QUANDO A DIVINA VONTADE REINA NAS ALMAS
Seleção de trechos dos escritos de LUÍSA PICCARRETA (1865-1947), “a pequena filha da Divina Vontade”
Quando a Divina Vontade reina nas almas
Seleção de trechos dos escritos de Luísa Piccarreta (1865-1947), “a pequena filha da Divina Vontade”
Nihil obstat Trani (Itália), 4 de março de 1997
† Carmelo Cassati Arcebispo
Ninguém acende uma vela e a coloca num lugar escondido ou debaixo do alqueire, mas sobre o candelabro, para que todos os que entrem vejam a luz. (Lc 11,33)
Será oportuno mencionar, nesta tradução do original italiano, publicado por ocasião do 50º. aniversário da morte de Luísa, a apresentação que o exmo. e revmo. sr. bispo de Atlacomulco, México, (hoje arcebispo de Tlalnepantla, também no México), dom Ricardo Guízar Diaz, fez à edição em espanhol desta seleção de trechos (1ª. ed. 1993, 4ª. ed., aumentada, 1998):
“Ao desejo dos amigos de Luísa Piccarreta de dar a conhecer os seus escritos responde a publicação da presente seleção de capítulos escolhidos, uma vez mais graças à louvável iniciativa do bom amigo José Luís Acuña. Creio que a sua leitura poderá inspirar em muitas almas uma adesão muito mais generosa à Divina Vontade, atitude que tão intensa e profundamente viveu Luísa. É a atitude que ofereceu a Deus a Santíssima Virgem Maria desde que pronunciou o seu fiat, “faça-se”. É a mesma atitude com que Jesus aceitou e viveu
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a sua santíssima Paixão. É também a atitude que Ele quis que aprendêssemos a ter na nossa oração e na nossa vida quando nos ensinou o pai-nosso: “Faça-se a vossa vontade assim na terra como no céu”. Que o mesmo Jesus se digne, mediante o seu Espíritu Santo, impulsar muitas almas pelo caminho desse desejo de conformar plenamente as suas vidas ao Querer Divino, para que, “arraigados e alicerçados no seu amor”, cresçamos em tudo “até Aquele que é a Cabeça, Cristo” (Ef 4,5).
Atlacomulco, México, 22 de novembro de 1992.
† Ricardo Guízar Diaz, bispo de Atlacomulco.
De fato, “agora, por iniciativa do Vaticano (Congregação para a Doutrina da Fé e Congregação para as Causas dos Santos), o sr. arcebispo de Trani, dom Carmelo Cassati, em 20 de novembro de 1994, abriu em solene cerimônia a causa de beatificação de Luísa. Peçamos a Deus que a Igreja em breve reconheça Luísa como precioso fruto seu” [da contracapa da citada edição em espanhol, nota do tradutor].
Prefácio
O Catecismo da Igreja Católica n. 521 diz-nos:
Tudo o que Cristo viveu, Ele faz com que nós o possamos viver nele e que Ele o viva em nós.
Esta é a finalidade da nossa vida: viver em Cristo o que Ele viveu e que Ele o viva em nós. Todo o resto: sacramentos, orações, jejuns, mortificações, penitências, são meios para obter essa finalidade, e, se não é obtida, nós os reduziremos a meios pouco fecundos, não lhes deixaremos produzir o fruto completo.
Os escritos de Luísa levam-nos exatamente a este ponto: repetir em nós a própria vida de Jesus, e fazem-nos portanto conhecer o que Jesus vive no seu interior. Fazem-nos conhecer como opera a sua Vontade Divina com a sua vontade humana, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, e como nele tudo é feito e vivido na Vontade Divina. A Qual, operando junto com a sua vontade humana, faz-se depositária de todos os seus atos; permanecendo nele tudo na sua Divina Vontade, no seu divino Querer, esperando que nós, vivendo na sua Divina Vontade, encontremos todos os atos que fez, toda a sua vida, a fim de que a façamos vida nossa, a fim de que se torne vida de cada um dos nossos atos.
Noutras palavras, nestes escritos, Jesus desvendou-nos o seu interior divino e humano, para que o aprofundemos, para que conheçamos mais o que Ele viveu, para que, conhecendo-o, nós o queiramos e possamos viver.
Tomemos, por exemplo, este trecho do volume XII, de 5 de janeiro de 1921:
Minha filha, a verdadeira vida da alma feita no meu Querer nada mais é do que a formação da sua vida na minha, dar a minha própria forma a tudo o que ela faz. Eu nada mais faço do que dar vôo no meu Querer a todos os atos que eu fazia, seja internos ou externos; dava vôo a cada pensamento da minha mente, o qual, ultrapassando qualquer pensamento da criatura, da qual tudo existia no meu Querer, fazia-se quase coroa de cada inteligência humana e levava à majestade do Pai a homenagem, a adoração, a glória, o amor, a reparação de todo pensamento criado; e assim o meu olhar, a minha palavra, o meu movimento, o meu passo.
Ora, a alma, para ter vida no meu Querer, deve dar a forma da minha mente à sua, a forma do meu olhar, da minha palavra, do meu movimento aos seus. De modo que, fazendo isso, perde a sua forma e adquire a minha; nada mais faz do que dar contínuas mortes ao ser humano e contínua vida à Vontade Divina nela, a Qual repetirá nela a minha Vida com todos os bens que contém, com os meus mesmos modos, com os mesmos méritos, com a minha mesma santidade, com a minha mesma potência etc. Só a minha Vontade vivendo na alma, insere nela, nos seus atos, todo o bem e a vida dos meus, fazendo com a criatura uma só coisa, uma só Vida, a minha nela.
Portanto, quanto mais conheçamos o que Cristo viveu, mais vamos querer que o viva em nós, e mais poderá Ele vivê-lo em nós, até a plenitude possível a uma criatura.
E, para formar esta Vida divina em nós, necessita-se uma Maternidade divina que a fecunde: a Santíssima Virgem Maria, Mãe divina de Jesus e Mãe divina nossa, a Qual, com a sua missão e tarefa maternas, fá-la-á crescer e desenvolverse até a sua plenitude, até que sejamos na verdade “imagem e semelhança do Verbo Encarnado”.
