LIVRO DO CÉU VOLUME 1
(107) Depois de me recuperar daquele estado, sentia tais penas, tal aniquilamento de mim
mesma, que me via como um miserável verme que não sabia fazer mais que arrastar-se por terra,
e dizia ao Senhor: “Ajuda, tua Onipotência me aterroriza, vejo que se Tu não me levantas, meu
nada se desfaz e vai dispersar-se. Dá-me o sofrimento, mas te rogo me dê a força, porque me sinto
morrer”. E assim começou um alternar-se de visitas de Nosso Senhor e de tormentos por parte dos
demônios; quanto mais me resignava, tanto mais aumentava sua raiva.
(108) Poucos dias depois do dito anteriormente, senti de novo perder os sentidos (Lembro-me que
no início, sempre que isso me acontecia, eu achava que devia deixar a vida). Quando perdi os
sentidos, Nosso Senhor voltou a fez ver-se com a coroa de espinhos na cabeça, tudo jorrando
sangue, e dirigindo-se a mim disse:
(109) “Filha, olha o que me fazem os homens; nestes tristes tempos é tanta sua soberba que
infestaram todo o ar, e é tanta a peste que por toda parte se espalha, tanto, que chegou até meu
trono no empírico. Fazem de tal modo que eles mesmos se fecham o Céu; os miseráveis, não têm
olhos para ver a verdade porque estão ofuscados pelo pecado da soberba, com o cortejo dos
demais vícios que levam consigo. Ah, dá-me um alívio a tão acerbos dores e uma reparação a
tantas ofensas que me fazem”.
(110) Dizendo isto ele tirou a coroa, que não parecia coroa mais um novelo inteiro, assim, nem
sequer uma pequena parte da cabeça ficava livre, mas toda era atravessada por aqueles espinhos.
Quando ele tirou a coroa, veio ter comigo e perguntou-me se eu a aceitava. Eu me sentia tão
aniquilada, sentia tais penas pelas ofensas que lhe são feitas, que me sentia destroçar o coração e
lhe disse: “Senhor, faz de mim o que queiras”. E assim o fez e a empurrou sobre minha cabeça e
desapareceu.
(111) Quem pode dizer a dor que senti ao voltar a mim mesma? A cada movimento da cabeça
acreditava expirar, tantos eram as dores, as picadas que sentia na cabeça, nos olhos, nas orelhas,
atrás na nuca, aqueles espinhos me sentia penetrar até na boca, e esta se apertava de tal modo
que não podia abri-la para tomar o alimento, e estava às vezes duas e às vezes três dias sem
poder tomar nada. Quando de algum modo se atenuavam, sentia sensivelmente uma mão que me
oprimia a cabeça e renovava as penas, e às vezes eram tantas as dores que perdia os sentidos.
No início isto acontecia alguns dias sim e outros não, de vez em quando se repetia três ou quatro
vezes ao dia, às vezes durava um quarto de hora, outras vezes meia hora e outras uma hora, e
depois ficava livre só, que me sentia muito débil e sofrida, na medida em que naquele estado de
dormência me tinham sido comunicadas as penas, assim ficava mais ou menos dolorida.
(112) Lembro-me também como algumas vezes pelos sofrimentos da cabeça, como disse acima,
não podia abrir a boca para tomar o alimento, e como a família sabia que não tinha vontades de
estar no campo, quando viam que não comia atribuíam-no a um capricho meu, e naturalmente se
zangavam, se inquietavam e me repreendiam. Minha natureza queria ressentir-se disto, porque via
que não era verdade o que eles diziam, mas o Senhor não queria este ressentimento, e eis como
aconteceu:
(113) Uma noite, enquanto estávamos à mesa e eu neste estado de não poder abrir a boca, a
família começou a inquietar-se, eu o sentia tanto que comecei a chorar, e para não ser vista me
levantei e fui a outro quarto para seguir chorando, e pedia a Jesus Cristo e à Virgem Santíssima
que me dessem ajuda e força para suportar essa prova, Mas enquanto fazia isto senti que
começava a perder os sentidos. Meu Deus, que pena só de pensar que a família me veria, sendo
que até então não o tinha advertido! Enquanto eu estava nisso, eu dizia: “Senhor, não deixe que
me vejam”. E eu tinha tanta vergonha de que me vissem, embora não sei dizer por que, e tratava
por quanto mais podia me esconder em lugares onde não podia ser vista; quando era surpreendida
inesperadamente por esse estado, de modo que não tinha tempo de me esconder ou ao menos de
me ajoelhar, porque na posição em que me encontrava assim ficava, e poderiam dizer que estava
rezando, então me descobriam. Enquanto perdia os sentidos, Nosso Senhor se fez ver no meio de
muitos inimigos que lhe lançavam toda classe de insultos, especialmente o agarravam e pisavam-
no sob os pés, blasfemavam-no, lhe puxavam os cabelos; Parecia-me que o meu bom Jesus
queria fugir debaixo daqueles pés fétidos e ia à procura de uma mão amiga que o libertasse, mas
não encontrava ninguém. Enquanto via isto, eu não fazia outra coisa senão chorar sobre as penas
de meu Senhor, teria querido ir no meio desses inimigos, talvez poderia libertá-lo, mas não me
atrevia e lhe dizia: “Senhor, faz-me participar em tuas penas.
Ah, se pudesse aliviar-te e libertar-te!” Enquanto isto dizia, aqueles inimigos, como se como se tivessem entendido, vinham contra
mim, mas tão enfurecidos que começaram a me golpear, a puxar-me os cabelos, a pisotear-me, eu
tinha grande temor, sofria, sim, mas dentro de mim estava contente porque via que dava ao Senhor
um pouco de trégua. Depois aqueles inimigos desapareciam e eu ficava sozinha com o meu Jesus.
Tentei compadecer me mas não me atrevia a dizer-lhe nada, e Ele rompendo o silêncio me disse:
(114) “Tudo o que tu viste é nada em comparação com as ofensas que continuamente me fazem,
é tanta a sua cegueira, o entregar-se às coisas terrenas, que chegam a tornar-se não só cruéis
inimigos meus, mas também deles mesmos, e como seus olhos estão fixos na lama, por isso
chegam a desprezar o eterno. Quem me reparará por tanta ingratidão?
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