Livro do Céu Volume 1-20
Uma noite, enquanto estávamos à mesa e eu neste estado de não poder abrir a boca, a família começou a inquietar-se. Eu o sentia tanto que comecei a chorar, e para não ser vista me levantei e fui a outro quarto
para seguir chorando, e pedia a Jesus Cristo e à Virgem Santíssima que me dessem ajuda e força para suportar essa prova, mas enquanto fazia isto senti que começava a perder os sentidos. Meu Deus, que pena só de pensar que a família me veria, sendo que até então não a tinha advertido!
Enquanto eu estava nisso, dizia: “Senhor, não deixes que me vejam”. E eu tinha tanta vergonha de que me vissem, embora não sei dizer o motivo, e tratava por quanto mais podia de me esconder em lugares onde não poderia ser vista; quando fui surpreendida inesperadamente por esse estado, de modo que não tive tempo de me esconder ou ao menos de me ajoelhar – porque na posição em que me encontrava assim permaneci, e poderiam dizer que estava rezando – então me descobriram.
Enquanto perdia os sentidos, Nosso Senhor se fez ver no meio de muitos inimigos que Lhe lançavam toda classe de insultos, especialmente agarrando-o e pisando-o sob os pés, blasfemando-o, puxavam-lhe os cabelos; parecia-me que o meu bom Jesus queria fugir debaixo daqueles pés fétidos e ia à procura de uma mão amiga que o libertasse, mas não encontrava ninguém. Enquanto via isto, eu não fazia outra coisa senão chorar sobre as penas de meu Senhor; teria querido ir no meio desses inimigos, talvez poderia libertá-lo, mas não me atrevia e lhe dizia: “Senhor, faz-me participar em tuas penas. Ah, se pudesse
aliviar-te e libertar-te!”
Enquanto isto dizia, aqueles inimigos, como se tivessem entendido, vinham contra mim, mas tão enfurecidos que começaram a me golpear, a puxar-me os cabelos, a pisotear-me; eu tinha grande temor, sofria, sim, mas dentro de mim estava contente porque via que dava ao Senhor um pouco de trégua. Depois aqueles inimigos desapareciam e eu ficava sozinha com o meu Jesus. Tentei compadecer-me, mas não me atrevia a dizer-Lhe nada, e Ele, rompendo o silêncio, me disse:
“Tudo o que tu viste é nada em comparação com as ofensas que continuamente me fazem; é tanta a sua cegueira, o entregar-se às coisas terrenas, que chegam a tornar-se não só meus cruéis inimigos, mas também deles mesmos, e como seus olhos estão fixos na lama, por isso chegam a desprezar o que é eterno. Quem me reparará por tanta ingratidão? Quem terá compaixão de tanta gente que me custa sangue e que vive quase sepultada na imundície das coisas terrenas? Ah, vem e reza, chora junto Comigo por tantos cegos que estão muito atentos para tudo o que sabe a Terra, e desprezam e espezinham minhas graças debaixo de seus imundos pés, como se estas fossem lama. Ah, eleva-te sobre tudo o que é Terra, aborrece e despreza tudo o que a Mim não pertence, não te importem as zombarias que recebes da família depois de me teres visto sofrer tanto, só te importes com a minha honra, as ofensas que continuamente me fazem e a perda de tantas almas. Ah, não me deixes sozinho no meio de tantas penas que me destroçam o coração, tudo o que tu sofres agora é pouco em comparação com as penas que sofrerás; não te disse sempre que o que quero de ti é a imitação de minha vida? Olha como tu és de Mim, por isso coragem e não tenhas medo”.
Depois disso voltei a mim mesma e percebi que estava rodeada pela família, todos choravam e estavam alarmados e tinham tal temor de que se repetisse esse estado, pensando que morreria, que decidiram voltar à Corato o mais rápido possível para me fazer observar pelos médicos. Não sei dizer por que sentia tanta pena ao pensar que devia ser examinada pelos médicos, muitas vezes chorava e me lamentava com o Senhor dizendo: “Quantas vezes, ó Senhor, te roguei que me faças sofrer em segredo, isto era meu único contentamento, e agora também disto estou privada. Ah! me diga, como farei? Só tu podes me ajudar e me consolar em minha aflição, não vês tantas coisas que dizem? Uns pensam de um modo e outros de outro, quem queira aplicar-me um remédio e quem outro, estão muito atentos sobre mim, de modo que não tenho mais paz. Ah, socorre-me em tantas penas, porque me sinto faltar a vida!”
E o Senhor benignamente acrescentou: “Não queiras afligir-te por isto, o que quero de ti é que te abandones como morta entre meus braços. Enquanto tu mantiveres os olhos abertos para ver o que Eu faço e o que fazem e dizem as criaturas, Eu não posso agir livremente sobre ti. Não queres confiar em Mim? Não sabes o quanto te amo e que tudo o que permito, ou através das criaturas ou através dos demônios, ou através de mim diretamente, é para o teu verdadeiro bem e não serve para outra coisa senão para conduzir a tua alma ao estado para o qual te escolhi? Por isso quero que de olhos fechados estejas em meus braços, sem olhar nem investigar isto ou aquilo, confiando inteiramente em Mim e deixando-me agir livremente. Se em troca
quiseres fazer o contrário, perderás tempo e chegarás ao oposto do que quero fazer de ti. Quanto às criaturas, usa de um profundo silêncio, sê benigna e dócil com todos, faze que tua vida, teu respiro, teus
pensamentos e afetos, sejam contínuos atos de reparação que aplaquem minha Justiça, oferecendo-me também os incômodos que te dão as criaturas, que não serão poucos”. Depois disto, fiz quanto mais pude para resignar-me à Vontade de Deus, ainda que muitas vezes era posta em tais problemas por parte das criaturas, que às vezes não fazia outra coisa senão chorar. Chegou o momento de receber a visita do médico e julgou que meu estado não era outra coisa que um problema nervoso, pelo que receitou medicamentos, distrações, passeios, banhos frios, recomendou à família que me cuidassem bem quando era surpreendida por aquele estado de ficar petrificada25.
Então começou uma guerra por parte da família; impediam-me de ir à igreja, já não me davam a liberdade de ficar só, era observada continuamente, pelo que frequentemente percebiam que caía nesse estado.
Muitas vezes me lamentava com o Senhor dizendo-lhe: “Meu bom Jesus, quanto aumentaram as minhas penas, até das coisas mais amadas estou privada, como são os Sacramentos. Nunca pensei que chegaria a isso, quem sabe onde irei terminar. Ah! Dá-me ajuda e força, porque minha natureza desfalece”.
Muitas vezes dignava-se bondosamente dizer-me algumas palavras, por exemplo: “Eu sou a Tua ajuda,
o que temes? Não te lembras que também sofri da parte de todo o tipo de pessoas? Uns pensavam sobre Mim de um modo, e outros de outro, as coisas mais santas que Eu fazia eram julgadas por eles como defeituosas, más; até me disseram que estava possuí do26, tanto que me viam com olhos perversos27, tinham-me entre eles mas de má vontade, e maquinavam tirar-me a vida o mais depressa possível, porque a minha presença se tinha tornado intolerável para eles. Então, não queres que te faça semelhante a Mim fazendo-te sofrer por parte das criaturas?”.
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