Estudo 52 O Evangelho como me foi revelado- Escola da Divina

Estudo 52 O Evangelho como me foi revelado- Escola da Divina
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55. Um encargo confiado a Tomé.

27 de outubro de 1944.
55.1Esta manhã, voltando de um pesadíssimo sofrimento de muitas horas,
enquanto rezo esperando que chegue o dia, retomo a visão.
Digo retomo, porque estamos ainda no mesmo ambiente: a cozinha larga
e baixa, escura em suas paredes enfumaçadas, mal iluminada pela chama de
uma candeia colocada sobre uma mesa rústica, longa e estreita, à qual estão
sentadas oito pessoas — Jesus, os seis discípulos, mais o dono da
casa — quatro de cada lado.
Jesus ainda virado sobre o seu banco — por aqui não há outros assentos,
senão bancos sem espaldar com três pés, como é costume nas casas de
campo — está falando ainda com Tomé. A mão de Jesus desceu da cabeça
de Tomé para o ombro. Jesus diz:
– Levanta-te, amigo. Já jantaste?
– Não, Mestre. Andei poucos minutos com o outro que estava comigo e
depois o deixei e voltei atrás dizendo-lhe que eu queria falar com o leproso
curado…Mas eu falei assim porque pensava que ele certamente teria
recebido com desdém a idéia de aproximar-se de um impuro. E adivinhei.
Mas eu estava procurando era a Ti, não o leproso… Eu queria dizer-Te:
“Toma-me contigo!”… Andei vagueando para baixo e para cima, pelo
olival, até que um jovem me perguntou o que é que eu estava fazendo. Ele
deve ter pensado que eu era alguém mal intencionado… Ele estava junto a
uma pilastra, no lugar em que começa o sítio.
O dono da casa sorri.
– É o meu filho –explica ele, e depois acrescenta–: Ele fica de guarda
no lagar. Temos nas cavernas, sob o lagar, ainda quase toda a colheita deste
ano. Foi uma colheita muito boa. Deu-nos muito óleo. Nas épocas em que se
reúnem grandes multidões, sempre aparecem alguns malandros que saqueiam
os lugares sem guarda. Há oito anos, pela Parasceve, roubaram-nos tudo.
Desde então, nos revezamos cada noite, para fazermos uma boa guarda. A
mãe dele foi levar-lhe a janta.
– Pois bem, disse-me ele: “Que queres?”, e o disse em um tom que, para
salvar minhas costas das pauladas, expliquei rápido: “Estou procurando o
meu Mestre, que mora aqui.” E ele então me respondeu: “Se é verdade o que
estás dizendo, vai até à minha casa.” E me acompanhou até aqui. Foi ele que
bateu à porta, e só foi embora depois de ter ouvido as minhas primeiras
palavras.
– Moras longe daqui?
– Estou em um alojamento do outro lado da cidade, perto da porta
Oriental.
– Estás sozinho?
– Eu estava com os parentes. Mas eles foram à casa de outros parentes,
no caminho de Belém. Eu fiquei para Te procurar, noite e dia, até Te
encontrar.
Jesus sorri, e diz:
– Então, ninguém te espera?
– Não, Mestre.
– A estrada é longa, a noite é escura, as patrulhas romanas estão
rondando pela cidade. Eu te digo: se queres, fica conosco.
– Oh! Mestre!
Tomé está feliz.
– Arranjai-lhe, vós, um lugar. E dai alguma coisa ao irmão.
Do seu, Jesus dá o pedaço de queijo que estava à sua frente. E explica a
Tomé:
– Nós somos pobres, e a janta já está quase no fim. Mas quem dá, tem
bom coração.
E a João, sentado ao seu lado, ele diz:
– Dá o lugar ao amigo.
João se levanta logo e vai sentar-se junto ao canto da mesa, perto do
dono da casa.
– Assenta-te, Tomé. Come.
