CAPITULO 14
EXPLICAÇÃO DAS ESPÉCIES E MODOS DE VISÕES SOBRENATURAIS QUE A RAINHA DO CÉU RECEBIA E OS EFEITOS QUE NELA PRODUZIAM.
Distinção entre virtudes santificantes e carismas gratuitos
615. A graça das visões divinas, revelações e raptos – não falo da visão beatifica – ainda que sejam operações do Espírito Santo , são distintas da graça justificante e das virtudes que santificam e aperfeiçoam a alma em suas operações. Nem todos os santos e justos, obrigatoriamente, tiveram visões e revelações divinas, donde se prova que a virtude e santidade podem existir sem estes dons. Tampouco são as visões e revelações medidas pela santidade e perfeição de quem as recebe, mas sim pela vontade divina. Concede-as a quem lhe apraz, quando convém, e no grau que sua sabedoria e vontade dispõem, agindo o sempre com medida e peso (Sb 11,21), para os fins que pretende em sua Igreja. Bem pode Deus conceder maiores e mais elevadas visões e revelações ao menos santo , e menores ao mais santo. O dom da profecia , com outros grátis datos, pode concedê-los aos que não são santos, e alguns arrebatamentos Podem ter causa que não seja precisamente virtude da vontade. Por isto, quando se compara a excelência dos profetas, não se fala de santidade , que somente por Deus pode ser medida (Pr 16, 2), mas na luz da profecia e modo de recebê-la. Sob este aspecto pode-se julgar qual seja o mais ou menos elevado, segundo diferentes razões. O fundamento desta doutrina consiste em que a caridade e virtudes, que fazem santos e perfeitos aos que as têm, referem-se à vontade, enquanto as visões, revelações e raptos pertencem ao entendimento, ou parte intelectiva, cuja perfeição não santifica a alma.
Conveniência das revelações estarem unidas à santidade de quem as recebe
Não obstante ser a graça das visões sobrenaturais distinta da santidade e virtudes, podendo vir separadas, muitas vezes a vontade e providência divina as une, conforme a finalidade e motivo que tem em vista , ao comunica r estes dons gratuitos e revelações particulares . Às vezes ordena-as ao bem público e comum da Igreja, como diz o Apóstolo (ICor 12, 7). Assim sucedeu aos profetas que, inspirados por Deus em revelações divinas do Espírito Santo (2Pd 1, 21), e não por sua própria imaginação, falaram e profetizaram para nós (lPd 1,10) os mistérios da Redenção e Lei evangélica. Quando as revelações e visões são desta a espécie, não é necessário que estejam unidas à santidade, pois Balaão foi profeta sem ser santo. A divina Providência, porém , dispunha com grande conveniência que , em geral, os profetas fossem santos . Deste modo o espírito de profecia e divinas revelações não seriam frequentemente depositado s e m vasos imundos, ainda que em algum caso particular assim o fez. Convinha evitar que a má vida do instrumento estivesse em contradição com o magistério e verdade divina. Além destas, existem outras muitas razões.
Razão e finalidade das revelações particulares
617. Outras vezes, as divinas revelações e visões não versam sobre assuntos tão universais, nem s e endereçam imediatamente ao bem comum, mas sim ao particular de quem as recebe. Assim como as primeiras são efeito do amor de Deus por sua Igreja, estas visões particulares tem sua origem no amor de Deus pela alma a quem as comunica, a fim de instruí-la e elevá-la a mais alto grau de amor e perfeição. Por estas revelações comunica se (Sb 7 , 27 ) o espírito d e sabedoria a diferentes gerações nas almas santas, para fazer profetas e amigos de Deus. Sendo-lhes a causa eficiente o particular amor divino por algumas almas , assim a causa final e seu efeito é a santidade, pureza e amor dessas almas. A graça das revelações e visões constitui o meio para a consecução desse fim.
Razões para Deus conceder às almas visões e revelações
618. Com isto não quero dizer que as revelações e visões sejam meios absolutamente necessários para fazer santos e perfeitos, porquanto muitos o são por outros meios, sem estes favores . Apenas suponho a verdade, que somente da divina vontade depende conceder ou negar aos justos este s dons particulares. Apesar disso, quer da parte do Senhor, quer da nossa , existem algumas razões de conveniência para Ele as comunicar tão frequentemente a muitos servos seus. A primeira, entre outras, é por ser o modo mais proporcionado e conveniente para a criatura ignorante se elevar às coisas eternas e nelas entrar. A luz sobrenatural comunicada pelos mistérios e segredos do Altíssimo, através de particulares revelações, visões e inteligências recebidas na soledade e arrebatamento da mente , espiritualiza a criatura para chega r à perfeita união do sumo bem. Para isto a convida o mesmo Senhor com repetidas promessas e carinhos, de cujos mistérios está cheia a Sagrada Escritura , e em particular os Cânticos de Salomão.
