Luísa Piccarreta
A pequena filha da Divina Vontade
O REINO DA DIVINA VONTADE EM MEIO AS CRIATURAS LIVRO DO CÉU A CHAMADA ÀS CRIATURAS À ORDEM, AO SEU POSTO E À FINALIDADE PARA A QUAL FORAM CRIADAS POR DEUS
Volume 1 Preparação textual, Tradução e Notas Claudio Sousa Pereira.
1ª edição – Bahia / 2022
Nenhum trabalho pode ser medido pelo tamanho da empresa que o executa, mas pela coragem e confiança no que faz. É assim que, inspirados pela máxima pessoana, “põe quanto és no mínimo que fazes”, trabalhamos cotidianamente oferecendo ao leitor livros de qualidade e respeitando o autor naquilo que ele tem de mais sagrado: os seus sonhos.
O LIVRO DO CÉU:
a chamada às criaturas à ordem, ao seu posto e à finalidade para a qual foram criadas por Deus –
Volume 1
Gênero: Prosa Copyright da tradução © Claudio Sousa Pereira Revisão: Pe. Gilson Magno dos Santos Editor: Gustavo Felicíssimo
“Eu sou o Mestre Divino, o Mestre da Divina Vontade, e as almas que vivem na Minha Vontade são o meu sorriso”. “Vejo o grande bem que farão estes escritos. Nossa paterna Bondade se dignou e benignamente quis ditar estes escritos desde o coração com os modos mais insinuantes, atraentes, afáveis, cheios de doçura e com um amor tão grande que atinge o inacreditável. Cada palavra pode chamar-se um presságio de amor, um maior que o outro; por isso, querer tocar nestes escritos é querer tocar em mim mesmo. E, portanto, terei tal cuidado que nem sequer uma palavra deixarei que se perca”. (20 de Junho de 1938).
Queremos consagrar este livro E os frutos que possam resultar desta leitura À Nossa Mãe Santíssima A Rainha do Reino da Divina Vontade.
INTRODUÇÃO
1 Nos escritos de Luísa Piccarreta se distinguem claramente três etapas, que são:
1.- Desde que Nosso Senhor começa a falar até o volume 10, vai ensinando os diferentes caminhos da santidade humana, baseada na prática de diferentes virtudes. Junto a isso, lhe fala de Sua Vontade, porém não sobre a forma sublime de viver n’Ela e d’Ela, senão sobre a grandeza de fazer a Divina Vontade, adequar-se a Ela, no abandono n’Ela etc. Não lhe dá o conhecimento do viver no Seu Querer. Ou seja, a vai exercitando na santidade humana, a qual, para Luísa, é estritamente necessário, para depois passar à santidade do viver no reino do Divino Querer. Luísa é a primeira filha da Divina Vontade, é nela onde se leva a cabo a primeira transmissão do reino desta Vontade, e, graças a ela, todos os demais podem chegar a este reino.
A introdução, portanto, pertence a versão em espanhol da obra, preparada e traduzida pelo Dr. Salvador Thomassiny Frías.
In: PICCARRETA, Luísa. Libro del Cielo. Volúmenes 1-36. Guadalajara: [publicador não identificado], 2010.
Nosso Senhor Jesus Cristo lhe ensina que a santidade humana não é tudo e que Ele já não quer essa espécie de santidade baseada nas virtudes, senão que deseja a Santidade do viver em seu Querer, ou seja, a Santidade Divina.
“…Não te aflijas, filha minha. Tu deves saber que quando vim à Terra, vim para abolir as leis antigas, outras a aperfeiçoá-las, porém apesar de as abolir, não me cansei de observar àquelas leis, contudo as observei no modo mais perfeito, como não faziam os demais, entretanto devendo unir em Mim o antigo e o novo, quis observá-las para dar cumprimento às leis antigas, colocando nelas o selo da abolição e dando princípio à lei nova, porque vim estabelecer sobre a Terra a Lei da Graça e do Amor, na qual encerrava em Mim todos os sacrifícios, devendo ser Eu o verdadeiro e o único sacrificado; por isso todos os demais sacrifícios já não eram mais necessários, porque sendo homem e Deus, era mais que suficiente para satisfazer a todos. Agora querida filha minha, querendo fazer de ti uma imagem perfeita de Mim e dar princípio a uma santidade tão nobre e divina, que é o ‘Fiat Voluntas Tua como no Céu assim na Terra’, quero concentrar em ti todos os estados que tenho até agora no caminho da santidade, e à medida em que tu passes por eles e os pratiques, fazendo-os em meu Querer, dou-lhes o cumprimento, os coroo e embelezando-os, lhes ponho o selo.
Tudo deve terminar em minha Vontade, e onde todas as santidades terminam, a santidade de meu Querer sendo nobre e divina, as tem todas por escabelo dando-lhe o seu princípio; por isso, deixa-me fazer, fazeme repetir minha Vida e o que disse na Redenção com muito amor, agora com mais amor quero repeti-lo em ti, para primeiramente fazer que minha Vontade e suas leis, sejam conhecidas, contudo quero o teu querer unido e perdido no Meu”.
2-. Do volume 12 ao 24 é a coleção de material (verdades acerca do reino da Divina Vontade operante na criatura). Claro está que é uma etapa onde se combinam ainda os sofrimentos, a obediência, a resignação etc., mas com uma clara nota de fazê-los ressurgir de modo Divino, ao lado de uma atividade plena e operante na Divina Vontade. Jesus lhe disse em outubro de 1928:
“Agora, tu deves saber que tudo o que foi manifestado em tua alma, as Graças que te foram dadas, as tantas verdades que escrevestes acerca da Divina Vontade, tuas penas e tudo que foi feito, não foram outra coisa que uma coleção de materiais para edificar, e agora é necessário organizá-los e por tudo em ordem.
E assim como não te deixei só para reunir as coisas necessárias que devem servir ao meu reino, mas estava contigo, assim não te deixarei só para colocar as coisas em ordem e fazer ver a grande edificação que por tantos anos estou preparando junto a ti; por isso nosso sacrifício e o trabalho não estão terminados, devemos seguir adiante até que a obra esteja concluída”.
3-. Na última etapa, do volume 25 ao 36, é a conclusão, ou seja, o construir o grandioso edifício de Seu reino na alma, aprender como se vive, que passa com a criatura quando mora neste reino, e sobretudo que se lhe achega a Deus quando a alma se entrega plenamente na feliz Vontade. Nos espera uma grandiosa aventura, conhecer a Deus, tratá-lo com uma familiaridade inquestionável, dar o gozo e a felicidade que anseia toda a eternidade e que somente a alma que vive na Sua Vontade pode dar-Lhe, unido a conhecer quem somos nós e para quê fomos criados (nossa finalidade).
Dr. Salvador Thomassiny Frías
O 1º volume começou a ser escrito no ano de 1899 por obediência imposta pelo Confessor Pe. Gennaro de Gennaro
2 Nota acrescentada pelo último confessor de Luísa, Pe. Benedetto Calvi. Luísa escreveu este volume ao mesmo tempo do volume posterior, que é em forma de diário. Nele ela conta sua vida passada, sem seguir uma ordem cronológica precisa.
Em 1926 completou a autobiografia com o Caderno de memórias de infância.
PRIMEIRO VOLUME J.M.J
Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Por Pura obediência, começo a escrever3 . Tu sabes, ó Senhor, o sacrifício que me custa a fazer, e que me submeteria a mil mortes antes de escrever uma só linha das coisas que se passaram entre mim e Ti. Oh! Meu Deus!
Minha natureza treme, sente-se esmagada e quase desfeita só de pensar. Ah! Dá-me a força, ó vida da minha vida, a fim de que possa cumprir a santa obediência! Tu, que deste a inspiração ao confessor, dá-me a graça de poder cumprir o que me é ordenado. Oh! Jesus! Ó Esposo! Ó minha fortaleza! A Ti me dirijo, a Ti venho, em Teus braços me introduzo, abandono-me, repouso. Ah! Consola-me em minha aflição e não me deixe só e abandonada! Sem a Tua ajuda estou certa
NOTA: 3 Luísa recebeu a obediência de anotar tudo o que havia acontecido entre ela e Jesus, de seu terceiro confessor, D. Gennaro de Gennaro, que desde 1898 a assistiu por 24 anos. Luísa começou a escrever seus volumes (36 cadernos grandes) em forma de diário, em 28 de fevereiro de 1899, a partir do 2º volume. Paralelamente, escreveu o 1º volume, no qual narra a sua vida passada, a partir dos 12 anos (mais ou menos de 1877 a 1899). Mais tarde teve que escrever um Caderno de memórias de infância em 1926, para completar o 1º volume. O último capítulo do último volume é de 28 de dezembro de 1938; ela não mais escreveu quando a ordem para fazê-lo cessou.