55.2E depois diz a todos:
– Assim fareis sempre, amigos, pela lei da caridade. O peregrino já está
protegido pela Lei de Deus. Mas agora, em meu nome, mais ainda o devereis
amar. Quando alguém vos pedir um pão, um gole de água, um abrigo em
nome de Deus, deveis dá-lo neste mesmo nome. E tereis de Deus a
recompensa. Isto deveis fazer com todos. Também com os inimigos. E esta é
a Lei nova. Até agora vos tinha sido dito: “Amai aqueles que vos amam, e
odiai aos inimigos.” Eu vos digo: “Amai também aqueles que vos odeiam.”
Oh! Se soubésseis como sereis amados por Deus, se amardes como Eu vos
digo! Portanto, quando alguém diz: “Eu quero ser vosso companheiro a
serviço do Senhor Deus verdadeiro, e seguir o seu Cordeiro”, então ele deve
ser para vós mais querido do que um irmão de sangue, porque estareis
unidos por um vínculo eterno: o vínculo do Cristo.
– Mas, e se depois chega um que não é sincero? E disser: “Eu quero
fazer isto ou aquilo”, é fácil. Mas nem sempre a palavra corresponde à
verdade –diz Pedro, um tanto irritado.
Não sei o que há, mas ele não está com o seu costumeiro humor jovial.
– Pedro, escuta. Tu falas com bom senso e com justiça. Mas, vê bem: é
melhor pecar pela bondade e pela confiança do que pela desconfiança e pelo
rigor. Se fizeres um benefício a um indigno, que mal te acontecerá? Nenhum.
Mas, ao contrário, o prêmio de Deus estará sempre preparado para ti,
enquanto que para ele haverá um desmerecimento, por ter traído a tua
confiança.
– Não acontece nenhum mal? As vezes quem é indigno não se contenta
só com a ingratidão, mas vai além, e chega também a prejudicar na estima,
nos bens e na própria vida.
– É verdade. Mas isso diminuiria o teu merecimento? Não. Ainda que
todos acreditassem nas calúnias, ainda que ficasses mais pobre do que Jó,
ainda que um homem cruel te tirasse a vida, que é que seria mudado aos
olhos de Deus? Nada. Aliás, haveria sim uma mudança. Mas para o teu bem.
Deus uniria aos méritos de tua bondade os méritos do teu martírio
intelectual, financeiro ou físico.
– Bem. Está bem! Então, será assim.
Pedro não fala mais. Ele está amuado e com a cabeça apoiada na mão.
55.3 Jesus se volta para Tomé:
– Amigo, Eu te falei antes, lá no olival: “Quando Eu voltar por aqui, se
ainda quiseres, serás meu.” Agora Eu te digo: “Estás disposto a fazer um
favor a Jesus?”
– Sem dúvida.
– Mas, e se esse favor exigir de ti um sacrifício?
– Servir a Ti não é nenhum sacrifício. Que queres?
– Eu queria te dizer… mas poderias ter teus negócios, teus afetos…
– Nada, nada. Eu tenho a Ti! Fala.
– Escuta. Amanhã, com as primeiras horas do dia, o leproso sairá dos
sepulcros para encontrar quem vai avisar ao sacerdote. Mas, antes disso, tu
irás aos sepulcros. É uma caridade. E dirás em alta voz: “Ó tu, que ontem
foste limpo, vem para fora! Fui mandado a ti por Jesus de Nazaré, o Messias
de Israel, Aquele que te curou.” Faz que o mundo dos “mortos e vivos”
conheça o meu Nome e vibre de esperança, e quem à esperança unir a fé,
venha a Mim, para que Eu o cure. É a primeira forma da limpeza que Eu
trago, da ressurreição, da qual Eu sou dono. Um dia Eu darei uma limpeza
bem mais profunda… Um dia os sepulcros selados deixarão escapar os
mortos verdadeiros, que aparecerão para se rirem com as órbitas de seus
olhos vazios, com as mandíbulas descobertas pelo júbilo longínquo, e
entretanto sentido pelos esqueletos, dos espíritos liberados do Limbo de
espera. Eles aparecerão para se rirem diante dessa sua libertação, e para
vibrarem, sabendo a quem é que a devem… Vai tu! Ele virá ao teu encontro.