O amor de Deus pelas almas , causa de lhes conceder carismas extraordinários
619. A segunda razão procede do Senhor, cujo amor não se resigna em negar ao amado e amigo seus bens e segredos. Já não vos quero chama r e trata r como a servos, mas como a meus amigos (Jo 15, 15), – disse ao s Apóstolo s o Mestre da eterna verdade – porque vos manifestei os segredos de meu Pai. De Moisés também se diz que Deus falava com ele como um amigo (Êx 33,11). Os santos padres, patriarcas e profetas não só receberam do divino Espírito revelações s gerais , ma s também outras muitas particulares e privadas, em testemunho do amor que Deus lhes votava, como se colige da petição de Moisés para ver a divina face (Êx 33,13). O mesmo significam o s títulos que o Altíssimo dá às almas escolhidas, chamando-as (C t 4, 8; 2,10 etc.) esposa, amiga, pomba, irmã, perfeita, dileta, formosa, etc . Ainda que todo s este s títulos exprimam bastante a força do amor divino e seus efeitos, significam menos de quanto faz o Rei supremo, aos que assim deseja honrar. Somente este Senhor é poderoso para tudo o que quer , sabendo querer como esposo, amigo, pai, infinito e sumo bem, sem restrição nem medida.
As falsas visões e revelações e donde procedem
Por não ser entendida pela sabedoria carnal , não perde esta verdade seu crédito . Tampouco pode se r negada pelo fato d e alguma s alma s s e terem alucinado com falsas revelações e visões, deixando-se engana r pelo anjo d e satanás, transformado em anjo d e luz (2Cor 12 , 14). Este engano tem sido mais frequente nas mulheres , em vista de sua ignorância e paixões , ma s tem atingido também a muitos homens, na aparência fortes e cheios de ciência . A uns e outros nasceu-lhes de má raiz. Não falo dos que, com diabólica hipocrisia , fingiram falsas e aparente s revelações , visões e raptos, sem o s ter . Refiro-me aos que foram enganados , recebendo-os do demônio, ainda que sem grave culpa nem consentimento. Dos primeiros é mais exato dizer que enganam , enquanto do s segundos que são enganados. Vendo-os a antiga serpente imortificados nas paixões, pouco exercitados nos sentido s interiores e na ciência da s coisa s divinas , insufla-lhes, com astutíssima sutileza, a oculta presunção d e que são muito favorecido s por Deus; rouba-lhes o humilde temor, induzindo-os a desejo s vão s e curiosos de saber coisas elevada s e revelações , e a cobiçarem visões extáticas, para se tornarem singulares e notados. Com isto, abrem a porta ao demônio para os encher de erros e ilusões, e lhes entorpecer os sentidos em confusa treva interior. Nesta, nada chegam a entender de verdadeiro e divino , mas somente alguma coisa que o inimigo lhes exibe, para autorizar seus enganos e disfarçar seu veneno.
Como evitar os falsos carismas e se dispor para os verdadeiros
621. Evita-se este perigoso erro, temendo com humildade e não desejando sabe r mais do que convém (Rm 11, 20); não medindo a perfeição pessoal, no apaixonado tribuna l do próprio juízo e prudência; remetam-na a Deus e a seus ministros e doutos confessores, que lhes examinarão a intenção indubitavelmente virão a conhecer s e a alma deseja estas graças como meio de virtude e perfeição, ou para receber a glória exterior dos homens. O mais seguro é nunca desejá-las e temer sempre o perigo , que é grande em qualquer tempo, e mais ainda no princípio da vida espiritual. A devoção e doçura sensível desses começo s sã o dadas pelo Senhor – e talvez imitadas pelo demônio – , pelo fato da alma não estar preparada par a o manjar sólido do s maiores segredo s e favores. Concede-lha s a o modo de alimento de crianças , para mais facilmente retirá-las dos vícios e levá-las à renúncia dos prazeres sensíveis , e não porque estejam adiantado s n a virtude , pois , os mesmos arrebatamento s que resultam da admiração, supõem mai s ignorância que amor. Quando, porém, o amor chega a ser extático, fervoroso, ardente, maleável, dócil, inacessível, satisfeito só com o que ama; tendo conseguido domínio sobre todas as inclinações humanas , então a alma está disposta para receber a luz das ocultas revelações e visões divinas. E mais disposta s e encontra quando , mediante essa luz, menos as deseja e mais indigna se considera desse s benefícios . Não se admirem os homens sábios d e que a s mulheres hajam sido tão favorecidas por estes dons, pois além de serem fervorosas no amor, Deus escolhe o mais fraco para mais abonado testemunho de seu poder. Além disso, como não possuem a ciência da teologia adquirida, como os homens doutos, o Altíssimo lha concede, por modo infuso , par a iluminar fraco e ignorante juízo seu.
Maria Ssma. e as visões e revelações
Conhecida esta doutrina quando não houvera em Maria Santíssima outras especiais razões, entenderemos que as divina s revelações e visões que lhe comunicou o Altíssimo foram mais altas admiráveis, freqüentes e divina s que a todos os demais santos. Estes dons, como os outros , devem se r medido s pela sua dignidade, santidade, pureza, e pelo amor que seu Filho e toda a beatíssima Trindade consagrava àquela que era Mãe do Filho, Filha do Pai, Esposa do Espírito Santo. Por estes títulos são-lhe comunicados os influxos da divindade, pois o Cristo Senhor nosso e sua Mãe , são in finitamente mais amados que todo o resto dos anjo s e homens . Reunirei em cinco espécies o u grau s a s visões sobrenaturais de nossa soberana Rainha , e de cada uma direi o que puder, de quanto me foi manifestado.