Podemos dizer que tudo isso é o grande e principal tema destes escritos.
A serva de Deus Luísa Piccarreta
A sua vida
Nasceu em 23 de abril de 1865 na pequena cidade de Corato, província de Bari, na Itália do sul. Ali sempre viveu e ali morreu com fama de santidade em 4 de março de 1947.
Viveu quase 82 anos, 70 dos quais [inicialmente por períodos, depois sem interrupção, n. do tr.] passou na menor cela que tenha existido no mundo: a sua cama. Acima e ao redor da cama havia uma leve estrutura metálica da qual, pelos quatro lados, pendiam cortinas, que faziam da sua cama uma clausura de escassos dois metros quadrados, espaço suficiente para ela e o seu amado Jesus, que a visitava e instruía para que modelasse toda a sua vida interior à semelhança dele. E não só para Ele, também havia espaço para a “Mãezinha” – a santíssima Virgem, a quem Luísa chamava assim -, a Qual, com a mesma finalidade de fazer de Luísa uma cópia perfeita do interior de Jesus e do interior de si, visitava-a também com freqüência.
Luísa esteve sempre sob a potestade da “senhora obediência”, perante a qual ela sempre se dobrou e submeteu, obediência que lhe vinha do bispo, por meio do confessor nomeado.
Nosso Senhor intervém para pôr definitiva e indubitavelmente Luísa no seu estado de vítima de reparação e de expiação em favor dos homens, servindo-se para tanto duma epidemia de cólera que em 1887 ceifava muitas vítimas na região de Corato. Jesus pediu-lhe que aceitasse um estado de sofrimento para pôr fim àquele flagelo, e, tendo anuído Luísa, depois de três dias de sofrimentos, desapareceu a cólera, que fazia meses grassava.
Quando tinha 21 anos, o seu novo confessor, pe. Miguel de Benedictis, para conhecer, provar e discernir o seu espírito, impôs-lhe como primeira coisa que, se devia sofrer, devia primeiro pedir-lhe a obediência. Sem o seu consentimento, Luísa não podia nem devia aceitar de Jesus o estado de sofrimento.
Aproximadamente um ano depois, Jesus pediu-lhe que se oferecesse a sofrer, já não a intervalos, como antes, mas de forma contínua, e tudo para reparar à divina Justiça, demasiado irada, e evitar aos homens tantos castigos que cada vez mais mereciam e que estavam a ponto de chover. Luísa fez saber esses desejos de Jesus ao confessor e pediu-lhe que lhe desse a obediência, pois devia sofrer “por um certo tempo” – que ela pensava que fossem quarenta dias -. O confessor assentiu, e Luísa ficou definitivamente em cama desde os 22 anos, outono de 1887, e ainda teve de viver por outros 60 anos, sim, 60, na sua “cela”, pois a obediência era-lhe renovada, e viveu-os assim sem haver estado nunca doente de nada, e sem que jamais apresentasse chaga alguma devido ao seu estado.
Iniciou-se, então, uma nova série de graças singulares. Jesus fazia-se ver freqüentíssimamente, dispondo-a aos “desponsórios místicos” e levando-a a uma perfeita conformidade com a Vontade de Deus. Jesus continuou a prepará-la para outros desponsórios, os “desponsórios da Cruz”, e, numa manhã, mostrando-se crucificado, comunicou-lhe os dolorosíssimos estigmas da sua Paixão, consentindo porém ao desejo de Luísa de os deixar invisíveis. Desde então era-lhe renovada pelo próprio Jesus a crucifixão. Luísa, que se via consumir por uma fome insaciável de sofrer, anos mais tarde teve de aprender que tudo, vontade de sofrer e também o desejo de ver sensivelmente Jesus, tudo devia morrer na Divina Vontade.
Tendo falecido esse confessor, um novo, pe. di Gennaro, em 1899, tomou-a aos seus cuidados, e assim foi durante 24 anos, e como primeira coisa deu-lhe a obediência, dolorosíssima para ela, de escrever tudo o que havia acontecido desde o início entre Jesus e ela; e começou a escrever em fevereiro de 1899.
Jesus continuou a instruí-la e prepará-la à sua excelsa missão, à máxima graça e a um “estado superior”: vivir na e da Divina Vontade. Em 1900, fala-lhe pela primeira vez disso, dá primeiramente a ela essa graça suprema e constitui-a como “a pequena filha da Divina Vontade”, iniciando assim, com ela, no silêncio e no oculto, a nova etapa de graça, o verdadeiro Reino da Divina Vontade na Terra, o cumprimento do pai-nosso: Fiat voluntas tua sicut in cœlo et in terra, “seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu”.
Luísa escreveu, a partir de então, 36 volumes acerca da doutrina do viver na Divina Vontade, e outros escritos, entre os quais: “As Horas da Paixão”, das quais publicaram-se quatro edições, em 1915, 1917 e 1921, e “A Rainha do Céu no Reino da Divina Vontade”, da qual publicaram-se três edições, em 1932, 1933 e 1937. Todas com nihil obstat e imprimatur. A obediência de escrever cessou, e o último capítulo do volume XXXVI foi escrito em 28 de dezembro de 1938.
O pe. di Gennaro morreu em 1922, sucedido pelo cônego Francisco De Benedictis, que morreu quatro anos depois. Por último, foi nomeado confesor pelo arcebispo o côn. Bento Calvi, que assistiu Luísa até a morte desta.
Finalmente, em 4 de março de 1947, às 6 da manhã, morreu, depois de uma breve mas intensa pneumonia. Depois de quatro dias de veneração pública dos seus restos, teve a sua primeira apoteose: as suas triunfais exéquias, nas quais participaram inúmeras figuras da Igreja local de Trani, diocese à qual pertence Corato, assim como doutras partes, como se pode constatar por algumas fotografias da época. Atualmente os seus restos mortais repousam, com autorização da Igreja, no interior do templo paroquial de Corato.
Como se dava um dia qualquer da vida de Luísa? O seu último confessor, pe. Bento Calvi, deixou este testemunho:
Fenômenos extraordinários em vida.
