente. Ao primeiro olhar aquela cruz, foi ferida de dor cruel, lembrando-se de repente daquela na qual eu deveria morrer. Fez, no auge da dor, a oferta ao Pai não só de mim, mas também de si mesma, prontificando-se também ela a morrer na cruz, se Ihe aprouvesse. Este oferecimento foi muito agradável ao Pai. Estava, porém, imóvel, sem poder articular palavra alguma, por causa da dor. Aproximando-me dela, saudei-a e lhe disse: “Eis, minha Mãe, onde terminarei minha vida, depois de haver sofrido inumeráveis penas”. Ela, genuflexa, adorou a cruz, beijou-a e abraçou-a com suma resignação e depois, voltando-se para mim, disse: “Oh Filho amado, deverei ver-te cravado numa cruz, e esta alma, que por ti somente vive e respira, não se libertará dos laços do corpo devido à dor? ver-te-ei morrer, minha vida e permanecerei viva, sem morrer contigo, meu caro bem ? Ah, sim viva para penar mais e vivendo a sofrer as dores mais atrozes, que não são as de uma morte dolorosa!” la falhando a respiração da querida Mãe, e meu Pai a confortou, dando-Ihe uma coragem tão grande que de bom grado se prontificou a sofrer dores tão acerbas. Tendo-a ainda consolado um pouco, apartei-me dela e retirei-me a um lugar onde não pudesse me ver, para que não se afligisse mais, pois queria por-me sabre esta cruz para oferecer-me ao Pai. Naquele instante, contudo, em que estava com ela, ofereci ao Pai a vontade pronta e a resignação da Mãe querida e também a minha, e pedi-Ihe desse virtude semelhante a todos os meus irmãos a fim de que, ao verem quais serão as cruzes e tribulações que o Pai Ihes enviara, sejam fortes e animosos diante do sofrer, para imitar-me não só na vida, mas também na morte, e estejam prontos a morrer na cruz enviada por meu Pai.
JESUS NA CRUZ.
Havendo-me afastado da querida Mae, coloquei a cruz no chão, e genuflexo ao pé dela, beijei-a e depois deitei-me em cima como se estivesse nela pregado. Assim ofereci-me ao Pai pela primeira vez sob aquele aspecto e lhe disse: “Eis, Pai amantíssimo, o vosso Unigênito, por vos tão amado! Eis-me pronto a sofrer a morte dolorosa neste lenho! E se vos apraz, estou disposto a morrer agora mesmo. Contemplai-me com amor, uma vez que por vosso amor eu de bom grado aceito esta dolorosa e ignominiosa morte! E pois volvei vossos olhares amorosos para meus irmãos, e pelo amor que me dedicais, e pela satisfação que de mim recebeis, mostrai-vos aplacado e benigno para com eles! O Pai, se quereis mais de mim, estou pronto a sofrer mais. E certo que as férias infernais, assim como a raiva judaica, mais não sabiam inventar, porque se existissem no mundo em maior número, mais me seriam infligidas. Eu de boa vontade as sofreria, para dar satisfação vãs, dileto Pai, e pela salvação do gênero humano”. Agradou sumamente ao Pai a minha oferta e olhando-me com amor e complacência, proferiu as palavras seguintes: “Tu es meu Filho bem-amado, em ti ponho minha afeição”. Os numerosos anjos que me faziam corte adoraram-me naquela posição, e com rosto triste, mostravam pesar pelas dores que eu haveria de sofrer. O Pai mostrou-se plenamente satisfeito com minha oferta e, com amor sumo, olhando-me disse-me: “Minha justiça fica plenamente satisfeita, enquanto tu, Filho amado, satisfizeste inteiramente a minha vontade e mais, pagando os débitos do gênero humano com satisfação infinita. Pede, portanto, tudo que quiseres em prol do gênero humano. Estou pronto a consolar-te, realizando abundantemente as teus postulados, e uma vez que fazes tudo o que espero de ti, estou pronto a dar-te tudo o que desejas de mim. Agradeci ao Pai tanto pela complacência como também pelas ofertas que me fez, e logo me prevaleci de sua liberalidade e pedi-lhe que se dignasse dar a todos os meus irmãos particular, com a qual se sentissem estimulados a procurarem cumprir a vontade divina, por mais que lhes custasse tribulações, a fim de assim se tornarem dignos que o pai lhes conceda o que almejam.
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