Maria Ssma . e a visão clara da divina essência. Visão intuitiva
623. A primeira e sobreexcelente visão foi a beatifica da Essência divina que muitas vezes, sendo viadora, viu claramente, embora de passagem. Desde o princípio desta História, as vou relatando, nos tempos e ocasiões em que recebeu este benefício supremo para uma criatura. De outros santos , alguns doutores duvidam se, em carne mortal, chegaram a ver divindade clara e intuitivamente. Pondo de lado estas conjecturas a respeito dos outros , não pode haver dúvida tratando-se da Rainha do céu, a quem se faria injúria medi-la pela regra comum dos demais santos . Outras incontáveis favores e graças, além dos que eram possíveis a eles , realizaram-se na mãe da graça, sem falar que a visão beatifica, de passagem , seja pelo modo que for, é possível aos viadores . À primeira disposição d a alma para ver a face de Deus é a graça santificante em grau muito perfeito, acima do ordinário. A que a santíssima alma de Maria possuía, desde seu primeiro instante , foi superabundante, e em tal plenitude que excedia aos supremos serafins .
Primeira disposição para a alma ver a Deus claramente
Para ver a Deus , acompanhando a graça santifícante, deve existir grande pureza na s potências , sem resto s e efeitos d a culpa . Um recipiente que houvesse contido qualquer líquido imundo, teria necessidade de se r lavado e purificado, até de seu s último s ressaibos e odor, par a não s e misturarem a o licor puríssimo que s e quisesse depois colo car no mesmo recipiente. Ficando a alma contaminada e infeccionada pelo pecado original e seus efeitos , e pelo s pecados atuais, tornas e desconforme à suma bondade. Para unir-se a ela por visão clara e amor beatifico , é necessário que antes seja lavada e purificada, de sorte a não lhe ficar resto, odor ou gosto de pecado, nem inclinação deles adquirida. Isto deve ser entendido, não somente dos efeitos e máculas deixadas pelos pecados mortais, mas também dos veniais que causam na alma justa, peculiar deformidade , com o se , a nosso modo d e entender , um cristal Puríssimo fosse embaçado pelo hálito. De tudo isto deve ser a alma purificada, para ver a Deus claramente.
Outras condições para a visão de Deus
624. Além desta pureza, que constitui a negação da culpa, se a natureza de quem pretende ver a Deus beatificamente está corrompida pelo primeiro pecado, é necessário cauterizar-lhe o fomes, de modo a dominá-lo e apagá-lo como se a criatura não o tivesse. Não lhe deve ficar princípio, nem causa próxima, de inclinação ao pecado ou qualquer imperfeição, e o livre arbítrio deve estar como que impossibilitado para tudo o que repugna à suma santidade e bondade. De tudo isto, e de quanto direi adiante, se colige a dificuldade de tais disposições para a alma que vive em carne mortal. A razão desta altíssima graça ser concedida muito raramente , com grande circunspecção e só por graves motivos, é porque a criatura, sujeita ao pecado tem, relativamente à natureza divina , duas desproporções ou imensas distâncias: a primeira consiste em que Deus é invisível, infinito, ato puro e simplicíssimo, enquanto a criatura é corpórea, terrena, corruptível e grosseira . A segunda é a produzida pelo pecado, que desmedidamente se distancia da suma bondade, e constitui maior distância e desproporção que a primeira. Ambas, porém, devem desaparecer, para tornar possível a união de extremos tão afastados, e a criatura poder se elevar ao supremo estado, adequado à Divindade, e assimilar-se ao mesmo Deus , vendo-o e fruindo-o como Ele é (1 Jo 3,2).
Maria possuía todas as disposições para a clara visão da divindade
625. Todas estas disposições de pureza, isenção de culpa e de imperfeição encontravam-se na Rainha do céu, cm mais alto grau que nos mesmos anjos, pois não foi atingida pelo pecado, quer original , quer atual, nem pelos efeitos de qualquer deles. Nela, a divina graça e proteção eram mais eficientes para esse benefício, do que nos anjos o era a natureza, pela qual estavam livre s de contrair esses defeitos. Por esta parte, não havia cm Maria desproporção, nem óbice de culpa que a impedisse de ver a divindade. Por outra parte, além de ser imaculada , a graça que recebeu no primeiro instante ultrapassava a dos anjos e santos. Seus merecimentos eram proporcionados à graça, pois com o primeiro ato mereceu mais do que eles com os supremos e últimos, que os levaram à visão beatífica que agora gozam. De acordo com isto, aos demais santos é justiça deferir o prêmio, que merecem na glória até o termo da vida mortal. Não parece contra a justiça que esta lei fosse rigorosamente aplicada a Maria , c que o altíssimo Governado r usasse com Ela de outra disposição, mesmo enquanto vivia em carne mortal. Não sofria o amor da beatíssima Trindade para com esta Senhora tanta espera , sem se lhe manifestar muitas vezes, pois o merecia mais do que todos os anjos, serafins e santos que, com menos graça e merecimentos, gozariam do sumo bem. Fora desta razão, havia outra de conveniência, par as e lhe revelar clara mente a divindade: sendo escolhida para Mãe d e Deus, deveria conhecer , por experiência e fruição, o tesouro da infinita divindade, que deveria vestir de carne mortal em suas virginais entranhas. Deste modo viria depois a tratar seu Filho Santíssimo como o Deus verdadeiro, de cuja visão havia gozado .