Por volta das 6 da manhã, o confessor estava à cabeceira da sua caminha. Luísa encontrava-se como se fosse um monolito, contraída tão fortemente que, quando sua irmã ou alguém de casa tinha de sentá-la na cama, na sua posição costumeira, para obedecer ao confessor ou ao bispo, não eram capazes de movê-la por causa do peso, como se fosse um grande pedaço de chumbo, nem extender-lhe membro algum, tendo forte rigidez. Só quando o confessor, ou podia ser em determinadas circunstâncias qualquer sacerdote, lhe devolvia vida e movimento ao corpo, dando-lhe uma bênção e fazendo-lhe um sinal da cruz com o polegar sobre o dorso da mão, o corpo de Luísa então se reanimava, começava a mover-se, enquanto sua irmã podia levantá-la e colocá-la facilmente e sem nenhum esforço no seu lugar e na sua costumeira e única posição, sentada na sua caminha.
Outro fenômeno extraordinário: em 64 anos pregada na sua caminha, nunca sofreu nenhuma chaga de decúbito.
Logo em seguida vinha a leitura, feita somente pelo confessor à cabeceira, daquilo que havia escrito naquela noite acerca das sublimes verdades da Divina Vontade.
Ainda outro fato extraordinário: Qual era o seu alimento? Tudo o que comia, depois de algumas horas, era total e completamente devolvido. (Assim desde que ficou em cama até a morte: 64 anos. O seu único alimento era a Divina Vontade e Jesus sacramentado.)
Puderam observar pessoalmente e controlar escrupulosamente esses e outros fenômenos, e ademais submetê-los a severos exames, não poucos doutores e professores de dogmática, de moral, de ascética e de mística, chamados pelos nossos superiores diocesanos para emitir um juízo. Menciono um par deles: o pe. dr. Domingos Franzé, o.f.m. (professor de Fisiologia e Medicina no Colégio Internacional S. Antônio em Roma) e o pe. dr. Gonçalo Valls, o.f.m. (também doutor em Teologia moral, ascética e mística), e outros mais.
Depois de haver “despertado” Luísa mediante a santa obediência, o confessor, ou então outro sacerdote, celebrava a santa Missa no quartinho, diante do seu leito. Depois, ao receber a sagrada comunhão, Luísa ficava ainda como adormecida, extasiada, em íntimo colóquio com o Senhor durante duas o três horas, mas sem ficar rígida, nem com a perda completa dos sentidos. Muitas vezes, contudo, durante o dia acontecia que nosso Senhor estava em modo sensível a ela, e, às vezes, as pessoas que lhe faziam companhia notavam o fato.
Quando voltava a si, punha-se a trabalhar sentada na cama. Cosia e bordava em geral trabalhos para a igreja, e diariamente vinham ao seu encontro algumas jovens para aprender, atraídas sobretudo pelo doce encanto que a presença de Deus emanava em Luísa. E com Luísa rezava-se o tempo todo, meditavam-se “As Horas da Paixão de Jesus” (e muitas dessas jovenzinhas chegaram a saber de memória essas “Horas”) e faziam-se Horas santas de reparação e outros exercícios de piedade. A sua vida, pois, aparecia exteriormente assim, sempre igual: trabalho, silêncio, oração.
Pelas duas e meia ou três da tarde levavam-lhe o almoço, que a obediência queria: uma pequena quantidade de comida que em pouco tempo devolvia (num recipiente destinado a esse fim). Pela tarde dedicava normalmente outra hora à meditação e prosseguia depois o trabalho até as dez ou onze da noite; então Luísa punha-se a escrever, conforme tivesse recebido alguma manifestação particular de nosso Senhor (durante o dia ou no estado de torpor da noite), ou conforme lhe fosse renovada a obediência de escrever. Finalmente, pela meia noite ou à uma, Luísa perdia os sentidos e sofria o seu estado de “morte”; se isso lhe acontecesse antes de se deitar, ficava naquela posição, como uma estátua de pedra.
Assim passavam os dias de Luísa.
Deixemos a palavra a outro dos seus confessores, ainda que confessor extraordinário por menos de dois anos somente, mas que esteve em contacto com ela durante 17 anos, até a sua morte em 1927; interessando-se de tal maneira na pessoa, nos escritos de Luísa e na doutrina da Divina Vontade, que foi quem publicou as “Horas da Paixão”: o padre Aníbal Maria Di Francia.
O pe. Aníbal Maria chegou a Corato em 1910, iniciando uma série de visitas e um freqüente e íntimo contacto espiritual com Luísa. Conhecê-la para ele significou uma virada fundamental na sua vida, e o conhecimento da Divina Vontade foi decisivo na sua espiritualidade. O arcebispo de Trani nomeou-o censor eclesiástico na sua diocese e diretor no que se referia aos escritos de Luísa, em vista da publicação que o padre deseava fazer.
O pe. Aníbal Maria Di Francia dedicou-se pois com toda a sua vontade e energia à publicação d’ “As Horas da Paixão”, para as quais escreveu uma longa introdução e fez quatro edições, sempre com imprimatur e nihil obstat. O padre, como censor dos escritos de Luísa, deu o nihil obstat e obteve de s. exa. José Maria Leo, arcebispo de Trani, o imprimatur para os primeiros 19 volumes de Luísa, que eram os que na época havia escrito.
Deixemos, pois, a palavra a ele, transcrevendo parte do válido testemunho que de Luísa deixou escrito:
Ela quer viver solitária, escondida e incógnita. Por nenhum motivo do mundo haveria colocado por escrito as íntimas e prolongadas comunicações com o adorável Jesus, desde a mais tenra idade até hoje, e que continuam ainda, quem sabe até quando, se nosso Senhor mesmo não a tivesse obrigado, seja pessoalmente, seja por meio da santa obediência dos seus diretores espirituais, obediência à qual se rende com grande fortaleza e generosidade, porque o conceito que ela tem da santa obediência lhe faria recusar inclusive uma entrada no Paraíso, como efetivamente acontece…
O essencial é que esta alma está numa luta tremenda entre um prepotente amor ao ocultamento e o inexorável comando da obediência, ao qual deve ceder totalmente. E a Obediência vence-a sempre! E isso constitui um dos mais importantes caracteres dum espírito verdadeiro, duma virtude sólida e provada, e ademais trata-se de mais ou menos quarenta anos nos quais com a mais forte violência contra si mesma se submete à grande Senhora Obediência, que a domina!
