Estudo 40 Mística Cidade de Deus – Escola da Divina Vontade

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A VIRTUDE DA FORTALEZA EM MARIA SANTÍSSIMA.

A fortaleza e seus atos

571. A virtude da fortaleza, terceira entre as quatro cardeais, serve para
moderar as operações da paixão irascível, principalmente consigo mesmo. É verdade
que o concupiscível, a que pertence a  temperança, é anterior ao irascível. O apetite da paixão concupiscível gera a paixão
irascível, contra o que estorva o apetecido.
Apesar disso, trata-se primeiro da irascível e de sua virtude, a fortaleza,
porque na prática, ordinariamente se consegue o apetecido pela intervenção da
irascível, que supera aquilo que o impede.
Por isto, a fortaleza é mais nobre e excelente que a temperança, de que falarei no
capítulo seguinte.

As duas espécies de fortaleza

572. O controle da paixão irascível pela virtude da fortaleza, reduz-se a
duas espécies de operações: usar da ira conforme a razão, nas circunstâncias que
a tornem louvável e honesta, ou deixar de se irar reprimindo a paixão, quando é mais
conveniente detê-la que praticá-la.
Ambos comportamentos são louváveis ou censuráveis, segundo o fim
visado e as circunstâncias que os acompanham. A primeira destas operações, ou
espécies, recebeu o nome de fortaleza, chamada por alguns doutores belicosidade.
A segunda denomina-se paciência, a mais nobre e superior fortaleza, que principalmente possuem e possuíram os santos.
Invertendo os valores e os nomes, os mundanos costumam chamar à paciência
pusilanimidade, e à presunção impaciente e temerária fortaleza, por não compreenderem os verdadeiros atos desta virtude.

Maria, forte e suave

573. Não teve Maria Santíssima movimentos desordenados na irascível,
para reprimir pela fortaleza. Na inocentíssima Rainha todas as paixões estavam
ordenadas e submetidas à razão, e esta a Deus que a governava em todas as ações
e movimentos. Teve, porém, necessidade desta virtude para se opor aos entraves
que o demônio, por diversos modos lhe criava, para não vir a conseguir tudo o que,
prudentíssima e ordenadamente, apetecia para Si e para seu Filho Santíssimo.

Nesta corajosa resistência e combate, ninguém entre todas as criaturas foi
mais forte. Todas reunidas não puderam chegar à fortaleza de Maria, nossa Rainha,
pois não sofreram tantas pelejas e contradições do comum inimigo. Quando, porém,
se fazia necessário usar desta fortaleza  ou belicosidade com as criaturas humanas,
era suave e forte, ou para melhor dizer, era tão forte quão suavíssima no agir. Somente
esta divina Senhora, entre as criaturas, pôde copiar em suas obras aquele atributo
do Altíssimo que, nas suas, une a suavidade com a fortaleza (Sb 8,1).
Ao praticar assim a fortaleza, nossa Rainha não sentiu, em seu generoso
coração, desordenado temor já que era superior a tudo. Tampouco se mostrou
impávida e audaz além da medida. Não podia deslizar a estes extremos viciosos
porque, com suma sabedoria, conhecia os temores que devia superar e a audácia que
devia evitar. Assim estava vestida, como única mulher forte, de fortaleza e formosura
(Pr 31, 25).

A paciência de Maria Santíssima
574. A parte da fortaleza que consiste na paciência, foi em Maria Santíssima
mais admirável. Somente Ela participou da excelência da paciência de Cristo, seu Filho
Santíssimo, no padecer e sofrer sem culpas, mais que todos os que as cometeram.
Toda a vida desta soberana Rainha foi uma contínua tolerância de
sofrimentos, especialmente na vida e morte de nosso Redentor Jesus Cristo, onde a
paciência excedeu a todo o pensamento de criaturas. Só o mesmo Senhor que lha outorgou pôde dignamente dá-la a conhecer.
Jamais esta candíssima pomba se indignou, faltando à paciência com criatura alguma, nem lhe pareceu grande algum
trabalho e moléstia, das imensas que padeceu, nem se contristou por isso, nem deixou
de receber tudo com alegria e ação de graças. Se a paciência (conforme o Apóstolo), é o primeiro filho da caridade (ICor
13, 4), e nossa Rainha foi a Mãe do amor (Eclo 24,24), também o foi da paciência
Pelo amor deve medir-se a paciência, pois quanto mais amarmos e apreciarmos o bem eterno, acima de todo o
visível, tanto mais nos determinamos a padecer qualquer pena para alcançá-lo e
não perdê-lo. Por esta razão, foi Maria Santíssima pacientíssima acima de todas
as criaturas, e, para nós, mãe desta virtude.
Recorrendo a Ela, acharemos esta torre de David com mil escudos de paciência (Ct 4,
4), com os quais se armam os fortes da Igreja, e da milícia de Cristo, nosso Senhor.