Outras preparações para a visão beatífica de Deus
626. Mesmo com toda a pureza que acima descrevi, acrescentada a era que a santifica, a alma ainda não está proporcionada nem disposta para a visão beatífica. Faltam-lhe outras disposições e divinas influências , que a Rainha do céu recebia quando gozava deste benefício Com maior razão, delas tem necessidade qualquer outra alma, se lhe fosse concedido este favor cm carne mortal. Estando, pois, a alma pura e santificada, como fica dito, comunica-lhe o Altíssimo um retoque semelhante a fogo espiritualíssimo, que a queima e acrisola como o ouro no fogo material, de modo semelhante como os serafins purificaram Isaías (Is 6,7). Este benefício produz dois efeitos na alma: espiritualiza-a e dela separa, a nosso modo de entender, a escória terrena de seu próprio ser e da união com seu corpo material; em seguida , enche a alma de nova luz, que expele certa obscuridade e trevas , com o a luz d a aurora desterra a s d a noite. Esta nova luz lhe é dada em posse, deixando-a iluminada e repleta dos novos esplendores deste fogo , e opera outros efeitos na alma: se esta tem ou teve culpas, chora-as com tal dor e contrição, que não pode ser medida com nenhuma outra dor humana, pois em sua comparação todas as que aqui se sofre são mui pouco penosas. Em seguida , purifica o entendimento de todas as imagens de coisas terrenas visíveis o u invisíveis , porque toda s estas imagens, recebida s pelo s sentidos , desproporcionam o entendimento e lhe constituem óbice par a ver claramente o sumo espírito da divindade. Assim, e necessário esvazia raquel a faculdade , daqueles terreno s simulacro s e retratos que a enchem, tanto para receber a visão clara e intuitiva de Deus, como para vê-lo abstrativamente.
Como na alma puríssima de nossa Rainha não existiam culpas para chorar, estas iluminações e purificações produziam os outros efeitos, começando a elevar e a proporcionar a natureza, para não permanecer tão distante do último fim, e não sentir os efeitos da s coisas sensíveis e d a dependência d o corpo . Com isto, causavam naquela alma candidíssima novos afetos d e humildade e conhecimento do nada da criatura, comparada ao Criador e seus benefícios; e seu inflamado coração fazia outros muitos atos de heróicas virtudes. Os mesmos efeitos , na devida proporção, produziria este favor, se Deus o concedesse a outras almas , dispondo-as para as visões de sua divindade.
Penúltima preparação para a visão da divindade
628. Bem poderia supor nossa rudeza que as referidas disposições bastassem para chegar à visão beatífica. Assim não é, porque ainda lhes falta outra qualidade, vapor ou luz mais divina, antes do lumen gloriae. Esta nova purificação, ainda que semelhante à s que ficam dita s é, todavia, diferente em seus efeitos. Elevam a alma a outro estado mais alto e sereno onde, com maior tranqüilidade , sente dulcíssima paz , que não sentia no estado das precedente s disposições e purificações. Nestas , sentem-se algum a pena e amargura das culpas , tendo-as , e se não, certo tédio da natureza terrena e vil. Estes sentimentos não se coadunam com a proximidade em que a alma se encontra de ser assimilada à suma felicidade. Parece-me que as primeiras purificações servem para mortificar, e esta que agora digo, para vivificar e curar a natureza. Em seu conjunto , o Altíssimo procede como o pintor que primeiro esboça a imagem, depois dá as primeiras cores do bosquejo, e por fim os últimos retoques.
A luz da glória, última preparação para a visão beatífica
629. Coroando todas estas purificações, disposições e o s admiráveis efeitos que produzem , Deus comunica a última preparação que é o lumem gloriae, mediante o qual a alma se eleva, fortalece e acaba de se proporcionar para ver e gozar de Deus beatificamente. Neste lumem se manifesta a divindade que, sem ele , não poderá ser vista por criatura alguma. E, sendo-lhe impossível, por si, alcançar esta luz e disposições, por isto também lhe é impossível ve r a Deus naturalmente, por serem dons que excedem às forças da natureza.
