CAPÍTULO 13
MARIA SANTÍSSIMA E OS SETE DONS DO ESPÍRITO SANTO.
Definição e nomenclatura dos dons
599. Parece-me que os sete dons do Espírito Santo, conforme a luz que deles
tenho, acrescentam algo às virtudes a que se referem, e por este acrescentamento,
delas se distinguem, embora tenham o mesmo objeto.
Qualquer benefício do Senhor, mesmo natural, pode chamar-se dom ou
dádiva de sua mão. Agora, porém, não falamos dos dons em geral, mesmo que
sejam virtudes e dádivas infusas, porque nem todos os que possuem alguma ou
diversas virtudes, receberam com elas a graça dos respectivos dons. Pelo menos
não chegam àquele grau que lhes confere o nome de dons perfeitos.
Assim deduzem os doutores sagrados das palavras de Isaías ao dizer que
em Cristo, nosso Salvador, descansaria o Espírito do Senhor (Is 11,2), enumerando
sete graças que comumente se chamam dons do Espírito Santo: o espírito de sabedoria
e entendimento, o espírito de conselho e fortaleza, o espírito de ciência
e piedade e o do temor de Deus.
Estes dons encontram-se na alma santíssima de Cristo, redundantes da Divindade,
à qual estava hipostaticamente unida, ao modo como na fonte se encontra
a água que dela dimana para se comunicar a outros. Todos nós participamos das
águas do Salvador (Is 12, 3), graça por graça (Jo 1, 16) e dom por dom, Nele
estando escondidos os tesouros da sabedoria e ciência de Deus (Cl 2,2).
Atividade dos dons
600. Os dons do Espírito Santo correspondem às virtudes com que se relacionam.
A respeito desta relação, há diferença de pareceres entre os doutores,
não, porém, quanto à finalidade dos dons: comunicar especial perfeição às faculdades
para praticarem, em matéria de virtude, ações e obras perfeitíssimas e heróicas.
Sem este característico, elas não se poderiam chamar dons particulares, pois
para chegarem a ser dons, devem atingir grau mais perfeito e excelente que a prática
comum das virtudes. Esta perfeição dos dons consiste, principalmente, em alguma
especial e forte inspiração e moção do Espírito Santo, que permitem vencer, com
maior eficácia os impedimentos. Move o livre arbítrio e lhe dá maior energia para não
agir remissivaménte, mas com grande plenitude de perfeição e força, na espécie de
virtude a que pertence o dom.
Tudo isto não consegue o livre arbítrio, se não for iluminado e impelido
com especial virtude e força do Espírito Santo. É movido, forte, suave e docemente
(Sb 8,1) a seguir aquela ilustração e a fazer e querer aquela ação, que passa a ser
realizada pela vontade, em virtude da graça do divino Espírito, como diz o Apóstolo
aos Romanos (Cap. 8).
Essa moção chama-se instinto do Espírito Santo, porque ainda que a vontade
aja livremente e sem violência, nestes casos mantém-se mais como instrumento
passivo. Consulta menos a prudência comum, como o fazem as virtudes, ainda que
não com menos inteligência e liberdade.
Ação dos dons
601. Procurarei explicar-me com um exemplo. Para inclinar a vontade aos
atos de virtude, concorrem dois fatores sobre as potências: um é a própria vontade
que a conduz e move, como o peso arrasta a pedra, e a leveza levanta o fogo. Esta
inclinação da vontade é aumentada na medida dos hábitos virtuosos – outro tanto
fazem os vícios em seu sentido – mediante o amor que constitui o peso que as atrai
livremente.
Outra coisa que concorre a essa moção do entendimento é certa iluminação
nas virtudes para mover e determinar a vontade. Esta iluminação é proporcionada
aos hábitos e aos atos praticados pela vontade: para os atos ordinários basta a
prudência e deliberação ordinária; mas para outros mais elevados é necessária mais
alta e superior ilustração e moção do Espírito Santo. Nisto consiste seus dons.