Tu farás o que vai te pedir que faças. O ajudarás em tudo, como se fosse teu
irmão. E lhe dirás também: “Quando estiveres completamente purificado,
iremos juntos pela estrada do rio, além de Doco e de Efraim. Lá o Mestre
Jesus te espera e me espera, para dizer-nos em que é que o devemos servir.”
– Assim farei. E o outro?
– Quem? O Iscariotes?
– Sim, Mestre.
– Para ele persiste o meu conselho. Deixa-o decidir por si e por longo
tempo. Evita até de encontrá-lo.
– Estarei junto ao leproso. No vale dos sepulcros só os imundos é que
vagueiam ou os que têm contatos de piedade para com eles.
55.4Pedro resmunga alguma coisa. Jesus ouve.
– Pedro, que tens? Ou estás calado, ou resmungas. Pareces descontente.
Por que?
– Eu estou descontente. Nós somos os primeiros, e Tu não fazes um
milagre para nós. Nós somos os primeiros, e Tu te sentas ao lado de um
estrangeiro. Nós somos os primeiros e Tu dás encargos a ele, e não a nós.
Nós somos os primeiros e… sim, é isso mesmo, e parece que somos os
últimos. Por que vais esperá-los no caminho do rio? Certamente para dar a
eles alguma missão. Por que a eles e não a nós?
Jesus olha para ele. Não está irado. Ao contrário, sorri, como se sorri a
um rapazinho. Levanta-se, vai lentamente até Pedro, põe-lhe a mão sobre o
ombro, e diz, sorrindo:
– Pedro! Pedro! És um grande velho menino!
E a André, sentado perto do irmão, diz:
– Vai para o meu lugar –assenta-se ao lado de Pedro, cingindo-o com o
braço pelas costas e lhe fala, segurando-o assim contra o seu ombro:
– Pedro, está te parecendo que Eu cometo injustiça, mas não é injustiça
o que faço. É, ao contrário, uma prova de que sei o que valeis. Olha bem.
Quem é que precisa de provas? Aquele que ainda não está firme. Pois bem,
Eu sabia que vós estáveis tão firmes Comigo, que não senti necessidade de
dar-vos provas do meu poder. Aqui em Jerusalém são necessárias as provas,
aqui onde o vício, a irreligião, as políticas e muitas coisas do mundo
ofuscam os espíritos a ponto de eles não poderem ver a Luz que passa. Mas
lá, sobre o nosso belo lago, tão puro sob um límpido céu, lá, entre pessoas
honestas e desejosas do bem, não são necessárias as provas. Ali tereis os
milagres. Derramarei sobre vós chuvas de graças. Mas, olha como vos tenho
estimado: Eu vos tomei Comigo sem exigir provas e sem achar necessidade
de vo-las dar, porque Eu sei quem sois. Queridos, tão queridos e tão fiéis a
Mim.
Pedro se acalma:
– Perdoa-me, Jesus.
– Sim, Eu te perdôo, porque o teu amuo é amor. Mas, não tenhas mais
inveja, Simão de Jonas. Sabes o que é o coração do teu Jesus? Já viste o
mar, o verdadeiro mar? Sim? Pois bem, o meu coração é bem mais vasto do
que o grande mar. Nele há lugar para todos. Para toda a humanidade. E o
pequenino encontra lugar, como o maior dos grandes. O pecador encontra
amor, como o inocente. A eles Eu dou uma missão. Com toda a certeza.