Visão beatífica em Maria
630. Com toda esta formosura e adorno era preparada a Esposa do Espírito Santo, Filha do Pai e Mãe do Filho, para entrar no tálamo d a divindade, quando gozava, de passagem, de sua vista e fruição intuitiva. Correspondendo estes benefícios à sua dignidade e graças, não podem ser entendidas por razões e pensamento criado, ainda menos de uma mulher ignorante, quão altas e divinas seriam em nossa Rainha estas iluminações . Muito menos s e poderá calcular e sondar o gozo daquela alma santíssima , superior aos supremos serafins e santos. Se, para qualquer justo, ainda o menor, dos que gozam a Deus, é verdade infalível que nem olhos viram, nem ouvidos ouviram , nem pode cair no humano pensamento aquilo que Deus lhe tem preparado (ICor 2,9), que será para os maiores santos? E, se o Apóstolo confessou não poder explicar o que ouviu (2Co r 12 , 4), nossa incapacidade o que dirá a Santa dos santos e Mãe d’Aquele que é a glória dos Santos? Depois da alma d e seu Filho Santíssimo, que era homem e Deus verdadeiro, foi Ela quem mai s mistério s e sacramentos conheceu, naqueles infinitos espaços e segredos da Divindade. A Ela, mais que a todo s o s bem-aventurados , franquearam-se o s infinitos tesouros e os espaços eternos daquele objeto inacessível, que nem o princípio nem o fim podem limitar. Ali foi letificada (SI 45,5) e banhada esta cidade de Deus pela torrente da divindade, que a inundou com os ímpetos de sua sabedoria e graça, deixando-a toda espiritualizada e divinizada.
MARIA SANTÍSSIMA E A VISÃO ABSTRATIVA DA DIVINDADE.
Descrição da visão abstrativa da divindade
631. O segundo modo de visões da divindade recebidas pela Rainha do Céu foi abstrativo, muito diferente e inferior ao intuitivo; por isto, pôde ser mais freqüente, ainda que não cotidiano nem contínuo . Este conhecimento ou visão é comunicado pelo Altíssimo, não se manifestando imediatamente ao entendimento criado como Ele é em si mesmo, mas sim mediante algum véu ou espécie. Por haver intermédio entre o objeto e a potência, esta visão é muitíssimo inferior à clara visão intuitiva e não comunica a real presença, ainda que a contenha intelectualmente, com inferiores condições.
Embora a criatura esteja próxima da divindade e nela conheça os atributos, prescrições e segredos , que como espelho voluntário quer Deus mostrar-lhe, não sente nem goza com plena satisfação a presença divina
Disposições para a visão abstrativa e seus efeitos na alma
632. Apesar disso, este benefício é grande, raro e depois a clara visão, o maior. Ainda que não exige o lumen gloriae, mas lhe é suficiente a luz das mesmas espécies da visão, nem são requeridas as últimas disposições e purificações , que imediatamente precedem ao lumen gloriae, contudo são necessárias toda s a s demais disposições antecedentes , que precedem à clara visão. Pela visão abstrativa, entra a alma nos átrios da casa do Senhor Deu s eterno (SI 64,5). Admiráveis são os efeitos desta visão, porque além de supor a alma elevada acima de si mesma (Tren 3,28) inebria-a (SI 35,9) d e inexplicável suavidade e doçura, com que se inflama no amor divino e nele se transforma. Produz-lhe tal esquecimento e alheamento de todas as coisas terrenas e de si mesma, que já não vive em si (Gl 2, 20), mas em Cristo e Cristo nela. Fora disto , deixa esta visão na alma um a luz que , s e não a perde r por negligência ou tibieza , sempre a conduzirá à mais alta perfeição , ensinando-lhe os mai s seguro s caminho s d a eternidade. Será como o fogo perpétuo do santuário (Lv 6,12) e o luzeiro da cidade de Deus (Ap 22, 5).
Maria Santíssima e a visão abstrativa
633. Em nossa soberana Rainha, esta divina visão produzia estes e outros efeitos, em tão eminente grau que não posso explicar o que entendo com termos ordinários. Pode-se, porém, fazer alguma ideia, considerando o estado daquela alma puríssima, onde não existia impedimento de tibieza ou óbice de culpa, nem descuido, esquecimento, negligência , ignorância ou mínima inadvertência. Pelo contrário, estava repleta de graça, ardente no amor, diligente no agir, incessante em louvar o Criador, solícita e industriosa para o glorificar, e sempre preparada para que seu braço poderoso Nela agisse sem resistência, nem dificuldade alguma. Este gênero de visão Ela o recebeu no primeiro instante d e sua Conceição , como já disse em seu lugar, e depois muitas vezes no decurso de sua vida santíssima, como direi adiante.
VISÕES E REVELAÇÕES INTELECTUAIS DE MARIA.
Propriedades e modos das visões intelectuais
634. O terceiro gênero de visões ou revelações divinas recebidas por Maria Santíssima foram a s intelectuais . Não obstante a visão ou conhecimento abstrativo poder se chamar revelação intelectual, dou-lhe lugar distinto e mais elevado por duas razões: a primeira, porque o objeto daquela revelação é único e supremo entre a s coisas inteligíveis , enquanto a revelação intelectual comum tem muitos e diferentes objetos , por se estender a coisas espirituais e materiais e às verdades e mistérios inteligíveis. A segunda razão é porque a visão abstrativa da divina Essência é produzida por espécies altíssimas, infusas e sobrenaturais daquele objeto infinito, enquanto a revelação intelectual comum algumas vezes se faz por espécies infusas dos objeto s revelados no entendimento. Outras vezes , não é necessário serem infusas par a tudo o que se entende ; pois podem servir para esta revelação as mesmas espécies da imaginação ou fantasia; nelas, pode o entendimento, ilustrado com nova luz e virtude sobrenatural, entender os mistérios qu e Deu s lhe revela , como sucedeu a José do Egito (Gn 40, 41) e Daniel em Babilônia (D n 1, 2-4-5). As revelações d e Davi d sã o deste gênero . Fora do conhecimento da divindade, é o mais nobre e seguro, e nem os demônios, nem os anjos podem infundir esta luz sobrenatural n o entendimento, ainda que possam mover as espécies na imaginação ou fantasia .