… de que não terei força para cumprir esta obediência que tanto me custa, eu serei vencida pelo inimigo e temo ser repudiada justamente por Ti, por minha desobediência. Ah! Olha para mim e olha para mim mais uma vez, ó Santo Esposo! Nestes Teus braços, vê quantas trevas que me rodeiam? São tão densas que não deixam entrar nem sequer um átomo de luz em minha alma. Oh! Meu místico Sol, Jesus, resplandece esta luz em minha mente, a fim de que faça dissipar as trevas e possas livremente recordar as graças que fizeste à minha alma.
Oh! Sol Eterno, manda outro raio de luz ao íntimo de meu coração e o purifique da lama em que jaz, queime-o, consuma-o em Teu Amor, a fim de que ele, que acima de tudo provou as doçuras de Teu Amor, possa claramente manifestá-las a quem está obrigado. Meu Sol Jesus, envia ainda outro raio de luz sobre meus lábios para que possa dizer puramente a verdade, com a única finalidade de conhecer se verdadeiramente és Tu, ou és uma ilusão do inimigo. Mas, oh! Jesus, quão escassa de luz vejo-me ainda nestes Teus braços. Ah! Contentame Tu, que tanto me amas, continua a mandar-me luz.
Oh! Meu Sol, meu belo, precisamente quero entrar no centro, a fim de ficar toda abismada nesta luz puríssima. Faze, ó Sol Divino, que esta luz me preceda adiante, siga-me de perto, circunde-me por toda parte, introduza-se nos mais íntimos esconderijos de meu interior, de modo que, consumindo meu ser terreno, transforme tudo em Teu Ser Divino. Virgem Santíssima, Mãe amável, venha em meu auxílio, para que obtenha do Vosso e meu doce Jesus a graça e a força para cumprir esta obediência.
São José, meu amado protetor, ajude-me nesta circunstância. São Miguel Arcanjo, defenda-me do inimigo infernal, que tantos obstáculos me põe à mente para fazerme faltar a esta obediência. São Rafael Arcanjo e tu, meu Anjo da Guarda, vinde assistir-me e acompanhar-me, e dirigir a minha mão a fim de que possa escrever só a verdade. Seja tudo para honra e glória de Deus, e para mim toda a confusão.
Oh, Santo Esposo, vem em meu auxílio. Ao considerar as muitas graças que fizeste à minha alma, sinto-me toda abismada, cheia de confusão e de vergonha, ao me ver ainda assim e sem corresponder às tuas graças. Mas, meu amável e doce Jesus, perdoa-me, não te retires de mim, continua derramando em mim Tua Graça, para que possas fazer de mim um triunfo de tua Misericórdia.
1- Início da narração4 . Novena do Santo Natal. E agora começo a Novena do Santo Natal. Aos dezessete anos5 , preparei-me para a festa do Santo Natal
NOTA: 4 A utilização do Tu (e suas respectivas flexões verbais e pronominais) reservam-se apenas às falas de Jesus Cristo, quando este se comunica com Luísa e vice-versa. Portanto, a utilização do você e suas flexões, sendo a segunda pessoa do discurso, mas pertencente à terceira pessoa gramatical, exigindo as formas verbais e os pronomes respectivos, ficou preservado na comunicação de Luísa às demais pessoas ou entes integrantes no diário. (Nota do Tradutor). 5 Natal de 1882.
…praticando diferentes atos de virtude e mortificação, honrando especialmente os nove meses que Jesus esteve no seio materno com nove horas de meditação por dia, referentes sempre ao mistério da Encarnação. 2- Primeira Hora. Como, por exemplo, em uma hora elevava meu pensamento ao paraíso e imaginava a Santíssima Trindade: o Pai que enviava o Filho à Terra, o Filho que prontamente obedecia ao Querer do Pai, e o Espírito Santo que consentia nisso. Minha mente se confundia tanto ao contemplar um mistério tão grande, um amor tão recíproco, tão igual, tão forte entre Eles e para com os homens; e na ingratidão destes, especialmente a minha; que nisto teria ficado não uma hora, mas durante todo o dia. Contudo, uma voz interna me dizia: “Basta; vem e vê outros maiores excessos do meu Amor”.6
3- Segunda Hora.
Então minha mente era levada ao seio materno e ficava admirada ao considerar aquele Deus tão grande no Céu, e agora tão humilhado, diminuído, restringido, que quase não podia mover-se, nem sequer respirar…
NOTA: 6 No Caderno de memórias da infância ela diz: “… Por volta dos 12 anos… comecei a ouvir a voz interior de Jesus, especialmente na Comunhão”.
A voz interior dizia-me: “Vês quanto te amei? Ah! Dá-me um lugar em teu coração, tira tudo o que não é meu, porque assim me darás mais facilidade para poder me mover e respirar”. Meu coração se desfazia, pedia-lhe perdão, prometia ser toda sua, desatava em pranto. No entanto, digo-o para minha confusão, voltava a meus defeitos habituais. Oh! Jesus, quão bom foste com esta criatura miserável!
4- Conclusão da Novena7 .
E assim passava a segunda hora do dia, e depois, pouco a pouco o restante, que dizer tudo causaria aborrecimento. E isto fazia-o às vezes de joelhos e quando era impedida de fazê-lo pela família, fazia-o mesmo trabalhando, porque a voz interior não me dava nem trégua nem paz se não fizesse o que queria, dessa forma o trabalho não me era impedimento para fazer o que devia fazer. Assim passei os dias da novena. Quando chegou a véspera, sentia-me ainda mais acendida por um insólito fervor. Eu estava sozinha no quarto quando o menino Jesus apareceu na minha frente, todo bonito, sim, mas tremendo, em atitude de querer me abraçar, eu me levantei e corri para abraçá-lo, mas no momento em que ia estreitá-Lo, desapareceu; isto repetiu-se três vezes.
NOTA: 7 Luísa acrescentou as outras sete horas da Novena em obediência ao final deste primeiro volume.
Fiquei tão comovida e acesa de amor, que não sei explicar; mas depois de algum tempo não o levei mais em conta, e não o disse a ninguém; de vez em quando, caía nas faltas habituais. A voz interior, desde então não me deixou nunca mais; em cada coisa me repreendia, corrigia, animava, em suma, o Senhor fez comigo como um bom pai com um filho que tende a desviar-se, e usa todas as diligências, os cuidados para mantê-lo no reto caminho, de modo a formar nele a sua honra, a sua glória, a sua coroa. Mas, ó Senhor! Muito ingrata Te tenho sido!
5- Jesus começa sua obra na alma:
Ele a tira e a separa do mundo exterior. Depois o Divino Mestre dá início, põe sua mão para desapegar meu coração de todas as criaturas, e com a voz interior me diz: “Eu sou o único que merece ser amado. Vê; se tu não tirares este pequeno mundo que cerca a ti, isto é, pensamentos de criaturas, imaginações, Eu não posso entrar livremente em teu coração. Este murmúrio em tua mente é impedimento para te deixar ouvir mais claramente a minha voz, para derramar as minhas graças e para apaixonar-te verdadeiramente por Mim. Promete-me ser totalmente minha e Eu mesmo porei mãos à obra. Tu tens razão de que não podes nada. Não temas, Eu farei tudo, dáme a tua vontade e isso me basta”.