Nada pode vencer a paciência de Maria

575. Não teve jamais nossa pacientíssima Rainha atitudes feminis de
fraqueza, nem tampouco de ira exterior, porque tudo previa com divina luz e sabedoria. Esta não lhe evitava a dor, antes a
aumentava, pois ninguém pôde conhecer o peso das culpas e ofensas infinitas contra Deus, como as conheceu esta Senhora.
Mas nem por isso se alterou seu invencível coração. Seu semblante e seu íntimo jamais
mudaram, quer pelas maldades de Judas, quer pelas contumélias e desacatos dos fariseus.
Mesmo que na morte de seu Filho Santíssimo (Mt 27) todas as criaturas e
elementos insensíveis pareceram querer perder a paciência contra os mortais, não
podendo suportar a injúria e ofensa de seu Criador, somente Maria mostrou-se inalterável. Estaria disposta para receber Judas,
os fariseus e sacerdotes, se depois de haverem crucificado a Cristo, nosso Senhor, recorressem a Ela como a Mãe de
piedade e misericórdia.

Por que Maria nunca se irou?

576. Bem pudera a mansíssima Imperatriz do céu indignar-se e irar-se contra os que a seu Filho Santíssimo deram tão
afrontosa morte, sem deixar esta ira passar dos limites da razão e virtude, pois o mesmo
Senhor castigou justamente este pecado.
Estando eu com este pensamento, foi-me respondido que o Altíssimo
dispôs que esta grande Senhora não tivesse estes movimentos e operações, ainda
que razoavelmente os poderia ter. Não queria torná-la, mesmo indiretamente, acusadora dos pecadores, por tê-la escolhido
como advogada e medianeira deles.
Seri a mãe de misericórdia e por Ela viriam aos homens todas as que o Senhor
queria prodigalizar aos filhos de Adão.
Deste modo haveria quem dignamente abrandasse a ira do justo Juiz, intercedendo pelos culpados. Somente em relação ao
demônio esta Senhora executou a ira, o necessário para a paciência, a tolerância e
para vencer os impedimentos que este inimigo, antiga serpente, lhe opunha à prática do bem.

DOUTRINA DA RAINHA DO CÉU.

Vícios contrários à fortaleza

581. Minha filha, se atentamente, como eu te mando, procurares entender a
necessidade e predicados da virtude da fortaleza, ela te entregará a rédea da paixão
irascível, uma das que mais rapidamente se alteram c perturbam a razão. Será também o
instrumento para realizares o mais alto e perfeito das virtudes, como o desejas. Será
força com que resistirás e vencerás os obstáculos, que teus inimigos suscitam
para te amedrontar no mais difícil da perfeição.
Adverte, porém, caríssima, que a potência irascível serve a concupiscível.
Acende-se para resistir ao que estorva a concupiscência de conseguir o que apetece. Daqui procede que, se a concupiscência
se desorienta, amando o que é vicioso ou bem apenas aparente, logo a irascível se
desordena após ela, e em lugar da fortaleza virtuosa, nascem muitos vícios execráveis e feios.
Daqui entenderás, porque do desordenado apetite da própria excelência
e vã glória, gerados pela soberba e vaidade, nascem tantos vícios da paixão irascível:
discórdias, contendas, rixas, jactância, gritos, impaciência, pertinácia. E ainda outros
vícios da mesma paixão concupiscível: hipocrisia, mentira, cobiça de vaidade,
curiosidade, e desejar a criatura parecer mais do que é, e não o que verdadeiramente
lhe pertence por seus pecados e baixeza.

A paciência

582. De todos este vícios tão feios ficarás livre, se energicamente mortificares c dominares os movimentos
desordenados da concupiscível, mediante a temperança, da qual adiante falarás.
Quando, todavia, apeteceres e amares o justo e conveniente, e para consegui-lo te
valeres da fortaleza e da irascível bem ordenada, seja de maneira a não te excederes. Sempre há perigo de se irar com
zelo da virtude, quem está sujeito a seu próprio e desordenado amor. Às vezes,
este vício se disfarça e se encobre com capa de bom zelo, e a criatura deixa-se
enganar: ira-se pelo que apetece para si, querendo atribuí-lo ao zelo de Deus e bem do próximo.
Por isto, é tão necessária e louvável a paciência que nasce da caridade e é acompanhada pela largueza e magnanimidade
Quem ama deveras ao sumo e verdadeiro bem, facilmente sofre a perda da honra e glória aparentes, e com magnanimidade
a despreza por abjeta e sem valor.
Mesmo quando as criaturas lha oferecem, não a estima, e nos demais trabalhos se
mostra invencível e constante. Deste modo conquista, quanto possível, o bem da perseverança e da paciência.

 

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