O dom da profecia pertence à s visões intelectuais. Disposições que exige
635. Esta forma de revelação intelectual foi comum aos santos profetas do Antigo e Novo Testamento. A luz da profecia perfeita , como a tiveram , completa-se pela inteligência de algum mistério oculto. Sem esta inteligência, ou luz intelectual , não seriam perfeitamente profetas, nem teriam falado profeticamente. Por isto , é possível fazer o u dizer alguma coisa profética sem ser perfeita mente profeta, como Caifás (Jo 11, 49) e os soldado s que não quiseram dividir a túnica de Cristo (Id 19, 24). Ainda que tenham sido movidos por impulso divino, não – falavam profeticamente, a saber, com luz e inteligência divinas. Verdade é que também os santos profetas, chamados videntes, pela luz interior com que contemplavam ocultos segredos, podiam fazer alguma ação profética, sem lhes conhecer todos ou nenhum dos mistérios . Em tal ação, porém, não foram tão perfeitamente profetas como quando profetizavam com inteligência sobrenatural. Esta revelação intelectual tem muitos graus que não cabe aqui explicar. Mesmo que o Senhor a possa comunicar na ausência da caridade, graça e virtudes, de ordinário vem acompanhada por elas, como acontecia com os profetas , apóstolos e justos. Como a amigos, Deus lhes manifestava seus segredos .
O mesmo sucede quando as revelações intelectuais são para o maior bem de (9) quem as recebe, como acima fica dito . Por esta razão , estas revelações pedem boas disposições, na alma que vai ser elevada às divinas inteligências. Ordinariamente Deus só as comunica quando a alma está quieta, pacífica, abstraída dos afetos terrenos e com as faculdades bem ordenadas , para receber os efeitos desta luz divina.
todas a participação da grandeza do Criador, sua divina disposição e providência. Somente Maria Santíssima pôde dizer com plenitude, que o Senhor lhe manifestou incerto e oculto de sua sabedoria como afirmou o profeta . O s efeitos quê estas inteligências produziam na soberana Senhora não é possível explicar, e toda esta História procura descrevê-los. Em outras almas eles são de admirável utilidade e proveito, porque iluminam altamente o entendimento, inflamam com incrível ardor a vontade , esclarecem, dirigem , e espiritualizam a criatura. Até o mesmo corpo terreno e pesado parece, às vezes, que se toma leve e sutil, em santa competição com a alma. Teve a rainha do céu, nesta espécie de visões, outro privilégio, do qual falarei no capítulo seguinte.
Diferença entre as visões intelectuais de Maria Ssma e as dos santos
636. Na Rainha do céu foram estas inteligências ou revelações intelectuais, por modo muito diferente do que nos santos e profetas , porque as tinha continuamente, em ato e hábito, menos quando gozava de outras mais elevadas visões da divindade. Além disso, a claridade e extensão desta luz intelectual e seus efeitos foram incomparáveis em Maria Santíssima. Sobre os mistérios, verdades e sacramentos ocultos do Altíssimo , conheceu Ela mais que todos os santos patriarcas , profetas, apóstolos , e mesmo que todos os anjos reunidos . Superava-o s também no conhecimento mais profundo, claro, firme e seguro . Com esta inteligência, penetrava desde o ser de Deus e seus atributos, até a mínima de suas obras e criaturas, sem que coisa alguma lhe fosse oculta, vendo em
VISÕES IMAGINÁRIAS DA RAINHA DO CÉU.
Descrição das visões imaginárias
637. Em quarto lugar vem as visões imaginárias, produzidas por imagens sensíveis à imaginação ou fantasia. Representam a s coisas de modo material e sensível, com o se pudessem ser vistas, ouvidas, tocada sou saboreadas pelos sentidos. Sob esta forma de visões, manifestaram os profetas do Antigo Testamento grandes mistérios que, por elas, lhes revelou o Altíssimo, principalmente Ezequiel, Daniel e Jeremias, e ainda São João evangelista que escreveu seu Apocalipse sob a forma destas visões. Pelo que estas visões têm de sensível e corpóreo, são inferiores às precedentes. Por isto, na representação das imagens na fantasia, podem ser imitadas pelo demônio , não porém, no que contem de verdade, pois ele é o pai da mentira. Apesar disso , devem-se evitar muito estas visões e examiná-las com a doutrina segura dos santos e mestres. Doutro modo, se o demônio percebe nas almas dadas à oração e devoção alguma cuia por elas. engana-as facilmente. Permite-o Deus , pois até os santos, que aborreciam o perigo destas visões, foram por meio delas assaltados pelo demônio, transfigurado em anjo d e luz , conforme vem descrito em suas vidas , para nossa instrução e cautela .