E isso acontecia mais frequentemente na Comunhão; então lhe prometia ser toda sua, pedia-lhe perdão, visto que até aquele momento não o havia sido, dizia-lhe que queria amá-Lo verdadeiramente e lhe rogava que não me deixasse nunca mais sozinha sem Ele. E a voz continuava: “Não, não, virei contigo para observar todas as tuas ações, movimentos e desejos”8 . Todo o dia o sentia sobre mim, repreendia-me em tudo, como por exemplo se me entretinha demasiado, falando com a família de coisas indiferentes, não necessárias, a voz interna me dizia: “Essas conversas enchem-te a mente de coisas que não pertencem a Mim, circundam-te o coração de pó, de modo que te fazem sentir débil a minha Graça, não mais viva. Ah! Imita-me quando estava na casa de Nazaré, minha mente não se ocupava de outra coisa que da glória do Pai e da salvação das almas, minha boca não dizia outra coisa que discursos santos, com minhas palavras buscava reparar as ofensas ao Pai, tratava de flechar os corações e atraí-los ao meu Amor, e primariamente à minha mãe e a São José. Em uma palavra, tudo nomeava a Deus, tudo era feito por Deus e tudo a Ele se referia. Por que tu não poderias fazer de igual forma? ”
Eu ficava muda, toda confusa, tentava tanto quanto podia ficar sozinha; confessava-lhe minha debilidade,
NOTA: 8 Luísa tinha cerca de 12 anos. A narrativa a partir de agora prossegue em ordem cronológica.
…pedia-lhe ajuda e graça para poder fazer o que Ele queria, porque por mim mesma não sabia fazer nada que não fosse mal. Se durante o dia minha mente se ocupava em pensar nas pessoas as quais eu amava, em seguida me repreendia dizendo: “Isto é o bem que me queres? Quem te amou como Eu? Veja, se tu não acabares com isso, Eu te deixarei”.
Às vezes o sentia dando-me tantas e tais reprovações amargas, que não fazia nada além de chorar. Especialmente uma manhã, depois da Comunhão, deu-me uma luz tão clara sobre o grande amor que Ele me dava e sobre a volubilidade e inconstância das criaturas, ficando o meu coração tão convicto, que daí em diante já não era capaz de amar a nenhuma pessoa. Ensinou-me a amar as pessoas sem me separar d’Ele, isto é, a olhar para as criaturas como imagens de Deus, de modo que se recebia o benefício das criaturas, devia pensar que unicamente Deus era o primeiro autor daquele bem e que tinha se servido da criatura para me dar; então meu coração se unia mais a Deus.
Se recebia mortificações, devia vê-las também como instrumentos nas mãos de Deus para a minha santificação, por isso meu coração não ficava ressentido com o meu próximo. Então, por este modo acontecia que eu olhava as criaturas todas em Deus, por qualquer falta que visse nelas jamais lhes perdia a estima, se zombavam de mim sentia-me obrigada, pensando que estavam fazendo novas aquisições para minha alma, se me louvavam, recebia com desprezo estes louvores dizendo:
“Hoje isto, amanhã podem me odiar, pensando em sua inconstância”. Em suma, meu coração adquiriu tal liberdade, que eu mesma sou incapaz de expressá-la.
6- Jesus continua sua obra na alma de Luísa:
Ele a separa de si mesma, purificando tudo dentro de seu coração. Quando o Divino Mestre me libertou do mundo externo, pôs então a mão a purificar o interior, e com voz interior me dizia: “Agora estamos sozinhos; não há mais quem nos perturbe, não estás agora mais contente que antes onde devia contentar a tantos e tantos? Vê, é mais fácil agradar um só; deves fazer de conta que estamos sozinhos no mundo, promete-me ser fiel e Eu verterei em ti tantas graças que tu mesma ficarás maravilhada”. Depois continuou a dizer-me: “Sobre ti fiz grandes desígnios; sempre e quando tu me corresponderes, quero fazer de ti uma perfeita imagem Minha, começando desde o meu nascimento até minha morte; Eu mesmo te ensinarei, um pouco cada vez, o modo como o farás”.
E acontecia assim: Todas as manhãs, depois da Comunhão, dizia-me o que devia fazer no dia. Direi tudo brevemente, porque depois de tanto tempo é impossível poder dizer tudo. Não me lembro bem, mas parece que a primeira coisa que me dizia era que o necessário para purificar o interior de meu coração, seria o aniquilamento de mim mesma, isto é, a humildade. E continuava dizendo-me: “Vê, para fazer com que Eu derrame as minhas graças no teu coração, quero fazer-te compreender que por ti nada podes. Eu cuido muito bem daquelas almas que atribuem a si mesmas o que fazem, querendo usurpar-me as graças.
Ao contrário, com aquelas que conhecem a si mesmas, Eu sou generoso em verter a torrentes minhas graças, sabendo muito bem que nada se refere a elas mesmas, agradecem-me e têm a estima que convém, vivem com medo de que, se não me corresponderem, posso tirar-lhes o que lhes dei, sabendo que não são coisas próprias. Pelo contrário, nos corações que exalam soberba nem sequer posso entrar neles, porque, inflados de si mesmos, não há lugar onde possa me colocar; os miseráveis não levam em conta minhas graças e vão de queda em queda até a ruína. Por isso, quero que neste dia faças contínuos atos de humildade, quero que estejas como um menino envolto em fraldas, que não pode mover nem sequer um pé para dar um passo, ou uma mão para agir, senão que tudo o espera da mãe. Assim estarás junto a Mim como um menino, rogando-me sempre que te assista, que te ajude, confessando-me sempre teu nada, em suma, esperando tudo de Mim”.
7 – Jesus conduz a alma à verdade do seu próprio nada.
Então procurava fazer tudo quanto podia para satisfazê-lo, diminuía-me, aniquilava-me, e às vezes chegava a tal ponto, de sentir quase desfeito meu ser, de modo que não podia agir, nem dar um passo, sequer um respiro se Ele não me sustentasse. Além disso, eu me via tão mal que tinha vergonha de me deixar ver pelas pessoas, sabendo que sou a mais feia, como na realidade eu ainda sou, então tanto quanto podia fugia deles e dizia a mim mesma: “Oh, se soubessem como eu sou ruim, e se pudessem ver as graças que o Senhor está me fazendo, (porque eu não dizia nada a ninguém) e que ainda sou a mesma; oh, como me teriam horror!”.
Depois, na manhã em que ia de novo a comungar, parecia que, Jesus, ao vir a mim, fazia festa pelo contentamento que sentia ao me ver tão aniquilada, dizia-me outras coisas sobre o aniquilamento de mim mesma, mas sempre de uma maneira diferente da anterior, acredito que não uma, mas centenas de vezes Ele falou comigo, e se Ele me tivesse falado milhares de vezes teria9 sempre novas maneiras de falar sobre a mesma verdade: oh! Meu Divino Mestre, quão sábio és, se ao menos te tivesse correspondido!
NOTA: 9 Luísa diz “seguraria”, muitas vezes usando — como é comum no sul da Itália — o verbo “segurar” em vez de “ter”, e às vezes este último como auxiliar em vez de “ser”.
Lembro-me de uma manhã, quando Ele me falava sobre esta mesma virtude, disse-me que por falta de humildade havia cometido muitos pecados, e que se eu tivesse sido humilde, teria ficado mais perto d’Ele e não teria feito tanto mal; Ele me fez entender como o pecado era feio, a afronta que este miserável verme tinha feito a Jesus Cristo, a ingratidão horrenda, a impiedade enorme, e o dano que tinha causado à minha alma.
8 – A alma sofre pelos pecados e faltas cometidas; mas Jesus não quer que ela perca tempo pensando novamente em seu passado.
Fiquei tão espantada que não sabia o que fazer para reparar; fazia algumas mortificações, pedia outras ao confessor, mas poucas me eram concedidas, assim que todas me pareciam sombras e não fazia outra coisa que pensar em meus pecados, mas sempre mais estreitada a Ele; tinha tanto medo de me afastar dele e de agir pior que antes, que eu mesma não sei explicar.
Não fazia outra coisa quando o encontrava, que dizer-lhe a pena que sentia por havê-lo ofendido, pedia-Lhe sempre perdão, agradecia-Lhe porque tinha sido tão bom comigo, e dizia-Lhe de coração: “Olha, oh! Senhor o tempo que perdi, enquanto poderia ter te amado”. Então, não sabia dizer-Lhe outra coisa senão o grave mal que tinha cometido.