Esta alma solitária é uma virgem puríssima, toda de Deus, que aparece como objeto de singular predileção do divino Redentor Jesus. Nosso Senhor, que de século a século aumenta cada vez mais as maravilhas do seu amor; parece que desta virgem, a quem Ele chama “a menor que haja encontrado na terra”, carente de qualquer instrução, quis formar um instrumento adequado para uma missão tão sublime que nenhuma outra se lhe possa comparar, isto é, o triunfo da Divina Vontade na terra, segundo o que está dito no Pater noster: Fiat voluntas tua sicut in cœlo et in terra.
Esta virgem do Senhor, faz mais de quarenta anos, desde que era ainda adolescente, foi posta em cama como vítima do divino Amor. Este foi o leito duma longa série de dores naturais e sobrenaturais e de inebriamentos da caridade eterna do Coração de Jesus. De dores que excedem qualquer ordem da natureza foi origem uma intermitente “privação de Deus”…
Aos sofrimentos da alma acrescentam-se também os do corpo, dos quais a grande maioria no estado místico. Sem que nenhum sinal apareça nas mãos, nos pés, no lado ou na testa, ela recebe de nosso Senhor uma freqüente crucifixão. O próprio Jesus extende-a numa cruz e põe-lhe os cravos. Então acontece nela o que dizia S. Teresa quando recebia a ferida do serafim, ou seja, uma sensibilíssima dor a ponto de a fazer desmaiar e ao mesmo tempo um inebriamento de amor.
Mas se Jesus não fizesse assim, seria para esta alma um sofrimento espiritual imensamente maior, porquanto, como a serafina do Carmelo, diz também ela: “Ou sofrer ou morrer”. Eis um outro sinal de verdadeiro espírito…
Depois de quanto dissemos acerca da longa e contínua vida de anos e anos numa cama, em qualidade de vítima, com participação de tantas dores espirituais e corporais, poderia parecer que estar perante tal virgem deveria ser cosa dolorosa e aflitiva, pois seria ver uma pessoa que jaz com todos os sinais de dores passadas ou de sofrimentos atuais ou coisas semelhantes.
Mas aqui está uma coisa admirável. Esta esposa de Jesus, que passa a noite em êxtases dolorosos e em sofrimentos de todo gênero, depois se vê de dia, meio sentada na cama, trabalhando com a agulha; não transparece de forma alguma que tenha sofrido tanto de noite. Nenhum ar de extraordinário, de sobrenatural. Ao contrário, vê-se com todo o aspecto de uma pessoa sã, alegre e jovial. Fala, comenta, se é o caso ri, recebe porém poucas amigas.
Às vezes algum coração atribulado se abre com ela, pede-lhe orações. Escuta benignamente, conforta, mas nunca ousa fazer-se de profetisa, nunca uma palavra que aluda a revelações. O grande conforto que ela apresenta é sempre aquele, sempre o mesmo argumento: a Divina Vontade.
Embora não possua nenhuma ciência humana, é porém dotada com abundância de uma Sabedoria toda celestial, a ciência dos santos. O seu falar ilumina e consola. Em si não é carente de gênio. De estudos quando era pequena, freqüentou até o primeiro ano.
Uma característica de grande desapego desta alma de qualquer coisa terrena é a ojeriza e a constância em não aceitar nenhum presente em dinheiro, nem de espécie alguma. Mais de uma vez pessoas que leram “As Horas da Paixão” – despertando-se nelas um senso de sagrado afeto por esta alma solitária e desconhecida – escreveram-me querendo enviar-lhe algum dinheiro. Todavia, ela se opôs tão fortemente como se lhe tivessem feito uma ofensa.
O seu viver é muito modesto. Ela possui pouco. Vive com uma amável irmã, que a assiste. Não bastando o pouco que possuem, para a casa e o sustento indispensável nestes tempos de alto custo de vida, ela trabalha tranqüilamente, como dissemos antes, e tira alguma renda do seu trabalho, de tudo devendo usufruir especialmente a sua amável irmã, posto que para ela não tem de comprar vestidos ou sapatos. O seu alimento é de poucos gramas por dia, como lhe seja dado pela que a assiste, porque ela não pede nada, e ainda por cima, depois de algumas horas de ter ingerido a escassa comida, devolve-a. O seu aspecto não é o de uma moribunda, mas tampouco o de uma pessoa perfeitamente saudável. Contudo não está inerte: consume as forças, seja com o sobreumano sofrimento e fadiga da noite, seja com o trabalho de dia. O seu viver reduz-se portanto quase a um milagre perene.
Ao seu grande desapego por toda a renda que não lhe provenha das mãos, deve-se acrescentar a sua firmeza em não ter querido jamais aceitar o que de direito lhe correspondesse pela propriedade literária sobre a edição e venda d’ “As Horas da Paixão”. Exortada por mim a não o recusar, respondeu:”Eu não tenho nenhum direito, porque o trabalho não é meu, mas de Deus”.
“Não prossigo. A vida desta virgem esposa de Jesus é mais celestial que terrena. Ela quer passar pelo mundo ignorada e desconhecida, buscando unicamente a Jesus e sua santíssima Mãe, a Quem chama “Mãezinha”, a Qual tomou a esta alma eleita com particular proteção.
E dissemos que este testemunho é válido porque o pe. Di Francia, que tão bem conheceu Luísa e durante tantos anos, e com tanto fervor publicou “As Horas da Paixão”, foi beatificado pelo papa João Paulo II em 7 de outubro de 1990 e foi por este elogiado e colocado como exemplo para os sacerdotes dos nossos dias.
OS SEUS ESCRITOS
Da vida exterior de Luísa poderíamos relatar um sem número de fatos maravilhosos e extraordinários, como os narram tantas pessoas que a conheceram. Contudo, correríamos o risco de nos desviar a coisas secundárias, reduzindo a sua vida a uma série de episódios sem dúvida miraculosos, piedosos e edificantes, mas deixando de lado o mais importante de Luísa, o que a distingue de todos os demais e onde encontramos o seu verdadeiro retrato, assim como a sua missão.
Então, quem é Luísa? Que fez na sua vida? Qual é a sua missão?
