MEDITAÇÃO
PEDE GRAÇAS PARA A MÃE.
Tendo recebido a bênção paterna e ouvido o consentimento divino para a minha vinda ao mundo, supliquei ao Pai se dignasse dar alguma remuneração a muito dileta Mãe pelo agasalho tão grato que me dera em suas vísceras durante nove meses. Meu Pai condescendeu com todo amor e benignidade a este pedido e raptando minha Mãe num sublime êxtase, fê-la ver e contemplar a divindade com todas as perfeições, regendo-a com seu poder, a fim de que sua alma não se tornasse gloriosa e beata e fosse em seguida capaz de retornar ao uso dos próprios sentidos. Esta visão beatífica foi de um modo admirável e nela permaneceu a alma de minha Mãe cumulada de maior graça e perfeição. Disse ainda meu Pai que ela pedisse o que desejasse por ter-me abrigado a mim, seu dileto e único Filho!
Humilhando-se a Mãe com a mais profunda humildade, respondeu — que tudo o que nela havia, era dom dele; por isso não lhe era devida recompensa alguma; mas visto que a liberalidade divina se mostrava tão generosa e pródiga para com ela em suas graças, desejava tanta graça e virtude que pudesse imitar perfeitamente o Verbo humanado, seu Filho, e sofresse em sua pessoa todos os padecimentos que seu Filho teria de sofrer pela salvação do gênero humano, e que lhe desse virtude e constância para resistir com fortaleza a todos os golpes da espada que sabia dever traspassar-lhe a alma e o coração. Tudo isso aprouve à dileta Mãe e com humilde afeto agradeceu de novo ao Pai eterno a graça tão grande que lhe concedera ao dignar-se elegê-la para Mãe de seu Filho Unigênito. Agradeceu-lhe por tê-la favorecido, dando-lhe a graça de abrigá-lo em seu seio por nove meses, e por todas as graças a ela conferidas durante esse tempo. Ofereceu-se de novo e entregou-se inteiramente a ele, declarando querer em tudo cumprir o divino beneplácito. Pediu-lhe a graça de criar seu querido Filho com toda a perfeição exigida pelo dever, isto é, de não ocasionar-lhe jamais, ao criá-lo, mínimo desgosto ou sofrimento. Em tudo isto atendeu-a o Pai.
SONHO MISTERIOSO DE JOSÉ.
Ao mesmo tempo em que minha Mãe estava neste admirável êxtase, José foi ainda surpreendido por um sonho, sonho misterioso, quase uma elevação da mente a Deus, contemplando os divinos mistérios e máxime aquele da Encarnação. Pedira isto ainda a meu Pai para remunerá-lo de todas as fadigas por causa do sustento de minha Mãe e, em conseqüência, também do meu, e sobretudo as angústias sofridas nas dúvidas pela gravidez de Maria, sua esposa puríssima, e as incomodidades da viagem, a pena ao ver-se de todos rejeitado e forçado a refugiar-se naquela vil cabana. Meu Pai remunerou o santo homem conferindo a sua alma uma nova graça e dons celestes.
NASCIMENTO DE JESUS.
Enquanto minha Mãe estava fruindo da divindade e José das divinas doçuras e consolações celestes, vim à luz e /111 nasci de modo admirável, deixando minha Mãe, Virgem puríssima e enriquecida de graça. Tendo saído do útero virginal antes que minha dileta Mãe e José voltassem a si, adorei meu Pai com genuflexão profunda, no chão agradeci e ofereci-me a ele inteiramente. Depois , comecei a chorar. Ao penetrar minha voz no coração de Maria, recobrou-se do sublime êxtase e tendo recebido a bênção paterna voltou a si e genuflexa adorou-me. José, seu esposo, fez o mesmo. A mente humana não é capaz de compreender tão grande alegria que experimentaram no coração e na alma, especialmente a alegria de minha querida Mãe que esperava com desejo tão grande meu nascimento no mundo. Quantos atos de adoração, de homenagem, de oferta, de submissão fez ela e com que espírito, amor e cordialidade! E eu tudo recebi e ofereci a meu Pai. Fitava-a com os olhos corporais, mas muito mais a amava com o Coração e me comprazia nela.
EXPIAÇÃO E LÁGRIMAS.