Finalmente, um dia repreendendo-me, disse: “Esqueço-me das culpas”. Não quero que penses mais nisto, porque quando uma alma se humilha, convencida de ter feito mal e lavado a sua alma no sacramento da confissão e está disposta a morrer antes de me ofender, pensar nisso é uma afronta à minha Misericórdia, é um impedimento para estreitá-la ao meu Amor, porque ela procura sempre, com a sua mente, envolver-se na lama do passado e impede-me de fazê-la levantar voo para o Céu, pois sempre com essas ideias se fecham em si mesmas, se procura pensar nelas. E além disso, olha, Eu já não me lembro de nada, eu esqueci perfeitamente; tu vês alguma sombra de rancor da minha parte?”
E eu dizia-lhe: “Meu Senhor, és tão bom”. Mas sentia-me partir o coração de ternura. E Ele: “bem, quererás levar adiante estas coisas?” E eu: “Não, não, não quero”. E Ele: “Pensemos em amar-nos e em contentar-nos mutuamente”. Daí em diante não pensei mais nisso, fazia tudo o que podia para satisfazê-Lo e Lhe pedia que Ele mesmo ensinasse o modo para reparar o tempo passado. E Ele me dizia: “Estou pronto a fazer o que tu queres. Vê, a primeira coisa que disse que queria de ti era a imitação da minha Vida, assim vejamos o que te falta”. “Senhor”, dizia-lhe, “falta-me tudo, não tenho nada”. “Bem”, dizia-me: “Não temas, pouco a pouco faremos tudo, Eu mesmo conheço como és fraca, mas é de Mim que deves tomar força”.
9 – As criaturas devem desaparecer aos olhos da alma, a fim de olharem apenas para Jesus, agirem somente com Jesus e para Jesus.
(Não me lembro em ordem, mas como posso irei dizê-lo) E acrescentava: “Quero que sejas sempre reta no teu agir, com um olho deves olhar para Mim e com o outro olho deves olhar o que estás a fazer; quero que as criaturas desvaneçam completamente. Se te dão ordens, não olhes para as pessoas, não, mas deves pensar que Eu mesmo quero que faças o que te é ordenado, então com os olhos fixos em Mim não julgarás ninguém, não olharás se a coisa te é penosa ou te agrada, se podes ou não fazê-la: fechando os olhos a tudo isto os abrirás para olhar somente a Mim, me levarás junto de ti pensando que estou olhando-te fixamente e me dirás: Senhor, só por Ti o faço, só por Ti quero agir, não mais sujeita às criaturas. Então, se tu andas, se trabalhas, se falas, em qualquer coisa que fazes, teu único fim deve ser o de agradar só a Mim. Oh! Quantos defeitos evitarás se fizeres assim”. Outras vezes me dizia: “Também quero que, se as pessoas te mortificam, te injuriam, te contradizem, mantenhas o olhar fixo em Mim, pensando que com a minha própria boca te digo:
Filha, Sou eu mesmo que quero que sofras isto, não as criaturas, afastes o olhar delas, sejamos senão somente Eu e tu sempre, as demais, destruas. Vê, quero fazer-te bela por meio destes sofrimentos, quero enriquecer-te com méritos, quero trabalhar a tua alma, tornar-te semelhante a Mim. Tu me farás um presente, me agradecerás afetuosamente, serás grata com aquelas pessoas que te dão a oportunidade de sofrer, recompensando-as com algum benefício. Fazendo assim, caminharás retamente diante de Mim, nada mais te causará inquietude e gozarás sempre de paz”.
10 – A criatura deve morrer para si mesma para viver somente em Jesus: necessidade do espírito de mortificação e de caridade.
Depois de algum tempo em que tentei exercitarme nestas coisas, às vezes fazendo e às vezes caindo (se bem que vejo claramente que ainda me falta este espírito de retidão e sempre fico mais confusa pensando em tanta ingratidão minha), Jesus falou comigo e me fez entender a necessidade do espírito de mortificação. Se bem me lembro, em todas estas coisas que me dizia, acrescentava-me sempre que tudo devia ser feito por seu amor, e que as virtudes mais belas, os maiores sacrifícios, tornavam-se insípidos se não tinham princípio no amor. “A caridade — dizia-me — é uma virtude que dá vida e esplendor a todas as demais, de modo que sem ela todas estão mortas e meus olhos não sentem nenhum atrativo, e não têm nenhuma força sobre meu coração; estejas, pois, atenta e faz que tuas obras, mesmo as mínimas, sejam investidas pela caridade, isto é, em Mim, comigo e por Mim”.
Agora vamos direto à mortificação. “Quero — dizia-me — que em todas as tuas coisas, até as necessárias, sejam feitas com espírito de sacrifício. Vê, tuas obras não podem ser reconhecidas por Mim como minhas se não têm a marca da mortificação.
Assim como a moeda não é reconhecida pelos povos se não contém em si mesma a imagem de seu rei, é desprezada e não tomada em conta, assim são tuas obras, se não têm o enxerto da minha cruz, não podem ter nenhum valor. Olha, agora não se trata de destruir as criaturas, mas a ti mesma, de te fazer morrer para viver somente em Mim e de minha própria Vida. É verdade que te custará mais do que fizestes, mas tem coragem, não temas, não o farás tu, senão Eu que agirei em ti”. Então recebia outras luzes sobre a aniquilação de mim mesma e me dizia: “Tu não és outra coisa que uma sombra, que, enquanto quer tomá-la, foge; tu és nada”.
Eu me sentia tão aniquilada que teria querido me esconder nos mais profundos abismos, mas me via impossibilitada para fazê-lo, sentia tal vergonha que ficava muda. Enquanto estava neste reconhecimento…
NOTA: 10 “Se alguém pensa que é alguma coisa e não é nada, está enganando a si mesmo” (Gl 6,3).
… do meu nada, Ele me dizia: “Põe-te junto a Mim, apoia-te no meu braço, Eu te sustentarei com as minhas mãos e tu receberás força. Tu estás cega, mas a minha luz te servirá de guia. Vê, Eu vou estar à frente e não farás outra coisa que olhar para mim a fim de me imitar”.
11 – A primeira coisa que a alma deve é fazer morrer a própria vontade em tudo, mortificando-a constantemente em todas as coisas.
Depois me dizia: “A primeira coisa que quero que mortifiques é a tua vontade. Aquele ‘eu’ deve ser destruído em ti, quero que a tenhas sacrificada como vítima diante de Mim, para fazer que de tua vontade e da minha se formem uma só. Não estás contente?” Eu respondia: Sim, Senhor, mas dá-me a graça, porque vejo que, por mim, nada posso. E Ele continuava dizendo-me: “Sim, Eu mesmo te contradirei em tudo, e às vezes por meio das criaturas”. E assim se sucedia. Por exemplo: se pela manhã eu acordasse e não me levantasse logo, a voz interior me dizia: “Tu descansas, e eu não tive outro leito que a cruz. Logo, logo, sem tanta satisfação”. Se caminhava e minha vista se ia um pouco longe, logo me repreendia: “Não quero que a tua vista se afaste de ti além da distância de um passo a outro, para fazer com que não tropeces”.
Se me encontrava no campo e via flores, árvores, dizia-me: “Eu tudo criei por teu amor, privas a tua vista deste contentamento por meu amor”. Mesmo nas coisas mais inocentes e santas, como por exemplo os ornamentos dos altares, as procissões, dizia-me: “Não deves ter outro prazer senão somente em Mim”. Se, enquanto trabalhava, estava sentada, me dizia: “Estás muito cômoda, não te lembras que minha Vida foi um contínuo penar? E tu? E tu? ”. Logo, para agradá-lo me sentava na metade da cadeira e a outra metade a deixava vazia, e algumas vezes em brincadeira lhe dizia: “Vê, Senhor, a metade da cadeira está vazia, vem sentar-se junto a mim”. Uma vez, senti-me tão feliz que nem sei dizer. Algumas vezes que estava trabalhando com lentidão e apatia me dizia: “Logo, depressa, que o tempo, que ganharás apressando-te, virás a passá-lo junto a Mim na oração”.