As respostas a essas perguntas, respostas maravilhosas, encontram-se nos seus próprios escritos. Não é possível conhecer Luísa sem conhecer os seus escritos; eles trazem não somente o conhecimento da sua vida interior, mas também os canais pelos quais nos chega tanto o conhecimento quanto a formação da sua vida em nós: a vida da Divina Vontade.
Todavia, antes de nos debruçar sobre os escritos, queremos transcrever duas opiniões que deixaram os já mencionados padres Domingos Franzé e Gonçalo Valls. Ei-los aqui:
PAZ E BEM!
Reverendo padre Palma:
Há mais ou menos um ano, exatamente no passado mês de setembro, Vossa Reverendíssima entregava-me, também por parte duma importante pessoa, duas cópias do livro intitulado “No Reino da Divina Vontade” (…) com o fim de que eu desse um juízo sobre tal obra, cujo autor se havia escondido no mais estrito anonimato.
Pois bem, Rev. Padre, como sabe, não me contentei só com ler o mencionado livro, mas também pretendi conhecer, para melhor julgar o livro, a pessoa que o escreveu.
Depois de ter lido as palavras e de ter falado com quem as escreveu, não me limitei só à minha convicção, também procurei o parecer de alguns dentre os meus competentes confrades religiosos, de um dos quais lhe trago uma breve análise, tratando-se do padre Gonçalo Valls, professor de Teologia neste nosso Colégio Internacional Santo Antônio e examinador delegado para a revisão dos nossos livros.
Em verdade, a quem não tivesse tempo nem vontade para analisar o livro, bastar-lhe-ia dar uma olhada no índice do mesmo, para ver como uma alma chamada por Deus à perfeição eleva-se gradualmente pelos caminhos do desapego e do aniquilamento, das tentações e das provas, entre as quais, duríssima, uma se prolonga já há mais de 46 anos.
A mim, que sou médico, causa simplemente estupor o fato de que na paciente não haja encontrado nenhuma chaga de decúbito ou outra erosão da pele, numa pessoa obrigada a estar imóvel em cama, por período tão longo de anos.
A mim, que sou religioso regular, dá muita consolação ter sido assegurado de que, durante tão longos anos, nem os médicos, nem os confessores, nem os arcebispos tenham descoberto jamais fraude alguma, depois de ter feito provas exaustivas.
A mim, finalmente, que sou sacerdote, alegra-se a alma por ter verificado na paciente não só toda a delicada integridade das virtudes cristãs, senão ademais uma alma que tende à perfeição, iluminada por uma graça especial.
Afora tudo o que nosso Senhor parece dignar-se realizar nesta alma, para purificá-la e fazê-la digno instrumento de misericórdia para os seus semelhantes, eu noto nestes escritos uma idéia predominante, que poderia chamar a idéia mãe da existência desta criatura: a Divina Vontade.
A pobre paciente chama todas as almas para que penetrem no mal de cada uma das vontades pessoais, e quer fazer constatar que, assim como um só é o mal comum de todas as vontades humanas, ou seja, o pecado, igualmente um só é o remédio universal para todos os homens pecadores, isto é, que a santíssima Vontade de Deus seja a vida da vontade humana.
Se a obra de que falamos não fizesse mais do que inculcar no leitor os direitos de Deus e do seu divino Querer, afirmar o seu poder supremo sobre todas as vontades humanas e sobre todos os poderes e reinos da nossa minúscula terra, eu diria que isso seria já muito para o bem das almas.
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Reverendo Padre, com julgamento de médico e de sacerdote, digolhe que somente um espírito tão mortificado e perenemente mortificado, somente uma vontade humana amalgamada na Vontade Divina pode chegar a concepções tão básicas e fundamentais como as que manifesta esta alma; a qual, sem estudos profundos e sem escola, sozinha no leito da sua dor, com uma cultura literária, teológica e ascética limitadíssima, fala com verdadeira competência dos temas mais complexos, dá solução aos problemas mais difíceis, conduz a alma de quem lê os seus escritos aos campos mais perfumados da virtude.
Não é agora o momento, obviamente, de que eu faça referência às provas físicas, psicofísicas e morais que fiz na paciente; eu tengo a certeza moral, e também porque quem escreve tem já vividos 65 anos e é alheio a tudo o que tem sabor de mundo e a tudo o que tem sabor de imoderação, repito, tengo a certeza moral, no que é possível ao homem, de que o livro que V. Revma. me apresentou poderá fazer um grande bem, especialmente porque procede dum espírito reto e sem fingimentos.
Agradeço-lhe pela bela oportunidade que me deu e confio-me às suas dignas orações, enquanto me subscrevo
de Vossa Reverendíssima devotíssimo em Cristo Jesus
(ass.) frei Domingos Franzé Roma, Colégio Santo Antônio, 20 de julho de 1931
Da análise do pe. Valls, que o pe. Franzé menciona, transcrevemos somente as afirmações principais, que são as seguintes:
Reverendo pe. Franzé:
Li e estudei o livro intitulado “No Reino da Divina Vontade” e, depois de o ter meditado em alguns dos seus pontos, posso declarar o seguinte:
Sob o aspecto dogmático: encontrei-o conforme em tudo aos ensinamentos recebidos da santa Igreja e manifestados nas fontes da Revelação, inclusive quando fala só de passagem de questões dogmáticas como… (e segue uma série de pontos analisados, e os comentários aos mesmos são: “exatidão teológica sublime e maravilhosa”, “exatíssimo também o conceito… sem estridências e com maravilhosa harmonia”, “nunca se repete, ao contrário, sempre encontra novos e belíssimos aspectos, sem se separar nem por um instante do reto conceito dessas verdades de Fé” etc.). É verdade que aqui e ali se encontram incertezas e às vezes até coisas estranhas, que necessitariam alguna explicação; mas é também verdade que, quanto mais se reflete sobre as mesmas, mais desaparece a aparente dissonância da primeira impressão. Ademais, Jesus mesmo o diz à alma quando a tranqüiliza dos temores que esta sente de escrever disparates…
Sob o aspecto ascético: é justíssimo em todas as suas apreciações, seja ao apresentar os meios ativos de santificação: oração, trabalho, cumprimento dos próprios deveres, sacramentos, práticas de piedade, leituras, sofrimento etc., seja especialmente nos amplos ensinamentos que dá sobre as virtudes mesmas… N.B.: Para justificar todos estes pontos seria necessário citar todo o livro. Bastaria contudo ficar com aquelas que se destacam no índice: a obediência, a humildade, a esperança, a mortificação.