Maria e as visões imaginárias
638. Sem perigo algum , com toda a segurança e com as condições divinas, estiveram esta s visões em Maria Santíssima, cuja luz interior não pôde ser obscurecida. nem atingida pela astúcia da serpente. Teve nossa Rainha muita s visões deste gênero , e nela s lhe foram manifestadas muita s ações d e seu Filho Santíssimo quando ausente , como no decurso de sua vida veremos. Por visão imaginária , conheceu também outras muitas criaturas e mistérios, em ocasiões que era necessário , segundo a divina vontade e disposição do Altíssimo. Este benefício, como os demais que recebia a soberana Princesa do céu, eram ordenados par a altíssimos fins, quer se referissem à sua santidade , pureza e merecimentos, quer se relacionassem com o bem da Igreja, cuja mestra e cooperadora da Redenção era a grande Mãe da graça. Por tudo isso , os efeitos destas visões e de sua inteligência eram admiráveis. Sempre trazia m consigo incomparáveis frutos, para a glória do Altíssimo e aumento de novos dons e carismas à alma santíssima de Maria . Sobre o que nas demais almas costumam produzir estas visões , direi a o falar da seguinte; porque de ambas se deve tirar a mesma conclusão.
Maria Santíssima e as visões divinas corpóreas. Descrição e espécies
639. O último e quinto grau de visões e revelações são as percebidas pelos sentidos corporais exteriores , donde se chamam corpóreas, ainda que podem ser de dois modos. Será verdadeira e propriamente corpórea quando se apresenta à vista ou ao tato, com corpo real e quantitativo, alguma coisa da outra vida : Deus, anjo, santo , alma humana ou demônio. Para isto é formado, por virtude dos anjos bons ou maus , algum corpo aéreo ou aparente que, se bem não seja corpo natural e verdadeiro daquilo que representa, é verdadeiramente corpo de ar condensado, em suas dimensões quantitativas. Pode haver ainda outro modo mais impróprio de visões corpóreas , quando não é corpo quantitativo o que se percebe, senão aparências do corpo, cor etc. que um anjo, agindo no ar intermédio, pode produzir aos olhos. Quem recebe esta visão pensa que vê um corpo real e presente, mas não existe tal corpo e sim apenas as espécies, que ferem a vista com uma impressão imperceptível a o sentido. Este modo de visões ilusórias ao sentido não é próprio dos bons anjos, nem das aparições divinas , ainda qu e sejam possíveis. Tal pôde ser a voz ouvida por Samuel (lRs 3, 4), mas o demônio é que costuma fingi-las, apresentando falsas imagens, principalmente à vista . Tanto por isto, como por que a Rainha não teve esta forma de visões, falarei somente das verdadeiramente corpóreas, que foram as que tinha.
Exemplo de visões corpóreas na Sagrada Escritura
640. A escritura narra muitas visões corpóreas recebidas pelos santos e patriarcas. Adão viu Deus representado pelo anjo (Gn 3,8); Abraão a três anjos (Id 18,1), Moisés a sarça (Êx 3, 2) e muitas vezes o mesmo Senhor. Também pecadores tiveram muitas visões corpórea s e imaginárias: Cain (Gn 4,9), Baltazar (Dn 5, 5) que viu a mão na parede. Das imaginárias o Faraó teve a das vacas (Gn 41, 2), Nabucodonosor a da árvore e da estátua (Dn 4 , 2 c 2 , 1 ) e outras semelhantes descritas nas divinas Letras. Daqui se conclui que, para estas visões, não se requer santidade em quem as recebe . *É verdade, porém, que quem tiver alguma visão imaginária ou corpórea, sem receber luz ou inteligência, não pode ser chamado profeta. Neste caso, a perfeita revelação não é dada a quem vê ou recebe as espécies sensitivas da visão, mas sim a quem recebe a inteligência dela, como disse Daniel (Dn 10,1). Nessas condições José e Daniel foram profetas e não o Faraó, Baltazar e Nabucodonosor. Será mais alta e excelente a, visão aquela que for acompanhada por maior e mais elevada inteligência , ainda que, sob o ponto de vista das aparições, são maiores as que representam Deus e sua Mãe Santíssima, e depois, os santos pelos seus graus.
As visões corpóreas e os sentidos
641. É certo que para as visões corpóreas devem os sentidos estar dispostos par a percebê-las . A s imaginárias são muitas vezes enviadas por Deus em sonhos, como a São José, esposo de Maria Puríssima (Mt 1,20), aos reis Magos (Idem
2, 12) , ao Faraó (Gn 41, 2), etc. também ser recebidas estando-se no* ** * tidos corporais, não havendo discrepância para isso . d O modo mais comum, porém conatural a estas visões e as intelectuais é serem comunicadas por Deus em algum* êxtase ou arrebatamento dos sentidos exteriores. Neste caso, as potências interiores encontram-se mais recolhidas e dispostas para a inteligência de coisas elevadas e divinas. Não obstante, os sentidos exteriores costumam estorvar menos as visões intelectuais do que as imaginárias . Estas estão mais próximas do exterior, do que as inteligências estão do entendimento. Por esta razão, quando as revelações intelectuais são por espécies infusas , ou quando o afeto não arrebata os sentidos , muitas vezes, sem perdê-los, recebem-se altíssimas inteligências d e grandes e sobrenaturais mistérios.