Sendo a caridade e graça um hábito sobrenatural que depende da divina
vontade, como o raio nasce do sol, recebe particular influência da Divindade, e por
ela se move. De sua parte, a caridade move as demais virtudes e hábitos da vontade
principalmente quando esta age pelos dons do Espírito Santo.
Propriedades dos dons
602. De acordo com isto, parece me haver nos dons do Espírito Santo
especial ilustração do entendimento – o qual se conserva passivo – para mover os
hábitos virtuosos da vontade em grau de perfeição superior, até aos atos heróicos.
Assim como, se à pedra, além de seu peso natural, se acrescentasse a força de outro
impulso, mover-se-ia muito mais rapidamente.
Acrescentando-se à vontade a perfeição e impulso dos dons, os movimentos
das virtudes serão mais excelentes e perfeitos.
O dom da sabedoria comunica à alma certo gosto que a faz conhecer, sem se
enganar, o divino e o humano, por certa experiência ou sabor espiritual. A cada
coisa dá o verdadeiro peso e valor, ao contrário do que faz o gosto procedente da
ignorância ou estultice humana. Este dom pertence à caridade.
O dom do entendimento ilumina a rudeza e tardança de nossa inteligência,
para penetrar as coisas divinas.
O da ciência penetra o mais obscuro e forma perfeitos mestres contra a
ignorância. Estes dois dons pertencem à fé.
O dom do conselho encaminha, dirige e detém a precipitação humana da
imprudência. Pertence à virtude da prudência.
O da fortaleza expulsa o desordenado temor e conforta a fraqueza.
Pertence à mesma virtude.
O da piedade toma o coração benigno, tira-lhe a dureza e o abranda.
Pertence à virtude da religião.
O dom do temor de Deus afasta da soberba e comunica amorosa submissão.
Pertence à humildade.
Os dons do Espírito Santo em Cristo e em Maria Santíssima
603. Maria Santíssima possuiu todos os dons do Espírito Santo, com certo
direito a essa posse, sendo Mãe do Verbo divino, de quem procede o mesmo Espírito
e a quem os dons são atribuídos. Medidos pela dignidade especial de Mãe, era coerente
que estes dons estivessem Nela na devida proporção, com tanta vantagem
sobre todas as demais almas, quanta diferença existe em ser Ela Mãe de Deus e as
demais apenas criaturas suas.
Além desta razão, por causa de sua dignidade e impecabilidade, a grande
Rainha é a criatura mais próxima do Espírito Santo, enquanto as demais estão muito
distantes, assim pela distância da culpa, como por serem criaturas comuns, sem
especial afinidade com o divino Espírito.
Se em Cristo, nosso Redentor e Mestre, se encontram como em sua fonte
e origem, em Maria, sua digna Mãe, estão como em reservatório ou mar, donde são
distribuídos a todas as criaturas; porque de sua plenitude superabundante transbordam
para toda a Igreja. Salomão declarou-o nos Provérbios (9,1 e 2) sob a
metáfora da Sabedoria que para si edificou uma casa sobre sete colunas etc. Nela
preparou a mesa, serviu o vinho e convidou os pequenos e insipientes, para tirá-los
do infantilismo e ensinar-lhes a prudência.
Não me detenho em maior explicação, pois nenhum católico ignora que Maria
Santíssima foi esta magnífica habitação do Altíssimo. Edifiçada sobre os alicerces
destes sete dons, para sua beleza, solidez, e para ser servido, nesta casa mística, o
público banquete de toda a Igreja. Em Maria está preparada a mesa para todos os
párvulos e ignorantes filhos de Adão se saciarem da influência e dons do Espírito Santo.
A sabedoria e seus efeitos
604. Quando se adquirem estes dons, mediante a disciplina e exercícios
das virtudes, vencendo os vícios contrários, o temor de Deus vem em primeiro lugar.