Quanto aos fenômenos místicos: o livro parece verdadeiramente inspirado. (Dos numerosos pontos que assinala, indicamos, por exemplo, este: “Diferença entre o conhecimento abstrativo e o conhecimento intuitivo de Deus e da própria alma. A descrição que faz do intuitivo é uma demonstração psicológica e experimental da doutrina teológica sobre o modo de obrar divino dos dons do Espírito Santo e dos sentidos espirituais em contraposição com o modo de obrar humano das virtudes” etc.)
No que se refere ao auto-retrato desta alma: vê-se que vive intensamente a vida da graça, da qual faz descrições tão belas e exatas que somente os dons do Espírito Santo podem dar-lhe a inteligência e também a ciência para podê-las exprimir.
Destes dons em plena atividade provém essa contemplação de Deus nos seus atributos e na sua vida trinitária, essa contemplação de Cristo e da santíssima Virgem nos seus misterios; essa visão tão consoladora e maravilhosa da Divina Vontade que governa o mundo (p. 232); essa introspecção psicológica com a qual descobre nos ângulos escondidos da alma os esconderijos sutilíssimos do amor próprio (p. 234).
Não doutra fonte, senão da graça divina, que absorve todo o ser desta alma, pode vir essa resolução e generosidade com que se dá aos maiores sacrifícios íntimos que lhe pede o seu Amado; essa delicadeza e vivacidade de sentimentos – por exemplo, a luta que ela sostém entre os impulsos da Misericórdia e da Justiça divina, dos quais se fez zeladora, como convém a uma vítima; também a imensa caridade pelo próximo, que brota e tem por fundamento o amor a Jesus, e que lhe faz defender as almas contra os castigos de Deus, pelo mesmo amor que Deus tem por elas: “Permitiria”, diz, “que Deus castigasse os homens, se com o mesmo golpe com que os fere não atingisse a si mesmo em Cristo” (p. 336). E sobretudo só da graça pode vir essa substituição da própria vontade com a do Senhor, que a faz ficar em paz, segura e contente, em meio às maiores tribulações e sofrimentos, em meio à aridez espiritual, e que constitui a missão particular desta alma. – Também a este ponto acontecem de vez em quando algumas incoerências, como por exemplo:
As auto-exaltações, que pareceriam exageradas. Mas observe-se que junto a estas faz ressaltar sempre o dom de Deus, e que os mesmos favores a afundam mais no seu nada (pp. 222, 224, 234 etc.). Assim também a necessidade que ela faz das suas expiações para salvar o mundo, como se não bastassem os méritos de Cristo… Certamente aqui nos encontramos diante do mistério da íntima união entre Cristo e o seu Corpo místico, pelo qual o próprio São Paulo dizia: “Cumpro na minha carne o que falta das tribulações de Cristo” (Colossenses 1,24).
Por todas estas observações, feitas assim de passagem (daqui e dali) e confrontando, eu nutro a íntima persuasão de que a pessoa em questão é uma alma de Deus e que é divina a obra que nela se cumpre. Não conheço a vida nem a historia desta alma, mas para justificar este meu conceito basta-me o exame deste livro e o efeito que eu mesmo experimentei com a sua leitura, a qual destilava no meu espírito novas ânsias de melhorar espiritualmente. Só Deus tem as chaves do coração e o faz vibrar para a santidade.
Compreendo que o livro em questão necessitaria um estudo mais profundo e tranqüilo do que esse que eu tenha podido fazer em meio às minhas distrações. Talvez o faça no futuro, se Deus quiser; mas estou persuadido de não mudar, mas confirmar com isso a minha opinião.
De Vossa Reverendíssima, devotíssimo confrade
(ass.) frei Consalvo Valls, o.f.m. Roma, Colégio Internacional S. Antônio, 18 de julho de 1931
Ora, onde está a singularidade de Luísa, o que a distingue de todos os demais? Digamo-lo logo e com palavras simples: é a primeira viver da Vontade Divina, a imitação perfeita da Humanidade de nosso Senhor: “O meu alimento é fazer a Vontade de meu Pai”… e a imitação perfeita da santíssima Virgem: “Faça-se em mim…”.
Os santos e a Igreja conheceram até agora a conformidade à Vontade de Deus, o pleno abandono até a união com a Vontade de Deus, com o Querer divino. Podemos tomar como exemplo disso os conceitos de S. Francisco de Sales ou de S. Vicente de Paulo (e poderíamos citar centenas, mas baste com estes) na seguinte expressão: “Esvaziar-se de si mesmo e unir a sua vontade tão completamente a Deus que não fique mais do que uma com a sua”. Este, poderíamos dizer, é o ponto mais elevado. E a doutrina de Luísa, que diferença tem com essa união de vontades? Tomemos dos escritos dela mesma a resposta. No vol. XIV, capítulo de 6 de outubro de 1922, ante a pergunta de Luísa de como fosse possível ser a primeira em viver no divino Querer depois de tantos séculos e de tantos santos na Igreja, nosso Senhor diz-lhe:
“Ademais, é tão certo que te chamei por primeira, que a nenhuma outra alma, por mais que fosse querida por mim, manifestei-lhe o modo de viver no meu Querer, os efeitos dele, as maravilhas e os bens que recebe a criatura que age no Querer supremo. Verifica quantas vidas de santos queiras, ou livros de doutrina; em ninguém encontrarás os prodígios do meu Querer que age na criatura e da criatura que age no meu. No máximo, encontrarás a resignação, a união dos quereres, mas o Querer divino que age nela e ela no meu, em ninguém encontrarás. Isso significa que não tinha chegado o tempo em que a minha bondade devia chamar a criatura a viver nesse estado sublime. Inclusive o modo como te faço rezar não se encontra em ninguém mais…
Isto é, que da união dos quereres, já conhecida por alguns santos, Luísa passa à atividade da união, à atividade (e vida) da criatura na Divina Vontade, os seus efeitos etc.