Maria e as visões corpóreas
642. Na Rainha do céu sucedia isto muitas vezes, quase freqüentemente. Para a visão beatífica teve , é certo, muitos arrebatamentos, inevitáveis para os viadores, e também para algumas visões intelectuais e imaginárias . Não obstante, estando ordinariamente em seus sentidos, tinha mais altas revelações e inteligências do que todos os santos e profetas em seus maiores raptos e revelações . Tampouco lhe estorvavam os sentidos exteriores para as visões imaginárias , porque seu grande coração e sabedoria não se embaraçavam com o s afetos de admiração e amor, que costumam arrebatar os sentidos aos demais santos e profetas. Das visões corpóreas de anjos, por Ela recebidas, é exemplo a anunciação:
de São Gabriel Arcanjo (Lc 1,18). Ainda que os Evangelistas , no decurso de sua vida santíssima , não digam mais nada a respeito, não pode o prudente juízo católico duvidar, pois a Rainha do céu e dos anjos devia ser servida nos seus vassalos, como adiante diremos . Descreveremos no capítulo seguinte o contínuo obséquio que lhe prestavam os anjos de sua guarda, e outros em forma corporal e visível.
Convém não desejar visões e acautelar-se muito com elas . As outras almas devem ser muito circunspectas e cautelosas com este gênero de visões corporais , por estarem mais sujeitas aos perigos e enganos da antiga serpente; quem nunca as apetecer, evitará grande parte do perigo. Se, apesar de alheias a estes e a outros desordenados afetos, lhes acontecer alguma visão corporal ou imaginária, ainda assim detenham-se muito em ir acreditar e executar o que lhe pede a visão. Será muito mau sinal, próprio do demônio, querer logo , sem reflexão e conselho, que se lhe dê crédito e obedeça. Assim não procedem os santos anjos, mestres de obediência, verdade, prudência e santidade. Há ainda outros indícios e sinais procedentes da causa e efeitos destas visões, para conhecer sua verdade ou ilusão. Não me detenho, porém, nisso, para não me afastar de minha finalidade, e porque remeto o assunto aos doutores e mestres.
DOUTRINA DA RAINHA DO CÉU.
Sinais das visões verdadeiras
644. Minha filha, da luz que neste capitulo recebeste , tirarás a regra certa para te orientar nas visões e revelações do Senhor. Esta regra consiste em duas condições: uma, em sujeitá-las com humilde e singelo coração, ao juízo e censura de teus pais espirituais e prelados. Ao mesmo tempo, pede com viva fé ao Altíssimo que lhes dê luz , para que entendam sua vontade divina, e nela te guiem em tudo. A outra condição depende de teu interior, e consiste em observar os efeitos produzidos pelas visões e revelações, para discerni-las com prudência e sem engano. O bom espírito que nelas opera te inclinará e inflamará nestas virtudes: o casto amor e reverência do Altíssimo; o conhecimento de tua baixeza ; a aversão pela vaidade terrena; o desejo do desprezo das criaturas; o padecer com alegria; o amor da cruz, levando-a com generoso coração; o desejo do último lugar ; o amor dos que te perseguem. Levar-te-á a temer o pecado e aborrecê-lo ainda que seja leve; a aspirar ao mais puro, perfeito e elevado da virtude; a negar tuas inclinações , e a unir-te ao sumo e verdadeiro bem. Estes serão infalíveis sinais de que o Altíssimo te visita por meio de suas verdadeiras revelações, para te ensinar o mais santo e perfeito da lei cristã e da imitação sua e minha.
Exortação à prática dessas instruções
645. Par a praticares esta doutrina, que a dignação do Altíssimo te ensina, nunca a esqueças, nem percas de vista o benefício de te as haver ensinado com tanto amor e carinho . Renuncia a toda preocupação e consolação humana , aos deleites e gostos que o mundo oferece. Com firme resolução , nega tudo quanto tuas inclinações terrenas te pedirem, ainda que sejam coisas lícitas e pequenas, e volta as costas a todo o sensível, para amares só o padecer, como quero. Esta ciência e divina filosofia sempre foram e te serão ensinadas pelas visitas do Altíssimo, que te comunicará a forçado divino fogo, que nunca deverá se extinguir em teu peito, por tua culpa ou tibieza. Vive cuidadosa, dilata o coração , cinge-te de fortaleza para receber e fazer coisas grandes. Sê constante em confiar nestas admoestações, apreciando-as e gravando-as em teu coração, com íntimo e humilde afeto e estima de tua alma, pois te foram enviadas pela fidelidade de teu Esposo, e administradas por Mim, tua Mestra e Senhora.
Dê seu testemunho sobre seu encontro com a Divina Vontade