Às vezes, Ele mesmo me dizia quanto trabalho eu deveria fazer. Pedia que Ele viesse me ajudar. “Sim, sim”, me respondia, “faremos isso juntos para que, depois que terminares, ficaremos mais livres”. E acontecia que em uma hora ou duas eu fazia o que tinha que fazer o dia todo, então ia rezar e me dava tantas luzes e me dizia tantas coisas que levaria muito tempo para contá-las. Lembro-me que, enquanto trabalhava sozinha, via que o fio não era suficiente para concluir o trabalho e que teria que ir com a família para buscá-lo; então me dirigia a Ele e dizia: “De que serve, meu amado, ter me ajudado, porque agora vejo que preciso ir à família, e posso encontrar pessoas e elas me impedirão de voltar novamente, e então nossa conversa terminará. ”
“O quê, o quê!”, ele me dizia, “e tu tens fé? ”
Sim.
“Pois não temas, eu te farei terminar tudo”.
E assim sucedia, e logo eu me punha a rezar. Se fosse a hora do almoço e eu comesse algo agradável, repreendia-me internamente dizendo: “Talvez tenhas esquecido que eu não tinha outro gosto além de sofrer por teu amor, e que tu não deverias ter outro gosto além de te mortificares por meu amor? Deixa e come o que não te agrada”.
E eu imediatamente pegava e levava para a pessoa que ajudava no serviço, ou então dizia que não queria mais, e muitas vezes passava quase em jejum, mas quando ia rezar recebia tanta força e sentia tanta saciedade que me sentia enjoada de tudo o mais. Outras vezes, para me contradizer, se eu não sentisse vontade de comer, ele me dizia: “Quero que tu te alimentes por meu amor, e enquanto a comida se une ao corpo, peça-me para unir meu amor à tua alma e todas as coisas serão santificadas”. Em uma palavra, sem ir mais longe, mesmo nas menores coisas tratava de fazer morrer minha vontade, para me fazer viver apenas para Ele. Permitia que até o confessor me contradissesse como por exemplo: eu tinha um grande desejo de receber a comunhão e durante todo o dia e noite não fiz nada além de me preparar, meus olhos não podiam fechar-se para dormir devido ao palpitar contínuo do coração, e lhe dizia:
“Senhor, apressa-te porque não posso ficar sem Ti, acelera as horas, faz surgir logo o sol porque não aguento mais, meu coração desfalece”. Ele próprio fazia-me certos convites amorosos com os quais me sentia despedaçar o coração e me dizia; “Vê, Eu estou só, não sintas pena de não poderes dormir, trata-te de fazer companhia a teu Deus, teu Esposo, teu Tudo, que é continuamente ofendido. Ah! Não me negues esse consolo, que mais tarde nas tuas aflições Eu não te deixarei”. Enquanto eu estava com essas disposições, de manhã ia com o confessor e sem saber o porquê, a primeira coisa que ele me dizia era:
“Não quero que receba a Comunhão”. Digo a verdade, era tão amargo para mim que às vezes não fazia nada além de chorar, não me atrevia a dizer nada ao confessor, porque era isso que Jesus queria que eu fizesse, caso contrário, Ele me repreendia; mas ia ter com Ele e dizia minha tristeza: “Oh meu Bem, por isso a vigília que fizemos esta noite, que depois de tanto esperar e desejar, devia ficar privada de Ti? Sei bem que devo obedecer, mas digame posso estar sem Ti? Quem me dará a força? Ademais, qual o valor de ir a essa Igreja sem levar-te comigo? Eu não sei o que fazer, mas Tu podes remediar a tudo. Enquanto assim desabafava, sentia vir um fogo junto a mim, entrar uma chama no coração e O sen- 35 tia dentro de mim, e em seguida me dizia: “Acalmate, acalma-te, eis me aqui, estou já em teu coração. O que temes agora? Não te aflijas mais, Eu mesmo quero te enxugar as lágrimas, tens razão, tu não podias estar sem Mim, não é verdade? Então eu ficava tão aniquilada em mim mesma por isso, e dizia-lhe que se tivesse sido boa, Ele não teria disposto dessa maneira, e pedia-lhe que não me deixasse mais, que sem Ele eu não queria ficar.
12 – Jesus quer se apaixonar pela alma que sofre por amor a Ele: por isso a leva a mergulhar no mar sem limites de sua Paixão.
A primeira visão de Jesus. Depois dessas coisas, um dia, após a Comunhão, sentia-O todo amoroso em mim, e que me amava tanto, que ficava maravilhada, porque me via tão má, e sem corresponder, e dizia dentro de mim: “Ao menos fora boa e lhe correspondera, ainda tenho medo de que me deixe” (esse medo de me deixar sempre tive e ainda tenho, e às vezes é tanta a dor que sinto, que acho que a pena de morte seria menor, e se Ele próprio não vier a me acalmar, não sei como me dar paz11); entretanto,
NOTA: 11Este “santo temor de Deus” sempre reflete a percepção da Majestade Divina, que Luísa sente a fraqueza pessoal e insignificância diante da grandeza de Deus, e é também uma proteção de futuros dons que receberá.
… Ele quer estreitar-se mais intimamente a mim. E enquanto O sentia dentro de mim, com uma voz interna me disse:
“Minha amada, as coisas passadas foram apenas uma preparação. Agora eu quero chegar aos fatos, e para dispor teu coração para fazer o que eu quero de ti, isto é, a imitação da minha Vida; quero que entres no imenso mar da minha paixão, e quando tiveres compreendido bem a amargura das minhas penas, o amor com que as sofri, quem sou Eu que tanto sofri, e quem és tu, criatura vil, ah, teu coração não se atreverá a opor-se aos golpes, à cruz, que Eu preparei somente para o teu bem; mas sim, apenas pensando que Eu, Teu Mestre, sofri tanto, tuas tristezas parecerão sombras comparadas às minhas, o sofrimento será doce para ti e serás incapaz de ficar sem algum sofrimento”.
Minha natureza tremia só de pensar no sofrimento. Pedi-Lhe para dar-me força, porque sem Ele eu teria usado seus próprios dons para ofender o doador. Então comecei a meditar na Paixão, e isso fez tanto bem à minha alma, que acho que todo o bem chegou a mim dessa fonte. Via a paixão de Jesus Cristo como um imenso mar de luz, que com seus inúmeros raios me feriam muito, isto é, raios de paciência, de humildade, de obediência e de tantas outras virtudes; eu me vi toda cercada por essa luz e fui aniquilada me vendo tão diferente d’Ele. Aqueles raios que me inundaram eram para mim muitas outras censuras que me diziam:
“Um Deus paciente, e tu? Um Deus humilde e submetido até aos seus próprios inimigos, e tu? Um Deus que sofre tanto por teu amor e teus sofrimentos por seu amor, onde estão eles?” Às vezes, Ele mesmo me narrava as penas sofridas, e eu ficava tão comovida que chorava amargamente. Um dia, enquanto trabalhava, estava considerando as penas muito amargas que meu bom Jesus sofreu. Porém, meu coração se sentiu tão oprimido pela dor, que me faltava a respiração; temendo algo, eu queria me distrair inclinando-me para a varanda. Começo a olhar no meio da rua, mas o que vejo? Vejo a rua cheia de gente e, no meio, meu amado Jesus com a cruz nos ombros; um o puxava de um lado e outro alguém por outro, todo ofegante, com o rosto gotejando sangue, e levantando os olhos em minha direção, numa atitude de me pedir ajuda. Quem pode contar a dor que senti, a impressão que uma cena tão lamentável causou em minha alma?
Entrei rapidamente em meu quarto, eu mesma não sabia onde estava, sentia meu coração rasgar em pedaços por causa da dor, e chorando lhe dizia: “Meu Jesus, se ao menos eu pudesse ajudarte, pudesse libertar-te daqueles lobos furiosos! Ai! Eu gostaria ao menos de sofrer essas penas em teu lugar, para aliviar minha dor”. Ah, meu bem, dá-me sofrimento, porque não é justo que Tu sofras tanto, e eu, pecadora, fique sem sofrer”12.
NOTA:12 Foi a primeira visão de Luísa aos 13 anos de idade.