Toda essa afirmação nossa, o leitor poderá corroborá-la se lê os escritos sem preconceitos e “com a mente aberta à luz da Verdade”; se não é assim, “não compreenderá nada” (vol. XII, 29.I.1919).
A seguir, e ainda à guisa de introdução, apresentamos uma primeira seleção de trechos de diversos volumes, sem ordem cronológica. A partir daí, virá outra seleção, em ordem cronológica, trazendo uma pedagogia crescente, ou seja, de conhecimentos e verdades menores vai passando a conhecimentos e verdades maiores, pelo que se recomenda ler, ao menos pela primeira vez, em ordem. Os títulos ou cabeçalhos dos capítulos não foram colocados por Luísa, e colocaram-se com a única intenção de identificar facilmente o conteúdo de cada um.
José Luís Acuña R. México.
Trechos introdutivos
29 de janeiro de 1921
(…) “Minha filha, quero que conheças a ordem da minha Providência. No decorrer de cada dois mil anos renovei o mundo.
Nos primeiros dois mil renovei-o com o Dilúvio.
Nos segundos dois mil renovei-o com a minha vinda sobre a terra, em que manifestei a minha Humanidade, da qual, como por tantas brechas, transluzia a minha Divindade, e os bons e os próprios santos dos seguintes dois mil anos viveram dos frutos da minha Humanidade e, como que sorvendo, fruíram da minha Divindade.
Agora estamos perto do fim dos terceiros dois mil, e haverá uma terceira renovação, eis portanto a confusão geral; nada mais é do que a preparação à terceira renovação. E se na segunda renovação manifestei o que fazia e sofria a minha Humanidade e pouquíssimo o que obrava a minha Divindade, agora, nesta terceira renovação, depois de ser purificada a terra e destruída em grande parte a presente geração, serei ainda mais generoso com as criaturas e cumprirei a renovação manifestando o que fazia a minha Divindade na minha Humanidade. Como agia o meu Querer divino com o meu querer humano. Como tudo ficava concatenado em mim e como fazia e refazia tudo. Também todo pensamento de cada criatura era refeito por mim e selado com o meu Querer divino.
O meu Amor quer desabafar e quer que se conheçam os excessos que a minha Divindade obrava na minha Humanidade a favor das criaturas, excessos que superam grandemente os excessos que obrava externamente a minha Humanidade.
Eis porque te falo freqüentemente do viver no meu Querer, que até agora não manifestei a ninguém. No máximo conheceram a sombra da minha Vontade, a graça e a doçura que contém fazê-la; mas penetrar nela, abraçar a imensidade, multiplicar-se comigo e penetrar em toda parte – mesmo estando na terra -, no Céu e nos corações. Depor os modos humanos e agir com os modos divinos, isso ainda não é conhecido, tanto que a não poucos parecerá estranho, e quem não tem a mente aberta à luz da Verdade não compreenderá nada. Mas Eu pouco a pouco avançarei, manifestando ora uma verdade, ora uma outra desta vida no meu Querer, que acabarão por compreendê-lo…”
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16 de julho de 1922
(…) E o bom Jesus disse-me: “Minha filha, coragem, não te abatas tanto; Eu estarei contigo também nisto. Ante o meu Querer, o teu deve desaparecer; e ainda, é a Santidade do meu Querer que quer ser conhecida; eis a causa disso.
A Santidade da vida no meu querer não tem caminho, nem portas, nem chaves, nem quartos; invade tudo; é como o ar que se respira, que todos devem e podem respirar. Contanto que o queiram e que ponham de lado o querer humano, o Querer divino será respirado pela alma e dar-lhe-á a vida, os efeitos, o valor da Vida do meu Querer. Mas se não for conhecido, como poderão amar e querer uma vida tão santa? É a maior glória que me pode dar a criatura.
A santidade das outras virtudes é bastante conhecida em toda a Igreja, e quem quiser pode copiá-la: eis aí porque não me apressei a multiplicar tal conhecimento; mas a Santidade da vida no meu Querer, os efeitos, o valor que contém, a última pincelada que dará a minha mão criadora à criatura para torná-la semelhante a mim, ainda não é conhecida.
Eis porque toda a minha preocupação é que surja o que te disse; e se não fizesses isso, seria como se restringisses o meu Querer, encarcerasses em mim as chamas que me devoram, fizesses adiar a completa glória que a criação me deve… Só quero que as coisas surjam ordenadas, porque uma palavra que falte, um nexo, uma frase pela metade, em vez de dar luz a mim darão trevas, e em vez de me dar glória e amor, as criaturas ficarão indiferentes. Portanto, fica atenta; o que Eu disse, quero que saia inteiro”.
E eu: “Mas para que ponhas a tua parte inteiramente, sou levada a pôr parte da minha”.
E Jesus: “E com isso que queres dizer? Se fizemos o caminho juntos, queres que entre em campo só? Ademais, a quem devo indicar e pôr como exemplo a imitar, se aquela que instruí e tem a prática do modo como viver no meu Querer não quer ser conhecida? Minha filha, isso é absurdo”…
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10 de fevereiro de 1924
(…) “Ao contrário, na minha Onisciência vejo que estes escritos serão para a minha Igreja como um novo sol que surgirá em seu meio, e os homens, atraídos pela sua luz fulgurante, farão esforços para se transformar nessa luz e sair espiritualizados e divinizados, pelo que, renovando-se a Igreja, transformarão a face da terra.
A doutrina sobre a minha Vontade é a mais pura, a mais bela, não sujeita à matéria nem ao lucro, tanto na ordem sobrenatural como na ordem natural; por isso será, como o sol, a mais penetrante, a mais fecunda e a mais benvinda e acolhida. E, já que é luz, por si mesma se fará entender e se fará caminho. Não será sujeita a dúvidas ou a suspeitas de erro, e, se não se entender alguma palavra, será pelo excesso de luz que eclipsa o intelecto humano que não poderão compreender toda a plenitude da Verdade, mas não encontrarão nem uma palavra que não seja verdade; no máximo, não poderão compreendê-la de todo.