Em Cristo, Senhor nosso, porém, Isaías começou a citá-los pela sabedoria que é o
mais perfeito, porque os recebeu como Senhor e mestre, e não como discípulo, que
os adquire pela aprendizagem.
Na mesma ordem devem ser considerados em sua Mãe Santíssima que, nos
dons, mais se assemelhou a seu Filho Santíssimo, do que o resto das criaturas a Ela.
O dom da sabedoria encerra saborosa iluminação, mediante a qual o
entendimento conhece a verdade das coisas por suas íntimas e supremas causas. A
vontade discerne e distingue, pelo gosto da verdade, o bem verdadeiro do falso e aparente.
Realmente sábio é aquele que, sem erro, conhece o verdadeiro bem e
goza-o por esse conhecimento. Este gosto da sabedoria consiste em fruir do sumo
bem, por íntima união de amor, ao qual segue o sabor e gosto do bem honesto,
participado e praticado pelas virtudes inferiores ao amor.
Por isto, não se chama sábio o que conhece a verdade somente por especulação,
ainda que sinta deleite neste conhecimento.
Tampouco será sábio quem pratica atos de virtude só pelo conhecimento,
e ainda menos se os faz por outros motivos.
O verdadeiro sábio será aquele que o faz pelo gosto do sumo e verdadeiro
bem, por íntimo amor intuitivo. Conhece esse bem sem engano, no próprio bem, e
por ele todas as verdades inferiores. Este conhecimento é administrado à sabedoria
pelo dom do entendimento que a recebe e acompanha, consistindo numa interior penetração
as verdades divinas e das que a elas podem ser dirigidas e relacionadas,
porque o espírito esquadrinha as profundezas de Deus (ICor 2, 10), como diz o Apóstolo.
A sabedoria e o entendimento na Virgem Santíssima
605. Este mesmo espírito seria necessário para dizer algo sobre os dons
da sabedoria e entendimento na Imperatriz do céu, Maria. A correnteza do rio h ‘
tantos séculos represada na suma bondade, alegrou esta cidade de Deus (SI 45 ç\
com o caudal derramado em sua alma”
santíssima, através do Unigênito do Pai seu.
Foi como se, a nosso modo de entender, desaguasse neste pélago de sabedoria
o infinito mar da divindade, no mesmo instante em que Ela pôde invocar o
Espírito de sabedoria. Para que o pudesse invocar, veio a Ela, a fim de que recebesse
a sabedoria sem intenções reservadas (Sb 7,13), e a comunicasse sem inveja (egoísmo),
como o fez, pois por meio de sua sabedoria manifestou-se no mundo a luz
do Verbo eterno humanado.
Conheceu esta sapientíssima Virgem a estrutura do universo, as propriedades
dos elementos (Sb 7,17), o princípio, o fim, o meio e a mudanças dos tempos, o
curso das estrelas, a natureza dos animais e os instintos das feras, a força dos ventos,
a compleição física e os pensamentos dos homens, as propriedades das plantas, ervas,
frutos e raízes, o que há de oculto nos pensamentos humanos, os mistérios e caminhos
escondidos do Altíssimo.
Tudo foi conhecido e saboreado por Maria, rainha nossa, mediante o dom
da sabedoria, que bebeu em sua fonte original, e transformou-se em palavra de
seu pensamento.
Elogio da Sabedoria, considerada em Maria
606. Ali recebeu esta exalação (Sb7,25) da virtude de Deus, emanação
de sua sincera caridade que a tornou imaculada, a preservou da mancha que
contamina a alma, e a criou espelho sem mácula da majestade de Deus. Ali participou
do espírito de inteligência encerra o na sabedoria, santo, único, multíplice, sutil
(Sb 7, 22) penetrante, discreto, ágil, imaculado, claro, suave, amigo do bem, a
quem nada pode impedir; benfazejo, amigo dos homens, benigno, constante, seguro,
que encerra todas as virtudes, tudo pode, tudo compreende com pureza e finíssima
penetração de um limite a outro.