Desde então, recordo, que se incendiou em mim tanto desejo de sofrer que não se apagou até agora. Também me lembro que, depois da Comunhão, pediaLhe ardentemente para me conceder sofrimento, e Ele, às vezes, para me contentar, parecia-me que tomava os espinhos da sua coroa e cravava-os no meu coração; outras vezes, sentia que tomava meu coração entre suas mãos, e o estreitava tão forte que pela dor que eu sentia perdia os sentidos. Quando Lhe avisava que as pessoas poderiam perceber algo, e Ele estava disposto a me dar essas penas, eu logo lhe dizia: “Senhor, o que Tu estás fazendo?
Peço que me dês sofrimento, mas que ninguém perceba”. Assim, por algum tempo, ele me contentou13, mas meus pecados me tornaram indigna de sofrer secretamente, sem que ninguém o soubesse.
NOTA: 13 – Jesus quer que a alma toque com a mão o seu próprio nada e se disponha da mais profunda humildade; por isso, a priva de toda consolação e graça sensível, escondendo-se dela.
Lembro-me que muitas vezes após a Comunhão, Ele me dizia: “Tu não poderás realmente se assemelhar a Mim, senão por meio de sofrimentos. Até agora estive ao teu lado, agora quero deixar-te sozinha um pouco, sem me fazer sentir. Vê, até agora De fato, quando anos depois Jesus a crucificou consigo mesmo, seus estigmas permaneceram invisíveis. eu te guiei pela mão, instruindo-te e corrigindo-te em tudo, e tu não fizeste nada além de me seguir. Agora eu quero que faças isso por ti mesma, entretanto mais atenta do que antes, pensando que estou olhando para ti, mas sem me fazer sentir, e que quando eu me fizer sentir novamente, virei, para recompensar-te se tiveres sido fiel a mim ou punir-te se tiveres sido ingrata”.
Fiquei tão assustada e aterrorizada com esta notícia que lhe dizia: “Senhor, meu tudo e minha vida, como poderei sobreviver sem Ti, quem me dará força? Como, depois que me fizeste deixar tudo, de modo que eu sinto que não existe ninguém para mim, queres me deixar só e abandonada? Talvez tenhas esquecido do quão ruim eu sou, e que sem Ti eu não posso fazer nada?” E por essa recriminação, assumindo um aspecto mais sério, acrescentou: “É que Eu quero fazer-te compreender bem quem tu és. Vê, estou fazendo isso para o teu próprio bem. Não te entristeças, quero preparar teu coração para receber as graças que te designei. Até agora eu te ajudei sensivelmente, agora serás menos sensível, te farei tocar com a mão o teu nada, te cimentarei bem na profunda humildade para poder construir sobre ti os muros mais altos, assim que em vez de afligir-te, deverias alegrar-te e me agradecer, porque quanto antes Eu te fizer passar pelo mar tempestuoso, mais cedo chegarás a um porto seguro.
Quanto mais duras as provas que te sujeitarei, tantas maiores graças eu te darei. Então, ânimo, ânimo, e depois, logo virei”. E ao dizer-me isso, parecia que Ele estava me abençoando e indo embora. Quem pode dizer a dor que eu sentia, o vazio que deixava em meu interior, as lágrimas amargas que eu derramei? Porém, resignei-me à sua Santa Vontade, parecia que de longe lhe beijava a mão que me havia abençoado e dizia-lhe: “Adeus, ó Santo Esposo, adeus”. Vi que tudo para mim tinha acabado, considerando que eu tinha somente a Ele, e sem Ele, não tinha outro consolo, mas tudo se transformara em dores muito amargas.
Antes, as próprias criaturas intensificavam minha dor, de modo que todas as coisas que via me pareciam dizer: “Veja, somos obras do teu amado, onde Ele está?” Se eu olhasse para a água, fogo, flores e até as próprias pedras, imediatamente o pensamento me dizia: “Ah, estas são as obras do teu Esposo. Elas têm o prazer de vê-lo e tu não o vês”. Ah! obras do meu Senhor, me deem notícias, me digam, onde Ele está? Falou-me que logo voltaria, mas quem sabe quando?14
” Às vezes alcançava uma desolação tão amarga que sentia falta de ar, me sentia gelar toda, sentia um calafrio em toda a minha pessoa. Às vezes a família…
NOTA:14 Luísa repete as mesmas pungentes lamentações no “Caderno de memórias de infância”. E em muitas passagens de seus escritos ela é literalmente expressa como a Noiva do “Cântico dos Cânticos”.
… percebia isso e eles atribuíam à alguma doença física e queriam me colocar em tratamento, chamar médicos. Às vezes insistiam tanto que conseguiam, mas eu, no entanto, fazia o máximo que podia para ficar sozinha, então eles raramente notavam.
14 – A alma experimenta que não é capaz de nada sem Jesus Cristo e que deve tudo a Ele. Jesus, o verdadeiro Diretor espiritual a instrui sobre como fazê-lo no estado de escuridão e abandono, na oração, na comunhão e nas visitas ao Santíssimo Sacramento.
Recordava-me também de todas as graças, as palavras, as correções, repreensões, via claramente que tudo Ele fizera até aí, tudo, tudo tinha sido obra de sua graça, e que de mim não ficava mais que o puro nada e a inclinação ao mal; tocava com a mão que sem Ele não sentia mais o amor tão sensível, nem aquelas luzes tão claras na meditação, de modo que permanecia por duas ou três horas, mas, mesmo assim fazia o máximo que podia, para repetir o que fazia quando o sentia, porque ouvia aquelas palavras se ressoarem:
“Se tu fores fiel a mim, irei premiar-te, se ingrata, castigar-te”. Assim passava às vezes dois dias, às vezes quatro, mais ou menos como Lhe agradava; meu único consolo era recebê-lo no Sacramento… Ah, sim, certamente, lá O encontrava, não podia duvidar, e lembro-me de que Ele raramente não se fazia ouvir, porque eu tanto lhe pedia e importunava, que me contentava, mas não amorosa e amavelmente, senão severamente15.
Depois que passaram esses dias no estado descrito acima, especialmente se eu tivesse sido fiel a Ele, sentia-O voltar para o meu interior, falava comigo mais claramente, e como em dias passados eu não tinha conseguido conceber nem uma palavra dentro de mim, nem ouvido qualquer coisa, então entendia que não era minha fantasia, como muitas vezes eu costumava pensar antes. Até esse momento não dizia nada ao confessor ou a nenhuma outra alma vivente, entretanto fazia o quanto podia para corresponder-lhe, porque senão Ele me faria tanta guerra que não teria paz. Ah, Senhor, tens sido tão bom comigo, e eu sou tão ruim ainda! Continuando com o que havia começado, sentia-o dentro de mim, abraçava-o, estreitava-o e dizia-lhe: “Amado Bem, veja como nossa separação tem sido amarga”. E Ele me dizia: “É nada o que tu passaste, prepara-te para provas mais duras; por isso eu vim, para dispor teu coração e fortalecê-lo. Agora vais me contar tudo o que passou, tuas dúvidas e medos, todas as tuas dificuldades para poder te ensinar como se comportar na minha ausência”. Então eu narrei minhas tristezas dizendo: “Senhor, olha, sem ti eu não tenho conseguido fazer nada…
NOTA:15 Que vê-se como propriamente sentiu Jesus, vê-lo não dependia propriamente de Luísa, como conclui mais tarde.
… de bom; fiz a meditação toda distraída, feia, tanto que não tinha o espírito para oferecer a ti. Na comunhão, não pude passar horas inteiras como quando te sentia, me via sozinha, não tinha ninguém para me entender, me sentia vazia de tudo, a dor da tua ausência me fazia provar agonias mortais, minha natureza queria apressar-se imediatamente para fugir daquela dor, especialmente porque parecia que eu não estava fazendo nada além de perder tempo, e ainda o medo que ao voltar Tu me castigarias por não ter sido fiel, então eu não sabia o que fazer. Além disso, a dor de que Tu estás sendo continuamente ofendido e que eu sem saber quando, onde antes me ensinavas a fazer esses atos de reparação, essas visitas ao Santíssimo Sacramento pelas ofensas que Tu recebes. Então diga-me, como devo fazer?”