Logo, em vista do bem que vejo, levo-te a nada deixar de escrever. Um dito, um efeito, uma similitude sobre a minha Vontade pode ser como um orvalho benéfico sobre as almas, como é benéfico o orvalho sobre as plantas depois de um dia de sol forte, ou como uma chuva após tantos meses de seca. Tu não podes entender todo o bem, a luz, a força que há dentro de uma palavra; mas o teu Jesus o sabe, e sabe a quem deve servir e o bem que deve fazer.”
Ora, enquanto dizia isso, fez-me ver no meio da Igreja uma mesa e todos os escritos sobre a Divina Vontade encima. Muitas pessoas venerandas circundavam essa mesa e afastavam-se transformadas em luz e divinizadas, e à medida que caminhavam comunicavam aquela luz a quem encontravam. E Jesus acrescentou:
“Tu verás do céu o grande bem, quando a Igreja receber este alimento celeste, que fortificando-a fará que ressurja em pleno triunfo”.
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22 de setembro de 1924
Continuo: enquanto escrevia o que está acima, via o meu doce Jesus, que apoiava a boca na parte do meu coração e me transmitia as palavras que eu estava escrevendo; ao mesmo tempo sentia um horrível barulho ao longe, como de pessoas que se batiam, e rugiam com tanto escândalo que davam pavor. E eu, voltando-me ao meu Jesus, disse-lhe: Meu Jesus, meu Amor, quem é que faz tanto barulho? Parecem-me demônios furiosos; o que querem, para briguem tantos?
E Jesus: “Minha filha, são eles mesmo; quiseram que tu não escrevesses sobre a minha Vontade, e quando te vêem escrever verdades mais importantes sobre o meu Querer, sofrem uma duplo inferno e atormentam mais a todos os condenados; temem muito que possam sair estes escritos sobre a minha Vontade, porque vêem perdido o seu reino sobre a terra, adquirido por eles quando o
homem, subtraindo-se da Vontade Divina, deu azo à sua própria vontade. Ah, sim, foi mesmo aí que o inimigo adquiriu o seu reino sobre a terra; e se o meu Querer reinar sobre a terra, o inimigo mesmo fugirá aos mais profundos abismos. Eis porque brigam con tanto furor: sentem a potência da minha Vontade nestes escritos e, na dúvida de que possam ser conhecidos, enfurecem-se e procuram impedir com todo o seu poder tal bem. Tu, porém, não lhes faças caso, e com isso aprende a prezar os meus ensinamentos”.
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7 de novembro de 1937
Sentia a minha pobre mente como repleta das tantas verdades que o meu doce Jesus me fez escrever sobre a Divina Vontade; e pensava comigo: Quem sabe quando virão à luz estas verdades escritas sobre o fiat [faça-se] divino, e qual será o bem que elas farão? E o meu amado Jesus, sorpreendendo-me com a sua visita, todo bondade e ternura, disse-me:
“Minha filha, também Eu sinto a necessidade de amor de que escutes a ordem que terão estas verdades e o bem que farão.
Estas verdades sobre a minha Vontade Divina formarão o dia do meu fiat em meio às criaturas; à medida que me conhecerem, assim se irá formando o dia. De maneira que, assim como começarem a conhecer as primeiras verdades que te manifestei, contanto que tenham boa vontade e disposição de fazer delas a própria vida, assim se formará uma luminosíssima aurora; contudo, estas verdades terão também virtude de as dispor e de dar luz a tantos cegos que não a conhecem e amam.
De forma que, com a aurora, se sentirão investidos de uma paz celeste, mais confirmados no bem, e portanto eles mesmos vão suspirar por conhecer outras verdades, as quais formarão o princípio do dia do meu Querer divino. Esse princípio do dia aumentará a Luz, o Amor; todas as coisas se convertirão em bem para eles; as paixões perderão a força de os fazer cair no pecado… Pode dizer-se que é a ordem primeira do bem divino o que sentirão; esta ordem facilitará as suas ações; eles sentirão uma força com que podem fazer tudo, posto que é exatamente esta a sua virtude primeira que põe na alma: transformar a natureza em bem.
Em conseqüência, sentindo o grande bem do princípio do dia do meu Querer, suspirarão por que o dia se adie; virão a conhecer outras verdades, as quais formarão o pleno dia.
Nesse dia pleno sentirão vivamente em si a Vida da minha Vontade, a sua alegria e felicidade, a sua virtude operante e criadora; sentir-se-ão em posse da minha própria Vida, e serão os portadores da minha Vontade Divina. O dia pleno dará às criaturas tais ânsias de conhecer as outras verdades, que, conhecidas, formarão o pleno meio-dia.
Nisso a criatura já não se sentirá só; entre ela e o meu Querer já não haverá separação. O que fizer Ele fará ela; será operante junto. Tudo será seu de direito: o céu e a terra, e também o próprio Deus.
Vês, portanto, a que objetivo nobre, divino e precioso servirão estas verdades que te fiz escrever sobre a minha Divina Vontade para formar o seu dia? A quem formarão a aurora, a quem o princípio do dia, a quem o pleno dia, e por último o pleno meio-dia… Estas verdades, conforme forem conhecidas, formarão as várias categorias das almas que viverão no meu Querer. Um conhecimento a mais ou a menos vai fazer com que subam ou fiquem nas várias categorias. O conhecimento será a mão para que subam às categorias superiores; será a própria vida da plenitude da minha Vontade nelas.
Por isso, posso dizer que com estas verdades formei o dia para quem quer viver no meu Querer divino. Dia de céu, mais que a própria criação, não de sol nem de estrelas, porque cada verdade tem a virtude para criar a nossa Vida na criatura, e oh! como supera toda a criação!
Por isso o nosso Amor superou tudo ao manifestar tantas verdades sobre a minha Vontade; a nossa glória será plena por parte das criaturas, porque terão a nossa Vida em seu poder para nos glorificar e amar.
Quanto ao anúncio destas verdades, assim como tive poder e amor para assistir quem devia manifestá-las, assim terei poder e amor para investir as criaturas e transmutá-las na própria verdade, pelo que, sentindo em si a vida, sentirão igualmente necessidade de trazer à luz o que sentem. Logo, não te preocupes; Eu, que posso tudo, farei tudo e pensarei em tudo…”
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