Todas estas propriedades do espírito da Sabedoria descritas pelo Sábio,
estiveram em Maria Santíssima, depois de seu Filho Unigênito, de modo singular e
perfeito. Com a sabedoria lhe vieram todos os bens (Sb 7,11) e em todos os seus atos
era precedida por estes altíssimos dons de sabedoria e entendimento, para que todas
suas virtudes fossem por eles governadas e impregnadas.
O dom do conselho
607. Sobre os demais dons, alguma coisa fica declarada na exposição das
virtudes a que pertencem. Como, porém, quanto se possa dizer é muito menos do
que possuía esta mística cidade Maria, sempre fica muito a acrescentar.
O dom do conselho segue, na ordem de Isaías, ao do entendimento. Consiste
numa sobrenatural iluminação, com a qual o Espírito Santo toca o interior da
alma, iluminando-a acima da comum inteligência humana, para que escolha o mais
útil, decente e justo, reprovando o contrário.
Por este modo leva a vontade, mediante as regras da eterna e imaculada lei divina,
à unidade de um só amor e conformidade com a perfeita vontade do sumo bem.
Com esta divina erudição, a criatura abandona a multiplicidade dos afetos,
e outros movimentos e amores externos e inferiores, que podem retardar e entravar o
coração humano, para ouvir e seguir este divino impulso e conselho. Chega assim a
assemelhar-se àquele vivo exemplar, Cristo Senhor nosso, que, com altíssimo
conselho, disse ao eterno Pai: Não se faça a minha vontade, mas sim a tua (Mt26,39).
Os dons da fortaleza e ciência. Distinção entre este e o do conselho
608. O dom da fortaleza é a participação ou influxo da força divina,
comunicada pelo Espírito Santo à vontade criada, para animosamente se elevar acima
de quanto a humana fraqueza teme nas tentações, dores, tribulações e adversidades.
Tudo superando e vencendo, adquire e conserva o mais difícil e excelente das
virtudes, transcende, sobe e ultrapassa todas as virtudes, graças, consolações
interiores e espirituais, revelações e amor sensível, por muito nobres e excelentes
que sejam. Assim se lança, com divino esforço, até chegar a conseguir a íntima e
suprema união do sumo bem, ao qual com ardentíssimos desejos aspira. Aí chega a
experimentar, depois de ter vencido tudo Naquele que a conforta (Fl 4, 13), que
verdadeiramente, do forte sai a doçura (Jz14, 14).
O dom da ciência é uma notícia que julga, com retidão infalível, tudo o que
se deve crer e o que se deve fazer com as virtudes. Diferencia-se do conselho porque
este escolhe, e aquela examina e julga;
um faz o reto julgamento, o outro, a prudente escolha. Distingue-se do entendimento,
porque este penetra as verdades divinas interiores da fé e virtudes, com uma simples
inteligência, e o dom da ciência conhece com raciocínio o que delas se deduz; aplica
os atos exteriores das potências à perfeição da virtude, na qual o dom da ciência
vem a ser como raiz e mãe da discrição.
O dom da piedade e seus efeitos
609. O dom da piedade é uma energia ou influxo com que o Espírito Santo
abranda e liqüefaz a vontade humana, movendo-a para tudo o que pertence ao
agrado do Altíssimo e bem do próximo.
Com esta docilidade e suave doçura, a vontade fica disposta e a memória atenta
para, em todo tempo, lugar e acontecimento, louvar, bendizer e dar graças e
honra ao sumo bem, como também para sentir terna e amorosa compaixão pelas
criaturas, prontificando-se a auxiliá-las em seus trabalhos e necessidades.