Queres probir-me de dá-la? Eu é que vos escolhi. Não fostes vós. Portanto,
Eu sou livre para julgar como empregar-vos. E, se a estes Eu os deixo aqui
com uma missão — que pode também ser uma prova, como pode ser uma
misericórdia o lapso de tempo concedido ao Iscariotes — podes tu
reprovar-me? Sabes se para ti não estarei reservando uma maior? E não é a
mais bela aquela de ouvires Eu te dizer: “Tu virás Comigo”?
– É verdade, é verdade! Eu sou um animal! Perdão…
– Sim. Tens todo o perdão. Oh! Pedro!… Mas Eu vos peço a todos: não
fiqueis mais discutindo sobre merecimentos e postos. Eu teria podido nascer
rei. Nasci pobre, em uma estrebaria. Teria podido ser rico. Vivi do trabalho
e agora da caridade. Contudo, crede-o, amigos, não há ninguém maior aos
olhos de Deus do que Eu. Do que Eu, que estou aqui como servo do homem.
– Servo Tu? Nunca.
– Por que, Pedro?
– Porque eu é que serei o teu servo.
– Ainda que tu me servisses, como uma mãe serve ao seu filhinho, Eu
vim para servir ao homem. Para ele Eu serei o Salvador. Que serviço existe
igual a este?
– Oh! Mestre! Tu nos explicas tudo. E o que nos parecia escuro, logo se
torna claro.
– Estás contente agora, Pedro? 55.5Então, deixa-me acabar de falar com
Tomé. Estás certo de que reconhecerás o leproso? Lá só ele é que está
curado; mas poderia ele já ter partido com a luz das estrelas, para encontrar
algum viajante solícito. E pode ser que algum outro, ansioso para entrar na
cidade e ver seus parentes, se apresente no lugar dele. Escuta bem como ele
é. Eu estava perto dele e, no crepúsculo, ainda pude vê-lo bem. Ele é alto e
magro. É de cor escura, como um mestiço, tem os olhos profundos e muito
pretos, sob sobrancelhas brancas, cabelos brancos como o linho e bastante
encaracolados, nariz longo, achatado na ponta como o dos líbios, lábios
grossos, especialmente o inferior, e salientes. É tão oliváceo que os lábios
são um pouco tendentes ao violáceo. Na fronte traz uma cicatriz antiga que
lhe ficou e será a única mancha, agora que ficará limpo das crostas e
imundície.
– Então é um velho, se já está com a cabeça toda branca.
– Não Filipe. Parece, mas não é. Foi a lepra que o fez ficar encanecido.
– Que há com ele? Terá um sangue mestiço?
– Talvez, Pedro. Tem uma semelhança com os povos da África.
– Então será ele israelita?
– Disso saberemos depois. E se ele não for?
– Ora, se não fosse, já teria ido embora. Já é muito ter merecido ser
curado.
– Não, Pedro. Ainda que seja idólatra, Eu não o rejeitarei. Jesus veio
para todos. E, na verdade, te digo que os povos das trevas ultrapassarão os
filhos do povo da Luz…
Jesus suspira. Depois se levanta. Dá graças ao Pai com um hino e
abençoa.
A visão cessa assim.
55.6
Incidentalmente faço notar que o meu monitor interior me disse, desde
ontem à tarde, quando eu estava vendo o leproso: “É Simão, o apóstolo.
Verás a vinda dele e a de Tadeu ao Mestre.” Esta manhã, depois da
Comunhão (é sexta-feira), eu abro o missal e vejo que justamente hoje é a
vigília da festa dos Santos Simão e Judas, e o Evangelho de amanhã fala
sobre a caridade quase repetindo as palavras ouvidas por mim, antes, na
visão. Mas Judas Tadeu, por enquanto, não o vi.

56. Simão Zelote e Judas Tadeu unidos na sorte.

28 de outubro de 1944.