Encontrando-me, esposa caríssima, estendi-do totenddoi-do na terra, humilhado, aniquilado, de todos abandonado e privado socorro humano, senti grande aflição. Chorava por ternura ao ver-me em tanta miséria e pobreza, gélido de frio, pois sentia-o muito sensivelmente, tanto mais nessa idade. Tudo isso ofereci ao Pai, com lágrimas, em satisfação dos pecados de todo o gênero humano, e, em particular de todas as delicadezas com as quais meus irmãos tratam o próprio corpo, não podendo suportar incomodidade alguma ou penúria não só do necessário, mas ainda do supérfluo. Adorado o Pai eterno, depois que sai do útero virginal, ofereci-lhe as adorações que lhe são tão gratas, também por parte de meus irmãos, especialmente dos recém-nascidos, incapazes de adorá-lo por estarem privados do uso da razão. Agradeci-lhe da parte de todos, visto que, nesta idade, não são capazes de fazê-lo. Meu Pai aceitou tudo com agrado, por parte de todos foi adorado, recebeu agradecimento, foi honrado de tal sorte que se eles morressem antes de chegar ao uso da razão, ou mesmo no primeiro instante de nascidos, ou tendo atingido a idade em que podem amar, louvar, adorar, agradecer a Deus e não o fazem por negligência ou malícia, não obstante, meu Pai continua sendo glorificado pelos atos que fiz por eles, sem excetuar sequer um só. E aquela glória que eu lhe prestei no primeiro instante de meu nascimento por todos, embora posteriormente se rebelem contra Ele, não poderia mais ser-lhe roubada. Encontrando-me, pois, deitado no chão em tanta miséria, comecei esposa caríssima, a chorar inconsolável, todos os pecados de meus irmãos, que já via desonrarem e desgostarem a meu Pai e via que sobre mim de-viam descarregar-se todos os flagelos para aplicar a cólera e a ira paternas, juntamente excitadas pela malícia dos homens. Dizia ao Pai: p “Pai muito amado! Eis meu corpo que veio ao mundo para prestar à justiça divina todas as satisfações que quiser de mim! Portanto, descarregai sobre mim os flagelos de vosso furor contra os pecadores! Estou pronto a dar todas as satisfações que vossa justiça reclamar de mim, contanto que os pecadores se convertam e vivam! Morra entre sofrimentos, contanto que eles se tornem dignos de viver eternamente convosco no reino que vim agora conquistar-lhes! Atendei, oh Pai, estes meus pedidos, e estas ofertas com rescritos de graça! Fazei que todas as criaturas de boa vontade se convertam para vós e glorifiquem eternamente a vossa misericórdia!” Meu divino Pai comprazia-se muito nestas minhas ofertas e aceitava-as com grande prazer, prometendo-me quanto lhe pedia.
JESUS NOS BRAÇOS DE MARIA.
Deitado ainda assim por terra, falei ao coração de minha querida Mãe, dizendo-lhe: “Mãe caríssima, levantai da terra e recebei em vossos braços o Unigênito Filho de Deus e fruto bendito de vosso ventre! Olhai-me e guar-dai-me como penhor do amor de um Deus para com o homem! Segurai-me como arras da Redenção humana! O trio cruel que sofro vença o receio de tocar-me, proveniente de vossa humildade. Supere o vosso amor materno a reverência e a submissão devidas a um Deus humanado! Apertai-me a vosso seio e subministrai-me o primeiro calor, aquele togo que arde em vosso peito, que foi criado por meu Pai antes do fogo material e que há de ser o primeiro a esquentar-me! Cobri-me com aqueles pobres panos que vosso amor soube ajustar para meu serviço e segurai-me em vossos braços, porque estou impaciente por estar separado de vós!” Por estas palavras interiores, como a dileta Mãe se inflamou em desejos de receber-me em seus braços e quanto amor elas lhe causaram! até que, arrebatada por um e outro, venceu o temor e a reverência para comigo, seu Deus, tomou-me nos braços e apertou-me ao peito como Filho. Melhor me aqueceu o fogo participado do amor divino do que o calor natural. Com que amor e júbilo de coração minha querida Mãe me recebeu nos castos braços pode-se deduzir do grande amor que dedicava a mim, seu Filho, da luz superior pela qual me reconhecia como seu verdadeiro Deus e do desejo veemente que lhe ardia no peito de abraçar-me, como seu Esposo. Então me disse do modo mais digno e excelente as palavras da esposa sagrada: “Encontrei aquele que minha alma ama. Segurei-o, e não o largarei” (Cant. 3:4). Não quer dizer que me havia perdido, mas que, oculto em suas entranhas, não havia podido a seu bel prazer contemplar-me e abraçar-me. Oh, esposa caríssima, quantas e quantas finezas o amor materno inventou para comigo, seu querido e amado Filho! Eu correspondia ainda com meu afeto à dileta Mãe, se bem que não lhe tirei quase nunca aquela reserva que imprimi em seu espírito de olhar-me como seu Deus e esta servia-lhe de ajuda, a fim de que não exalasse a alma entre tantas doçuras e consolações, enquanto admirava em mim afabilidade, amor e condescendência incomparáveis, que a arrebatavam e a faziam enlanguescer de amor, mas contemplava ao mesmo tempo a gravidade, a majestade e a reserva própria de um Deus. Esta despertava-lhe reverência e temor e moderava o amor, para que este não a privasse da vida, como teria sucedido sem tal moderação. Ofereci, pois, ao Pai todos os atos e afetos de minha dileta Mãe para comigo e os meus para com ela, os quais, sendo de duas pessoas a Ele tão caras e agradáveis, oh, muito lhe apraziam! Dizia-lhe: “Recebei amado Pai, estes mútuos afetos e obséquios que trocamos entre nós para vossa honra e glória, em lugar da ingratidão e faltas de amor que meus irmãos têm para convosco, especialmente aquelas que, com tanto desgosto vosso, Pai amoroso, os filhos têm aos pais e os pais aos filhos, chegando até mesmo a se odiarem e demonstrarem ódio uns aos outros em vez de amor”. Tudo o Pai aceitava com agrado.
Dê seu testemunho sobre seu encontro com a Divina Vontade