Este dom não é maculado pela inveja, não conhece o ódio, nem avareza,
tibieza e mesquinhez de coração. Nele produz forte e suave inclinação que o leva,
doce e amorosamente, a empreender todos atos do amor de Deus e do próximo. Quem
possui esse dom torna-se benévolo, prestativo, dedicado e diligente. Por isto
disse o Apóstolo que o exercício da piedade era útil para todas as coisa ( ITm 4,8),
e lhe está prometida a vida eterna, por ser nobilíssimo agente da caridade.
O dom do temor de Deus e seus efeitos
610. Em último lugar encontra-se o dom do temor de Deus tão louvado,
encarecido e repetidamente recomendado na Sagrada Escritura (SI 2; 18; 33; 110;
118; Pr 9; 14; 15) e pelos santos doutores, como fundamento da perfeição cristã e
princípio da verdadeira sabedoria.
O temor de Deus é o primeiro que se opõe à estulta arrogância dos homens e
o que, com mais energia, a combate e destrói.
Este dom tão importante consiste num amoroso retraimento e nobre confusão da
alma, quando ela compara sua própria condição e baixeza com a suprema grandeza e
majestade de Deus, temendo presumir alta mente de si, como advertiu o Apóstolo Paulo em Romanos 11,21.
O santo temor tem diversos graus a princípio, chama-se inicial e depois, filial.
Começa por fugir da culpa, por ser contrária ao sumo bem, que ama com reverência
e prossegue no próprio abatimento e desprezo, ao comparar seu ser com a majestade
sua ignorância com a sabedoria, sua pobreza com a infinita opulência.
Submete-se plenamente à divina vontade e, por Deus, humilha-se a todas as
criaturas, consagrando a Ele e a elas, íntimo amor para chegar à perfeição dos filhos de
Deus, e à suprema união espiritual com o Pai, o Filho e o Espírito Santo.
Os dons em Maria
611. Se me estendesse mais na explicação destes dons, sairia muito de
meu assunto e me alongaria demasiado; o que disse, parece-me suficiente para se
entender sua natureza e propriedades.
Depois disto, leve-se em consideração que, na soberana Rainha do céu.
todos os dons do Espírito Santo não estiveram só no grau suficiente e comum que,
conforme a própria capacidade, todos possuem, pois isto se dá com os outros santos.
Nesta Senhora encontraram-se com privilégio e excelência especiais que não pôde
caber em santo algum, nem seria possível a algum inferior a Ela.
Ficando entendido em que consiste o temor santo, a piedade, a fortalew,
a ciência e o conselho, dons especiais do Espírito Santo, dilate-se o julgamento humano
e o entendimento angélico, para imaginar o mais elevado, nobre, excelente,
perfeito e divino. Tudo quanto podem conceber todas as criaturas reunidas, ainda
estará abaixo dos dons de Maria. O menor deles é o supremo do pensamento
criado, assim como o supremo nesta Senhora e Rainha das virtudes toca, de certo
modo, ao ínfimo em Cristo e na Divindade.
DOUTRINA DA SANTÍSSIMA RAINHA MARIA.
Os dons do Espírito Santo aperfeiçoam as virtudes
612. Minha filha, estes nobilíssimos e excelentíssimos dons do
Espírito Santo, são a emanação pela qual a Divindade se comunica às almas santas e,
por isto, não são limitados como o sujeito que os recebe. Se as criaturas se esvaziassem
dos afetos e amores terrenos, ainda que seu coração seja limitado, participariam
sem medida da torrente da divindade infinita, através dos inestimáveis dons do
Espírito Santo.
As virtudes purificam a criatura da fealdade e mancha dos vícios, se os
tinha, e começam a restaurar a perfeita ordem de suas potências, perdida, a princípio,
pelo pecado original, e depois pelos seus próprios pecados atuais. Além disso
comunicam beleza, força e alegria na prática do bem.