56.1Sois mesmo belas, ó margens do Jordão, assim como éreis no tempo
de Jesus! Eu vos vejo e me deleito na vossa majestosa paz verde-azulada,
soante de águas e frondes com um tom doce como melodia.
Estou andando por uma estrada muito longa e também muito bem
conservada. Deve ser uma estrada mestra, ou melhor, militar, traçada pelos
romanos para convergir as diversas regiões com a capital. Perto dela desliza
o Jordão, mas ela não passa exatamente ao longo dele. Está separada do rio
por uma zona silvestre, que parece cumprir a finalidade de reforçar as beiras
oferecendo alguma resistência às águas nos tempos de cheia. Do outro lado
da estrada os bosques continuam, de modo que a rua parece um túnel natural,
sobre o qual se entrelaçam os ramos frondosos. É um bom lugar de descanso
para os viajantes nestas regiões de sol ardente.
O rio, e naturalmente também a rua, têm, no ponto em que me encontro,
uma curva lenta, de modo que eu vejo a continuação da margem frondosa,
como se fosse uma muralha verde destinada a represar um açude de águas
tranqüilas. Parece quase um lago de um parque senhoril. Mas a água não é a
água parada de um lago. Ela desliza, se bem que lentamente. E a prova disso
é o sussurro que ela faz contra os primeiros caniços, os mais audazes que
nasceram justamente ali em baixo no leito do rio, e a ondulação que têm as
longas fitas formadas por suas folhas, suspensas sobre a superfície da água e
movidas por ela. Há também um grupo de salgueiros com flexíveis ramos
pendentes, que confiaram as pontas de suas cabeleiras verdes ao rio que
parece penteá-las com a graça de uma carícia, estendendo-as suavemente ao
fio da água corrente.
Há silêncio e paz na hora matutina. Só os cantos, os chamados dos
pássaros, o sussurro das águas e frondes e um grande brilho do orvalho
sobre a erva verde, alta, que está entre as árvores; elas ainda não estão
endurecidas e amareladas pelo sol do verão, mas tenras e novas para
nascerem, depois da primaveril efusão de águas que vêm nutrir a terra, até à
profundidade, de umidade e de sucos vitais.
56.2Três viajantes estão parados nesta volta da estrada bem no meio da
curva. Estão olhando para baixo e para cima, para o sul, onde está Jerusalém
e para o norte, onde fica a Samaria. Perscrutam entre a colunata das árvores,
para ver se chega alguém que estão esperando. São eles Tomé, Judas Tadeu
e o leproso curado. Estão conversando.
– Não estás vendo nada?
– Eu não.
– Nem eu.
– No entanto este aqui é o lugar.
– Tens certeza disso?
– Toda certeza, Simão. Um dos seis me disse enquanto o Mestre se
afastava entre as aclamações da multidão, depois do milagre de um aleijado
que pedia esmola, que foi curado junto à porta dos Peixes: “Nós agora
vamos para fora de Jerusalém. Espera-nos a cinco milhas entre Jericó e
Doco, na curva do rio, ao longo da rua arborizada.” É esta. Disse também:
“Lá nós estaremos dentro de três dias, ao romper do dia.” Já é o terceiro dia,
e a quarta vigília nos apanhou aqui.
– Ele virá? Talvez teria sido melhor segui-lo, a partir de Jerusalém.
– Não podias ainda andar por entre a multidão, Simão.
– Se meu primo disse que vem até aqui, até aqui virá. Ele cumpre
sempre o que promete. É só esperar.
56.3 – Tu sempre estiveste com Ele?
– Sempre. Desde quando Ele voltou a Nazaré foi para mim um bom
companheiro. Sempre estivemos juntos. Somos da mesma idade, sendo eu um
pouco mais velho. Além disso, dos meus irmãos eu era o preferido do pai
Dele, irmão de meu pai. Também a mãe me queria muito bem. Eu cresci mais
com ela do que com minha mãe.