E Ele, me instruindo benignamente, me dizia: “Tens feito mal por estares tão perturbada, não sabes que eu sou o Espírito de paz? E a primeira coisa que te recomendo é não perturbar a paz do coração quando em oração não pode se recolher, não quero que pense sobre isso ou aquilo, como é ou como não é, fazendo dessa maneira, tu mesma chamas a distração. Pelo contrário, quando estás nesse estado, a primeira coisa é que te humilhes, confessando-te merecedora dessas penas, pondo-te como humilde cordeiro nas mãos do carrasco, que enquanto o mata lhe lambe as mãos; então tu, enquanto te vês espancada, abatida, sozinha, te resignarás às minhas santas disposições, me agradecerás de todo coração, beijarás a mão que te bate, reconhecendote indigna dessas dores, então me oferecerás aquelas amarguras, angústias e tédio, pedindo que eu as aceite como sacrifício de louvor, de satisfação por tua culpa, de reparação pelas ofensas que Me fazem.
Ao fazer isso, tua oração se elevará diante do meu trono como incenso perfumado, ferirá meu coração e atrairá novas graças e novos carismas para ti; o demônio, vendo-te humilde e resignada, toda abismada em teu nada, não terá forças para se aproximar. Eis que onde pensou que estava perdendo, farás grandes aquisições. Quanto à Comunhão, não quero que te aflijas por não saber como vais ficar, deves saber que é uma sombra das dores que sofri no Getsêmani. Como será quando eu te fizer participante dos flagelos, dos espinhos e dos cravos?
O pensamento dos sofrimentos maiores te fará sofrer com mais ânimo as penalidades menores, portanto, quando na Comunhão te encontrares sozinha, agonizante, pensas que eu te quero um pouco em minha companhia na agonia do horto. Portanto, permanece junto a Mim, e faz uma comparação entre tuas dores e as minhas. Vê-te sozinha, privada de Mim, e Eu também só, abandonado pelos meus amigos mais fiéis que estão sonolentos, deixado sozinho até pelo meu Divino Pai; e também no meio de uma dor amarguíssima, cercado por cobras, víboras e cães raivosos, que eram os pecados dos homens, e onde estavam também os teus, que fizeram parte deles, de modo que me parecia que queriam me devorar vivo. Meu coração sentiu tanta opressão como se estivesse sob uma prensa, tanto que suei sangue vivo. Dize-me, quando chegaste a sofrer tanto?
Então quando te encontrares privada de Mim, aflita, vazia de todo consolo, cheia de tristeza, de angústia e dores, aproxima-te de Mim, limpa-me esse sangue, ofereceme essas tristezas como alívio para minha agonia amarguíssima. Ao fazer isso, encontrarás uma maneira de permanecer Comigo após a Comunhão; não que não sofras, porque a dor mais amarga que posso dar às minhas queridas almas é privando-as de Mim, mas tu, pensando que com o teu sofrimento, me dás conforto, ficarás satisfeita. Em relação às visitas e atos de reparação, tu deves saber que tudo o que fiz no decorrer de trinta e três anos, desde o nascimento até a morte, o continuo no sacramento do altar, por isso quero que me visites trinta e três vezes por dia, honrando todos meus anos e unindo-te Comigo no Sacramento, com minhas mesmas intenções, isto é, de reparação, de adoração.
Isso tu farás em todos os momentos do dia: volta imediatamente o primeiro pensamento da manhã diante do tabernáculo onde estou por teu amor e visita-me; o último pensamento da 46 tarde, enquanto tu dormes à noite, antes e depois de comer, ao começo de toda ação tua, caminhando, trabalhando”.
Enquanto assim me dizia, sentia-me toda confusa, e sem saber se poderia fazê-lo, disse-lhe: “Senhor, peço que fiques comigo até que eu tenha o hábito de fazêlo, porque sei que contigo posso fazer tudo, mas sem ti o que posso fazer eu, miserável?” E ele benignamente adicionava:
“Sim, sim, eu vou te contentar, quando te faltei? Quero tua boa vontade e dar-te-ei qualquer ajuda que desejares.” E assim fazia.
15 – Jesus exorta Luísa, no ato de enriquecê-la e embelezá-la mais e uni-la mais intimamente a Si mesmo, a apoiar uma luta terrível contra os demônios.
Depois de algum tempo, às vezes com Ele, às vezes privada d’Ele, certo dia após a comunhão me senti mais intimamente unida a Ele, e me fez várias perguntas, como: se o amava, se estava disposta a fazer o que Ele queria até o sacrifício da vida por seu amor; e me dizia ainda:
“E tu me dizes o que queres, se estás pronta para fazer o que Eu quero, também Eu farei o que tu quiseres”. Eu me via toda confusa, não entendia sua maneira de agir, mas com o tempo entendi que Ele usa essa maneira de agir quando quer dispor a alma para novas e mais pesadas cruzes, e sabe tanto como atrair a Si com esses estratagemas, que a alma não ousa oporse ao que Ele quer.
Então eu dizia: “Sim, Te amo, mas me digas Tu mesmo, posso encontrar um objeto mais belo, mais santo e mais amável que Tu? Também por que me pergunta se estou disposta a fazer o que queres, se há tanto tempo te entreguei a minha vontade e te pedi que não evitasses nem mesmo me despedaçar contanto que te pudesse agradar?
Eu me abandono em Ti. Ó Santo Esposo, opera livremente, faze de mim o que quiseres, dá-me a tua Graça, pois por mim nada sou e nada posso”. E Ele me dizia: “Tu estás verdadeiramente disposta a tudo o que Eu quero?”
Então me senti mais confusa e atordoada e dizia: “Sim, estou disposta”. Mas quase tremendo, e Ele compassivamente continuou a dizer-me: “Não temas, eu serei tua força, tu não sofrerás, mas serei Eu quem sofrerá e lutará por ti. Olha, eu quero purificar tua alma de tudo, do mínimo defeito que poderia impedir meu amor por ti, quero provar tua fidelidade, mas como posso ver se isso é verdade, senão colocando-te no meio da batalha?
Tu deves saber que eu quero colocar-te no meio de demônios, dar-lhes-ei liberdade para atormentar-te e tentar-te para que quando tiveres combatido os vícios com as virtudes opostas, já te encontrarás de posse dessas mesmas virtudes que tu pensaste que perderias e, mais tarde, tua alma purificada, embelezada e enriquecida, serás como um rei que volta vitorioso de uma guerra feroz, que enquanto acreditava perder o que tinha, se torna mais glorioso e cheio de imensas riquezas. Então eu virei, formarei minha morada em ti, e sempre estaremos juntos. É verdade que teu estado será doloroso, os demônios não te darão paz, nem de dia nem de noite, sempre estarão em ato de travar uma guerra feroz contra ti, mas sempre tenhas em mente o que eu quero fazer, isso é, tornar-te semelhante a Mim, e tu não serás capaz de alcançá-lo, exceto por meio de muitas e grandes tribulações, e assim terás mais ânimo para suportares as penas”. Quem pode dizer como fiquei assustada com tal anúncio? Senti meu sangue gelar, arrepiando meu cabelo, e minha imaginação estava cheia de espectros negros que pareciam querer devorar-me viva.
Pareceu-me que o Senhor, antes de colocar-me nesse estado doloroso, deu liberdade para tudo que eu tinha que sofrer, e eu estava cercada por tudo isso, então fui até Ele e disse: “Senhor, tem piedade de mim! Ah, não me deixes sozinha e abandonada, eu vejo que é tanta a raiva dos demônios, que não deixarão de mim nem o pó; como posso resistir a eles? Para Ti minha miséria é bem conhecida e quão ruim eu sou, então dá-me uma nova graça para não ofender-te. Senhor meu, a dor que mais dilacera minha alma, é ver que Tu também deves me deixar. Ah, a quem poderei dizer uma palavra, quem deve me ensinar?