Os dons do Espírito Santo vão mais longe: elevam as virtudes à sublime
perfeição, e constituem o ornamento e formosura
com que a alma se dispõe, se aformoseia e agracia para entrar no tálamo
do Esposo, onde, por admirável modo, se une à divindade, em espírito e vínculo de
eterna paz.
Desse felicíssimo estado sai fortalecida e fiel para praticar heróicas virtudes.
Estas, por sua vez, fazem-na voltar ao mesmo princípio donde saiu, Deus, a
cuja sombra descansa (Ct 2, 3) sossegada e serena, sem ser perturbada pelos furiosos
ímpetos das paixões e seus desordenados apetites. Esta felicidade, contudo,
é conseguida por poucos, e só conhecida pela experiência de quem a recebe.
Disposições necessárias para receber os dons
613. Adverte, pois, caríssima, e com profunda atenção considera, como
atingirás o cume destes dons. A vontade do Senhor e minha é que subas mais para
cima (Lc 14,10) no banquete que te prepara sua doçura, por meio das bênçãos e dons
(SI 20,4) que, para este fim, recebeste de sua liberalidade. Lembra-te que para a eternidade
só existem dois caminhos: o que leva à eterna morte, pelo desprezo da virtude
e pelo desconhecimento da Divindade;
e o que leva à eterna vida, pelo fecundo conhecimento do Altíssimo, pois nisto consiste
a vida eterna: que conheçam a Ele e ao seu Unigênito que enviou ao mundo (Jo 17, 3).
O caminho da morte é seguido por inúmeros néscios (Ecl 1, 15) que desconhecem a própria ignorância, presunção,
soberba e formidável insipiência. Aos que, por sua misericórdia, Deus chamou à sua
admirável luz ( lPd 2, 9), os fez renascer filhos da luz. Nesta regeneração deu-lhes
novo ser pela fé, esperança e caridade, que os torna seus, e herdeiros da divina e
eterna fruição. Adotando-os por filhos, deu-lhes na primeira justificação, as virtudes
infusas para, como filhos da luz, praticarem obras de luz. Depois dessas
virtudes, prepara-lhes os dons do Espírito Santo.
Como o sol material a ninguém nega seu calor e luz, uma vez que tenham
capacidade e disposição para receber a energia de seus raios, assim a divina Sabedoria a
ninguém se negaria e ocultaria.
Mais do que isso: nos altos montes, nas estradas reais (Pr 8, 1), nos atalhos mais
escondidos e nas portas e praças das cidades, convida e chama todos a si. A estultice
dos mortais, infelizmente, os torna surdos;
a ímpia malícia, escarnecedores; e a incrédula perversidade os afasta de Deus, cuja
sabedoria não encontra lugar no coração malvado (Sb 1, 4), nem no corpo escravo
do pecado.
Advertência pessoal à Escritora
614. Tu, porém, minha filha, lembra de tuas promessas, vocação e desejos,
porque a língua que mente a Deus é homicida de sua alma (Sb 1, 11-12), e não
termines com a morte uma vida transviada.
Não adquiras a perdição por tua própria indústria, como, na divina luz, ves fazerem
os filhos das trevas. Teme ao poderoso Deus e Senhor com temor santo, humilde e
bem ordenado, e em todas tuas obras guia te por este Mestre. Oferece um coração
dócil à disciplina e aos atos de piedade Julga com retidão a virtude e o
vício. Anima-te com invencível fortaleza para praticar o mais árduo e elevado e
sofrer o mais adverso e difícil dos trabalhos.
Escolhe com discernimento os meios para a execução disso. Segue a força da
divina luz e ultrapassarás todo o sensível subindo ao conhecimento altíssimo dos
segredos da divina sabedoria, aprendendo a separar o novo do velho homem. Serás
capaz de recebê-la quando, entrando na adega do vinho (Ct 2, 4) de teu Esposo,
inebriada de amor, em ti for ordenada sua eterna caridade.
Dê seu testemunho sobre seu encontro com a Divina Vontade