– Ela te queria… Então agora não te quer mais o mesmo bem?
– Oh! Sim. Mas nós temos estado um pouco divididos desde que Ele se
fez profeta. Meus parentes não gostam disso.
– Quais parentes?
– Meu pai e os dois filhos mais velhos. O outro está titubeante… Meu
pai está muito velho e não tive coragem de irritá-lo. Mas agora… agora, não
mais. Agora eu vou onde o coração e a mente me levam. Vou a Jesus. Creio
que não ofendo a Lei fazendo assim. Mas já… se não fosse justo o que eu
quero fazer Jesus me diria. Eu farei o que Ele disser. É lícito a um pai criar
obstáculos a um filho no caminho do bem? Se eu sinto que ali está a
salvação, por que impedir-me de tê-la? Por que os pais, às vezes, são nossos
inimigos?
Simão suspira, como quem se lembra de coisas tristes e inclina a
cabeça, mas não fala.
É Tomé quem responde:
– Eu já superei esse obstáculo. Meu pai me ouviu e me compreendeu.
Ele me abençoou dizendo: “Vai. Que esta Páscoa seja para ti a libertação da
escravidão de uma expectativa. Feliz de ti que podes crer. Eu espero. Mas,
se for Ele mesmo, e ao segui-lo perceberes que é, vem dizer ao teu velho
pai: ‘Vem. Israel já tem o Esperado’.”
– És mais feliz do que eu. E dizer que nós temos vivido ao seu lado!… E
não cremos, logo nós da família!… E dizemos, ou melhor, eles dizem: “Ele
perdeu o juízo!”
56.4 – Olhai, lá vem um grupo de pessoas –grita Simão–. É Ele, é Ele!
Reconheço a sua cabeça loira! Oh! Vinde. Vamos correr!
E põem-se a caminhar em passos rápidos para o sul. Agora que o alto do
arco foi alcançado, as árvores escondem o resto da rua, de modo que os dois
grupos se encontram quase de frente quando menos esperam. Jesus parece
estar subindo do rio, porque está entre as árvores da margem.
– Mestre!
– Jesus!
– Senhor!
Os três gritos do discípulo, do primo e do curado ressoam cheios de
adoração e de festiva acolhida.
– Paz a vós!
Eis a bonita, inconfundível voz, cheia, sonora, tranqüila, expressiva,
clara, viril, doce e incisiva:
56.5 – Tu também estás aqui, meu primo Judas?
Eles se abraçam. Judas chora.
– Por que este pranto?
– Oh! Jesus! Eu quero estar Contigo!
– Eu te esperei sempre. Por que não vieste?
Judas inclina a cabeça e fica calado.
– Eles não quiseram! E agora?
– Jesus, eu… eu não posso obedecer a eles. Eu quero obedecer somente
a Ti.
– Mas Eu não te dei uma ordem.
– Não. Tu, não. Mas é a tua missão que nos dá ordem! É Aquele que Te
mandou que fala aqui, no meio do meu coração, e me diz: “Vai a Ele!” É
aquela que te gerou e que para mim tem sido uma mestra suave que, com seu
olhar de pomba, me diz, sem fazer uso de palavras: “Sê de Jesus!” Poderei
eu não fazer conta daquela voz excelsa que me perfura o coração? Desta
oração de santa que certamente me suplica para o meu bem? Só porque eu
sou teu primo por parte de José, não deverei Te conhecer por aquilo que és,
enquanto o Batista Te conheceu, aqui, nas margens deste rio, ele que nunca
Te havia visto, e Te saudou como o “Cordeiro de Deus”? E eu, eu que cresci
junto Contigo, eu que procurei tornar-me bom Te imitando, eu que me tornei
filho da Lei pelo merecimento de tua mãe, e que dela aprendi, não os
seiscentos e treze preceitos dos rabinos, além da Escritura e das orações,
porém a alma disso tudo, eu não deveria ser capaz de nada?