Mas que tua Vontade sempre seja feita, e bendito teu Santo Querer”. E Ele gentilmente continuou a me dizer: “Não te aflijas tanto, tu deves saber que eu nunca vou permitir que sejas tentada além de tuas forças. Se isso eu permito é para o teu bem; eu nunca coloco almas em batalha para fazê-las perecer; primeiro meço suas forças, dou-lhes minhas graças e depois as introduzo. E se alguma alma se precipita, é porque não fica unida a Mim com a oração, não experimentando mais a sensibilidade do Meu Amor, vai implorando amor das criaturas, todavia somente eu posso satisfazer o coração humano; não se deixa guiar pelo caminho seguro da obediência, acreditando mais no julgamento próprio do que naquele que a guia em meu lugar. Logo, porque surpreende-se que caiam? Então o que Eu te recomendo é a oração, embora devas sofrer penas de morte, jamais deves negligenciar o que costumas fazer, e mais, quanto mais te vejas no precipício, tanto mais invocarás a ajuda de quem pode libertar-te16. Além disso, quero que te coloques cegamente nas mãos do confessor, sem examinar o que lhe é dito. Dessa forma, estarás cercada pela escuridão e serás como alguém que não tem olhos e que precisa de uma mão para guiá-la. O olho para ti será a voz do confessor, que como luz, As armas da vitória são a perseverança e a fidelidade ao Senhor, e estas são sinais de humildade, iluminará as trevas e a mão a obediência que será guia e suporte para levar-te a um porto seguro.
A última coisa que te recomendo é a coragem, quero que tu corajosamente entres na batalha, a coisa que mais faz temer um exército inimigo é ver a coragem, a força, a maneira como desafiam as batalhas mais perigosas, sem temer nada. Assim são os demônios, eles não temem nada além de uma alma corajosa, toda apoiada em Mim, que com um espírito forte, vai no meio deles não para ser ferida, mas resoluta em feri-los e exterminá-los; os demônios ficam assustados, apavorados e gostariam de fugir, mas não podem, porque, vinculados à minha Vontade, são obrigados a permanecer para seu maior tormento. Assim não os tema, que nada podem fazer-te sem o meu Querer. E também, quando eu vir que tu não podes resistir mais e estás prestes a desfalecer, se fores fiel a mim, imediatamente virei e colocarei todos em fuga e darei graça e fortaleza. Anima-te, anima-te!
16 – Luísa deve passar uma terrível prova, lutando contra os demônios.
Agora, quem pode dizer a mudança que aconteceu dentro de mim? Tudo foi horror para mim, aquele amor que eu sentia antes, agora o via se transformar em um ódio atroz, que pena não poder amá-lo mais.
Rasgava-me a alma ao pensar naquele Senhor que tinha sido tão bom comigo, e agora ver-me forçada a odiá-lo, a blasfemar como se ele fosse o mais cruel inimigo, não podendo nem olhá-lo em suas imagens; e tendo rosários entre minhas mãos, ao beijá-los, me vinha tal ímpeto de ódio e tanta a força, que fazê-lo ou cortá-los em pedaços eram a mesma coisa, e às vezes eu fazia-Lhe tanta resistência, que minha natureza tremia da cabeça aos pés. Oh Deus, que pena amarga! Eu acredito que se no inferno, não houvesse outras penas, a única dor de não poder amar a Deus tornaria o inferno mais horrível. Muitas vezes, o diabo colocava diante de mim que as graças que o Senhor me havia dado eram obra de minha fantasia e, por esse motivo, poderia levar uma vida mais livre e confortável; e agora, tomando isso como verdade, repreendendo-me, diziam-me: “Este é o bem que lhe queria? Esta é a recompensa, deixá-la em nossas mãos? Você é nossa, você é nossa17, tudo acabou, não há mais o que esperar”. E, por dentro, sentia-me conferindo ao Senhor tantos impulsos de aversão e de desespero, que às vezes com alguma imagem nas mãos, era tão forte o desprezo que as quebrava; contudo enquanto fazia isso, chorava e as beijava, mas não sei como dizer, fui forçada a fazer isso. Quem pode dizer a dor da minha alma?
NOTA:17 Preservou o uso da voz do discurso coloquial (você) na fala do demônio a Luísa.
Os demônios faziam festa e riam, uns faziam barulho de um lugar, outros o faziam de outro, alguns gritavam, outros me ensurdeciam com gritos dizendo: “Olha como você é nossa, não nos resta mais nada que levá-la ao inferno, alma e corpo, verá que faremos isso”.
Às vezes me sentia puxada, ora os vestidos, ora a cadeira onde estava ajoelhada e a moviam, e fazendo tanto barulho que eu não podia rezar, às vezes o medo era tão grande que, acreditando que me libertaria, eu me deitava na cama (porque esses escândalos aconteceram a maior parte à noite), mas lá estavam também puxando o travesseiro, os cobertores. Quem pode dizer o terror, o medo que eu sentia? Eu mesma não sabia onde estava, se na terra ou no inferno; havia tanto medo de que eles realmente me levassem, que meus olhos não podiam se fechar para dormir; estava como alguém que tem um inimigo cruel que jurou que vai tirar-lhe a vida a qualquer custo, e acreditava que isso aconteceria comigo assim que eu fechasse os olhos; então parecia que era em mim que alguém estava colocando algo dentro dos meus olhos, e era forçada a tê-los abertos para ver quando me levariam — talvez eu conseguisse me opor ao que eles queriam fazer — então sentia meu cabelo arrepiar sobre minha cabeça, um por um, um suor frio por todo o meu corpo que penetrava até o ossos e sentia separar meus nervos e ossos e eles se contorciam juntos de medo.
Outras vezes me sentia incitada a tais tentações de desespero e suicídio, que alguma vez tendo-me encontrado perto de um poço, ou de uma faca, sentia-me puxada para atirar-me ou pegar a faca e me matar, e era tanta a força que eu tinha que fazer para fugir, que sentia penas de morte e, enquanto fugia, sentia que eles estavam comigo e ouvia sugerir-me que era inútil que eu vivesse depois de ter cometido tantos pecados, que Deus tinha me abandonado por não ter sido fiel; além do mais, via que havia cometido tantos ultrajes, que nenhuma alma no mundo jamais cometera, que para mim não havia como esperar piedade. Nas profundezas da minha alma, ouvi-os repetir:
“Como você pode viver sendo inimiga de Deus? Você sabe quem é este Deus a quem tanto insultou, blasfemou, odiou? Ah, é esse Deus imenso que estava ao seu redor e você diante de seus olhos se atreveu a ofendê-lo. Ah perdido o Deus da sua alma, quem lhe dará paz? Quem lhe livrará de tantos inimigos?”
Era tamanha a pena que não fazia nada além de chorar; às vezes eu começava a rezar e sentia os demônios, para aumentar meu tormento, vindo por cima de mim, e um me espancava, outro me espetava e mais outro me apertava a garganta. Lembro-me que uma vez, enquanto rezava, senti meus pés sendo puxados para o solo, este se abrir e as chamas saírem, e que eu lá me adentrava; tal foi o horror e a dor que fiquei meio morta, tanto que, para me recuperar daquele estado, Jesus teve que vir e me reanimar, me fez entender que não era verdade que eu tinha vontade de ofendê-lo, e que eu podia saber por mim mesma pela pena amarguíssima que sentia, que o diabo era um mentiroso e que eu não deveria fazer-lhe caso, que por enquanto eu deveria ter paciência e sofrer essas aflições, e que depois a paz viria. Isso acontecia de tempos em tempos, quando chegava a extremos, e às vezes para me colocar em tormentos mais difíceis.
No momento desse consolo, a minha alma se convencia, porque nessa luz é impossível que a alma não aprenda a verdade, mas depois quando eu estava em luta eu voltava ao mesmo estado de antes. Eles tentavam-me também de modo que não recebesse a Comunhão, convencendo-me de que depois de eu ter cometido tantos pecados, era atrevimento me aproximar, e que se eu me atrevesse, Jesus Cristo não viria, senão o demônio, e tantos tormentos ele havia de me dar, que me levaria à morte, mas a obediência vencia (a tentação).
É verdade que às vezes sofria penas mortais, assim que eu podia trabalhosamente recuperar-me após a Comunhão, mas como o confessor queria absolutamente que eu a recebesse, não poderia fazer de outro modo. Eu lembro que várias vezes não a recebi. Também me lembro que às vezes, enquanto rezava à noite, eles apagavam minha lâmpada; às vezes faziam tais rugidos de dar medo; outras vezes vozes débeis, como se fossem moribundos, mas quem poderia dizer tudo o que eles faziam? É impossível.
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