– E o teu pai?
– Meu pai? Não lhe falta pão nem assistência, e depois… Tu me dás o
exemplo. Tu tiveste o pensamento no bem do povo, mais do que no pequeno
bem de Maria. E ela está sozinha. Diz-me, Tu, meu Mestre, não é lícito
talvez, sem faltar com o respeito, dizer a um pai: “Pai, eu te amo. Mas acima
de ti está Deus, e a Ele eu sigo”?
– Judas, meu parente e amigo, Eu te digo: tu estás bem adiantado no
caminho da Luz. Vem. É lícito falar ao pai assim quando é Deus que chama.
Não há nada acima de Deus. Até as leis do sangue cessam, ou seja,
sublimam-se, porque com as nossas lágrimas damos aos pais, às mães, uma
ajuda muito maior e por coisas mais eternas do que a jornada do mundo.
Conosco os conduzimos para o Céu e pelo mesmo caminho do sacrifício dos
afetos, os levamos para Deus. Portanto, fica, Judas. Eu te esperei e estou
feliz por reaver-te, amigo da minha vida nazarena.
Judas está comovido.
56.6 Jesus se volta para Tomé:
– Obedeceste fielmente. É a primeira virtude do discípulo.
– Eu vim para ser-te fiel.
– E o serás. Eu te digo. Vem, tu que estás envergonhado na sombra. Não
temas.
– Meu Senhor!
O ex-leproso está aos pés de Jesus.
– Levanta-te. Qual o teu nome?
– Simão.
– Qual a tua família?
– Senhor… era poderosa… eu também era poderoso… mas o ódio de
seitas e… erros da juventude estragaram o seu poder. Meu pai… Oh! Devo
falar contra ele que me custou lágrimas, e não para o céu. Tu o vês, já viste
que presente ele me deu!
– Ele era leproso?
– Não. Não era leproso, como eu também não. Mas era doente de uma
enfermidade de outro nome, que nós de Israel costumamos pôr junto com
outros diversos tipos de lepra. Ele… — naquele tempo a sua casta ainda
triunfava — e ele viveu e morreu prestigiado em sua casa. Eu… se Tu não
me tivesses salvado, iria morrer nos sepulcros.
– Tu és sozinho?
– Sozinho. Eu tenho um servo fiel que cuida de tudo o que me resta.
Mandei já um aviso a ele.
– E tua mãe?
– Ela… morreu.
O homem parece embaraçado. Jesus o observa atentamente:
– Simão, tu me disseste: “Que devo fazer por Ti?” E agora Eu te
respondo: “Segue-me”.
– Imediatamente, Senhor!… Mas… mas eu… deixa que eu Te diga uma
coisa. Eu sou, eu era chamado “Zelote”
[101] pela casta, e “cananeu” por
minha mãe. Tu vês. Eu sou escuro. Em mim eu tenho sangue de escrava. Meu
pai não tinha filhos de sua mulher e me teve de uma escrava. A mulher dele,
boa mulher, me criou como filho e cuidou de mim em minhas muitas doenças
até morrer…
– Aos olhos de Deus, não há escravos ou libertos. Aos seus olhos só há
uma escravidão: a do pecado. E Eu vim para removê-la. Eu vos chamo a
todos porque o Reino é de todos. Tens cultura?
– Tenho. Eu tinha também o meu lugar entre os grandes. Isso, enquanto o
meu mal ficou escondido sob as roupas. Mas, quando subiu ao rosto… meus
inimigos aproveitaram-se de meu mal para me confinarem entre os “mortos.”
No entanto, como disse um médico de Cesaréia, romano, a quem eu fui
consultar, a minha não era verdadeira lepra, mas uma impigem hereditária,
pelo que bastava que eu não procriasse para não propagá-la. Posso eu não
maldizer meu pai?
– Deves não maldizê-lo. Ele te fez todos os males…
– Oh, sim. Dilapidador dos bens, vicioso, cruel, sem coração nem afeto.
Ele me negou a saúde, as carícias, a paz, me carimbou com um nome de
desprezo e com uma doença que é uma marca de opróbrio… De tudo ele se
fez dono. Também do futuro de seu filho. Tudo ele me tirou: até a alegria de
ser pai.
– Por isso é que Eu te digo: “Segue-me.” Ao meu lado, e seguindo-me,
encontrarás Pai e filhos. Levanta o olhar, Simão. Lá o verdadeiro Pai te está
sorrindo. Olha pelos espaços da terra, pelos continentes, pelas regiões. Há
neles filhos e filhos, filhos de alma para os sem filhos. Estão à tua espera e a
espera de muitos outros como tu. Sob o meu sinal não há mais abandonos.
No meu sinal não há mais solidões nem diferenças. É um sinal de amor. E
amor dá. 56.7Vem, Simão, que não tiveste filhos. Vem, Judas, que deixas teu pai
por amor de Mim. Eu vos uno na sorte.
Ele está com os dois junto a si. Tem as mãos sobre os seus ombros,
como quem toma posse, como para impor um jugo comum. Depois, diz:
– Eu vos uno. Mas agora vos separo. Tu, Simão, ficarás aqui, com Tomé.
E prepararás com ele os caminhos da minha volta. Daqui a não muito tempo
Eu voltarei e quero que povos e povos me esperem. Dizei aos doentes, e tu o
podes dizer, que vai chegar Aquele que cura. Dizei aos povos que esperam,
que o Messias está entre o seu povo. Dizei aos pecadores que já há quem
perdoa a fim de dar a força para subir…
– Mas, seremos capazes disso?
– Sim. Basta que faleis assim: “Ele já chegou. Ele vos está chamando.
Ele vos espera. Ele vem trazer-vos a graça. Ficai aqui prontos para vê-lo”; e
às palavras, acrescentai a narração do que já sabeis. E tu, Judas, meu primo,
vem Comigo e com estes. Mas tu ficarás em Nazaré.
– Por que, Jesus?
– Porque deves preparar-me o caminho em minha pátria. Achas que é
uma missão pequena? Na verdade, não há nenhuma outra mais grave…
Jesus suspira.
– E eu conseguirei?
– Sim e não. Mas isso será suficiente para justificar-nos.
– Justificar-nos de quê? E junto à quem?
– Junto a Deus. Junto à pátria. Junto à família. Não poderão censurarnos, porque temos oferecido o bem. E se a pátria e a família desprezarem o
que fazemos, não teremos culpa de sua perdição.
– E nós?
– Vós, Pedro? Vós voltareis às redes.
– Por que?
– Porque Eu vos instruirei lentamente e virei buscar-vos quando vos
achar preparados.
– Mas Te veremos, então?
– Com certeza. Eu virei a vós freqüentemente, ou vos farei chamar,
quando Eu estiver em Cafarnaum. Agora, saudai-vos, amigos, e vamos. Eu
vos abençôo, a vós que ficais. Minha paz esteja convosco.
E termina a visão.
[101] “Zelote” pela casta, a dos zelotes, assim chamados pelo seu zelo em observar a lei e em opor-se a toda a dominação
estrangeira sobre o povo eleito. Mas o significado da expressão escapa a Maria Valtorta, que em rodapé à página autografa
anota: quem são os zelotes? Igualmente ignoradas pela escritora as palavras “sciemanflorasc” (em 503.9/10) e “gulal” (em
542.7).

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           ORAÇÃO DO DIA

¨Mãe celeste, Rainha Soberana do Fiat Divino, toma-me pela mão e mergulha-me na Luz do querer Divino. Tu serás a minha guia, minha terna Mãe, e me ensinarás a viver e a manter-me na ordem e no recinto da Divina Vontade. Amém, Fiat.¨

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